sábado, 31 de janeiro de 2015

Como eles sacodem a água do capote

Não temos acompanhado a verdadeira novela que tem sido o processo BES, porque são assuntos de grande complexidade técnica e que só têm servido para me incomodar, sobretudo porque revelam a enorme podridão que tem afectado algumas das nossas supersestruturas politico-económicas e alguns dos seus desonestos agentes.
Por isso, foi com alguma surpresa que tomamos conhecimento de uma carta dirigida à Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES, em que o seu antigo Presidente afirma ter-se encontrado com Cavaco Silva, Passos Coelho, Maria Albuquerque, Carlos Moedas, Durão Barroso e Paulo Portas, isto é, a nata do nosso regime político. O Presidente do BES conhecia todas estas pessoas e várias vezes integrou comitivas presidenciais e ministeriais. Certamente conviveu com eles aqui e acolá. Provavelmente até passaram férias conjuntamente num qualquer local exótico. Por isso, estes encontros não foram visitas de cortesia, mas foram visitas institucionais para informar sobre a situação de degradação que se vivia no BES e para pedir apoio. Significa, portanto, que todas estas pessoas e entidades estavam informadas do que se passava no BES, como de resto muito mais gente anónima suspeitava.
Porém, quando rebentou a bronca do BES e do GES, até porque era tempo de praia, cada um tratou de sacudir a água do capote à sua maneira. Ninguém era amigo do Salgado, ninguém conviveu com Salgado.
Agora a carta enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES veio ressuscitar a questão, ao revelar que o Presidente do BES se tinha encontrado duas vezes com o Presidente da República, o que significa que ele conhecia a situação.  Muitos portugueses que tinham confiado no BES reagiram de imediato, pois tinham perdido as suas poupanças. Lembraram que em Julho de 2014, na Coreia do Sul, o Presidente da República tinha garantido que os “Portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, de acordo com as garantias e as informações que recebera do Banco de Portugal. E eles confiaram. Agora, quando todas essas declarações ainda estão disponíveis na internet e estão gravadas na nossa memória, num verdadeiro jogo de palavras, o irritado Presidente veio dizer que nunca disse o que disse e acusou os jornalistas de mentirem. Ele é, sem dúvida, um grande sacudidor da água do capote.

Dijsselbloem & Varoufakis: o desencontro

Jeroen Dijsselbloem e Yanis Varoufakis encontraram-se ontem em Atenas. O primeiro é o ministro das Finanças dos Países Baixos e presidente do Eurogrupo e o segundo é o ministro das Finanças da Grécia. Ao contrário do que sucedeu na reunião entre Alexis Tsipras e Martin Schulz em que este, de acordo com a imprensa, gostou do que ouviu e saiu optimista do encontro, manifestando agrado com a intenção grega de dar prioridade ao combate à emergência e à injustiça sociais e à evasão fiscal, os senhores Dijsselbloem e Varoufakis estiveram demasiado tensos na conferência de imprensa final, quase nem se cumprimentaram e, cada um ao seu modo, mostrou que não estava politicamente preparado para aquele número. É caso para dizer que as conversas entre a União Europeia e a Grécia começaram mal e que esse facto não augura nada de bom.
Dijsselbloem e Varoufakis não estiveram bem. Não foi um encontro. Foi um desencontro. Não é assim que se negoceia ou se abrem as portas para negociar. Jeroen Dijsselbloem portou-se como um cobrador de fraque e repetiu o discurso obcessivo, intransigente e humilhante que os gregos tinham acabado de rejeitar nas urnas. A outra parte não gostou. Varoufakis esqueceu a sua condição de devedor e, animado pela recente vitória eleitoral, mostrou alguma sobranceria e repetiu o discurso anti-austeridade e anti-troika. A outra parte não gostou. 
O assunto é demasiado complexo e demasiado importante para o futuro da Europa e, por isso, a maioria dos líderes europeus mostra-se muito cautelosa nas suas declarações, embora haja algumas excepções. Uma dessas excepções acontece em Portugal. É um Portugal radical! É lamentável a obcessão de quem, ao fim de quase quatro anos, não só não conseguiu suster a nossa dívida externa e criou um problema social muito grave, como agora se mostra “mais papista do que o Papa” e se coloca ao lado dos falcões e da ganância dos mercados, revelando uma absoluta insensibilidade em relação à tragédia social grega.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Uma grande derrota da jihad em Kobani

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Depois de 134 dias de cerco, a cidade curda síria de Kobani, situada na fronteira com a Turquia, foi libertada pelas forças curdas do YPG - as unidades de defesa do Partido da União Democrática (PYD) que é o principal partido curdo da Síria - que resistiram aos jihadistas com a ajuda dos peshmerga (forças iraquianas curdas) e dos ataques aéreos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos.
Os quatro meses de combates levaram ao abandono da cidade pelos seus 50 mil habitantes e deixaram a malha urbana completamente arrasada e sem água, electricidade ou mantimentos, mas livre dos jihadistas que abandonaram a cidade e que são agora perseguidos pelos arredores.
Kobani tornou-se o símbolo da resistência ao movimento jihadista e esta vitória já é considerada um enorme revés para as forças do Estado Islâmico, mas também a sua primeira grande derrota na campanha militar visando a expansão do seu autoproclamado califado. Essas forças terão perdido cerca de mil combatentes e grande quantidade de material de guerra mas, sobretudo, perderam a reputação que pretendiam criar de absoluta invencibilidade e de não poderem ser travados por ninguém.
O jornal independentista catalão ara que se publica em Barcelona, foi um dos raros órgãos de comunicação que hoje destacou esta notícia e compara a resistência de Kobani à resistência de Stalinegrado em 1942-1943 e de Sarajevo em 1992-1996. 
Porém, a libertação de Kobani não é apenas uma derrota para a jihad, mas é também uma significativa vitória para a nação curda. Certamente, esta vitória vai estimular o nacionalismo curdo e recolocar em cima do futuro tabuleiro negocial, a aspiração de reunir numa só pátria e num só território nacional os 28 milhões de curdos hoje dispersos sobretudo pela Turquia, mas também pelo Iraque, Irão, Síria, Arménia e Azerbeijão.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Auschwitz, 70 anos depois da libertação

Há 70 anos, no dia 27 de Janeiro de 1945, as tropas soviéticas libertaram Auschwitz, o mais famoso e mais tenebroso campo de concentração do III Reich, onde terão morrido cerca de 1,3 milhões de pessoas, sobretudo judeus, mas também polacos, ciganos romenos, prisioneiros de guerra russos e dezenas de milhares de prisioneiros de outras nacionalidades.
A partir de toda a Europa ocupada pelos nazis, entre o início de 1942 e os finais de 1944, houve muitos milhares de pessoas que, por via ferroviária, foram transportadas para Auschwitz, um campo situado no território polaco, com destino às suas câmaras de gás. Muitos não chegaram a morrer nessas câmaras de extermínio, pois sucumbiram à fome, às doenças infecciosas, aos trabalhos forçados, às execuções individuais ou às experiências médicas.
Auschwitz tornou-se o maior e o mais terrível campo de concentração e um símbolo da barbárie nazi. A sua brutal realidade ultrapassou tudo o que pudesse ter sido imaginado.
Em 1947 foi aberto o Museu de Auschwitz-Birkenau nas instalações do antigo campo de concentração de forma a preservar às gerações vindouras a memória do Holocausto e, em 1979, a UNESCO declarou oficialmente o “German Nazi Concentration and Extermination Camp (1940-1945)” de Auschwitz-Birkenau, como Património da Humanidade.
Hoje, cerca de 300 sobreviventes de Auschwitz, na sua maioria com mais de 90 anos de idade, regressaram ao local de onde foram libertados há 70 anos, numa cerimónia em que estiveram presentes delegações oficiais de cerca de cinco dezenas de países. Porém, as cerimónias evocativas aconteceram um pouco por todo o mundo, inclusive em Portugal, tendo alguns jornais internacionais evocado a data,  homenageado as vítimas do nazismo e apelado para que o mundo não esqueça Auschwitz e os seus horrores.
 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Grécia: para que tudo não fique na mesma

Alexis Tsipras e o Syrisa ganharam as eleições legislativas, por vontade dos gregos e contra o desejo repetidamente expresso pelos dirigentes alemães e pelos burocratas de Bruxelas, que continuam a apoiar essa entidade abstracta e agiota a que se convencionou chamar “mercados”. Com o seu voto democrático, os gregos provocaram um tsunami político numa Europa cada vez mais inquieta e sem soluções para os seus graves problemas económicos, mas sobretudo para a sua profunda crise social. Os gregos votaram contra uma austeridade humilhante que lhes tem sido imposta pela ganância dos credores e desafiaram a troika e as autoridades de Bruxelas mas, sobretudo, enfrentaram Angela Merkel e o seu autoritarismo. Depois de Hollande e Renzi terem frustrado as esperanças francesas e italianas relativamente à adopção de novas políticas que não submetessem os povos à ditadura financeira dos mercados, Alexis Tsipras surge como a figura que desafia a poderosa Angela Merkel e as políticas de austeridade que têm sido impostas à Grécia, mas também a outros países, entre os quais Portugal.
Os tempos que se aproximam vão ser muito difíceis e muito incertos e todos os cenários estão em aberto, desde a consolidação de uma nova via para o futuro da Europa com novas políticas e novos actores, até à implosão do velho continente e uma completa tragédia na Grécia e não só. O tempo dos diktats alemães parece ter-se esgotado. É preciso muita prudência em Atenas, em Berlim e em Bruxelas para negociar com dignidade. É preciso que em Lisboa se olhe para Atenas com muita atenção e que se aprenda com o exemplo daqueles dirigentes insubmissos e patriotas. Os eleitorados europeus  já estão fartos desta receita de austeridade e não suportam mais a má governação, a incerteza, o desemprego, o aumento da pobreza, a ausência de crescimento, a ruptura social, a falta de esperança e a arrogância da troika e dos seus aliados.
Há dias o franco suiço desligou-se do euro e alguns observadores viram nessa decisão um mau prenúncio. Da mesma forma, embora tardiamente e perante a eminência de uma deflacção incontrolada, o BCE decidiu fazer qualquer coisa, para que tudo não fique na mesma. Ontem, os gregos deram um passo nesse mesmo sentido.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Nada justifica a venda dos nossos anéis

A Assembleia Geral da PT SGPS decidiu vender a PT Portugal à Altice, um fundo de investimento com sede no Luxemburgo que é maioritariamente detido por franceses e que, aparentemente, se dedica a compras e vendas no sector das telecomunicações. A edição de ontem do Jornal de Negócios destaca essa notícia que se traduz na saída de Portugal de mais um centro de decisão.
O facto serve para nos avivar a memória do que tem sido a delapidação do nosso património empresarial, nuns casos pela sua incapacidade de sobrevivência num mercado internacional muito competitivo, noutros casos pela incompetência e leviandade com que foi gerido e noutros casos, ainda, apenas por decisão ideológica de privatizar as empresas estatais. Ainda há poucos anos os portugueses se orgulhavam de algumas empresas portuguesas com prestígio internacional e se estimulava o aparecimento de “campeões nacionais”, isto é, empresas que pelo seu impacto nos mercados interno e internacional podiam ser vistas como referenciais no desempenho económico, na qualidade da gestão, na investigação científica e tecnológica, na inovação e na reputação dos seus produtos ou serviços. Porém, os ventos começaram a soprar de outra direcção e não se pensou mais nos “campeões nacionais”. Por necessidade financeira ou por opção ideológica, o governo português entrou numa onda de privatizações e de abertura ao capital privado estrangeiro mais ou menos especulativo, assunto que nunca foi bem explicado e que tanto nos subalterniza. Um dia assistimos ao “desaparecimento” da Cimpor, que foi privatizada e se tornou brasileira; no outro vimos a “espanholização” do Banco Totta. A coisa não parou. Nos anos mais recentes instalou-se uma onda privatizadora em Portugal e lá se foi a EDP para os chineses da Three Gorges, a REN também para os chineses da State Grid of China e a ANA para os franceses da Vinci. Os CTT foram comprados por um sindicato internacional onde pontificam os americanos da Goldman Sachs e o Deustche Bank, enquanto a Caixa Seguros (Fidelidade) foi comprada pelos chineses da Fosun. É demais.
Não há nada que justifique esta delapidação do nosso património empresarial e a venda dos nossos anéis.  E se essa venda não é ilegal, é certamente ilegítima.

 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Brasil: a preocupante escassez de água

Alguns jornais brasileiros têm destacado, quase todos os dias, a alarmante situação por que passa o abastecimento público de água às grandes metrópoles, sobretudo São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, traçando cenários muito preocupantes em relação à hipótese dessas cidades poderem entrar numa situação de emergência hídrica. A escassez de água potável é hoje um problema mundial, sobretudo nas regiões mais urbanizadas e nas grandes cidades que têm atraido muita população e crescido desordenadamente, umas vezes pela inexistência de infraestruturas devidamente dimensionadas e, outras vezes, pela persistência da seca.
O problema parece ter uma enorme dimensão no Brasil e o caso mais preocupante é a Grande São Paulo, uma área metropolitana onde vivem 22 milhões de pessoas, que assistiu ao colapso do sistema Cantareira, o seu principal sistema de captação, tratamento e distribuição de água potável, vivendo actualmente uma situação de quase colapso. No Rio de Janeiro também há grandes problemas, sobretudo com a bacia do rio Paraíba do Sul, responsável por 90% do abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, que está próximo do zero e que, segundo os especialistas, poderá vir a ter “um fim de ano dramático, como o que aconteceu com o sistema Cantareira”. Por isso, o jornal Extra que se publica no Rio de Janeiro, exibiu uma fotografia a 6 colunas de um dos principais reservatórios quase vazio e, como ante-título e título, escreveu: “falta d’água” e “no fundo do poço”.
As preocupações também já chegaram ao Estado de Minas Gerais e um jornal que se publica na cidade de Belo Horizonte, destacou em primeira página a frase “alerta máximo” e anunciou que as represas que servem 14 milhões de consumidores estão com a sua capacidade reduzida a uma média de 3,8%, o que significa apenas a possibilidade para um mês de utilização. No Estado de Pernambuco é salientado que “a crise hídrica se agrava”, havendo apelos generalizados para que se evitem os desperdícios. Há muitas regiões brasileiras "perto do colapso de abastecimento" e é preciso que chova, embora "só 29% culpem a falta de chuva pela crise".
A situação é muito preocupante e daí a persistência com que é tratada pela imprensa brasileira.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Praça da Canção – o livro de uma geração

Em Janeiro de 1965 foi publicado um pequeno livro de poemas incluido na colecção do Cancioneiro Vértice, com o título de Praça da Canção. O autor era Manuel Alegre, um quase desconhecido que em 1962 tinha sido mobilizado para Angola por motivos políticos, onde veio a ser preso pela PIDE. De regresso à Metrópole, foi colocado em Coimbra com residência fixa, mas em 1964 decidiu passar à clandestinidade e exilar-se, tendo o livro sido editado pela sua família.
Apesar de proibido e apreendido pela Censura, o livro foi um sucesso para a jovem geração que nas universidades então contestava as políticas salazaristas e a guerra no Ultramar. O impacto da sua circulação limitada e clandestina, foi ultrapassado pelo facto de muitos dos seus poemas terem sido cantados e divulgados por José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire.
Em 1969 a Editora Ulisseia decidiu publicar a 2ª edição da Praça da Canção e eu tive oportunidade de adquirir um exemplar na Cooperativa Livrelco, que ainda conservo. No prefácio dessa edição, Mário Sacramento escreveu que “com Manuel Alegre nasceu o maior poeta do neo-realismo português”. De facto, o livro inclui poemas que revelam a opressiva realidade lusitana e expressam a solidariedade do poeta para com o sofrimento dos portugueses que emigravam, que partiam para a guerra ou que eram perseguidos pelo delito de opinião. A Trova do vento que passa, a Trova do amor lusíada, a Trova do emigrante, a Canção com lágrimas e sol, o Nambuagongo, meu amor ou o Canto peninsular, são apenas alguns dos poemas que são marcos da poesia portuguesa, nos quais o poeta recorre à nossa História para interrogar o presente e o futuro de Portugal, conseguindo aliar o lírico e o épico num grito contra a ditadura e a repressão em que os portugueses viviam nesse tempo.
Na edição que hoje foi posta a circular, o Jornal de Letras evoca Manuel Alegre e a Praça da Canção, um dos mais importantes livros da literatura portuguesa contemporânea e um marco de elevada estética literária no panorama da cultura portuguesa, por ocasião dos 50 anos da sua primeira publicação.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Eleições gregas com sinais de esperança

No próximo domingo realizam-se eleições legislativas na Grécia e esse acontecimento está a agitar a Europa, sobretudo porque as sondagens indicam que o principal partido da oposição (Syriza de Alex Tsipras com 29,5%) está a aumentar a sua vantagem sobre o partido do actual governo (Nova Democracia de Antónis Samarás com 25,7%).
Há muitas questões em aberto, quer no que respeita às maiorias que se possam vir a formar para governar a Grécia, quer em relação ao previsível confronto grego com a União Europeia e os seus credores internacionais, pois o resultado eleitoral do próximo domingo pode gerar um ciclo de instabilidade política e social, precipitando a reestruturação da dívida grega ou a saída da moeda única.
A União Europeia e outras instâncias internacionais como o FMI temem o Syriza, uma coligação de esquerda que combate as políticas de austeridade, que tanto têm afundado a economia grega e criado um insustentável desemprego, além de defender o adiamento ou a anulação da enorme dívida grega. Muitos dirigentes internacionais, desde Jean-Claude Juncker a Christine Lagarde, têm produzido declarações que são uma inadmissível pressão sobre os gregos, mas também tem havido declarações a considerar legítimo que o eleitorado grego escolha o caminho que deseja seguir. Essa escolha dos gregos vai ser certamente inspiradora para os países endividados do sul da Europa e pode ser “uma pedrada no charco” que abra as portas a uma nova abordagem para a retoma da coesão e da solidariedade europeias. As propostas de Alex Tsipras para que os países endividados assumam uma posição conjunta sobre a dívida pública têm cada vez mais seguidores e essa poderá ser a melhor solução para os problemas da Grécia, mas também de Portugal, Itália, Espanha, Chipre, Irlanda e Bélgica, não deixando de ser curioso e alarmante ouvir de Giscard d’Estaing que “a França corre o risco de viver uma situação como a da Grécia”.
As eleições gregas já estão a ser um grito de alerta e um sinal de esperança para muitos europeus, podendo ser também “uma luz ao fundo do túnel” que indique caminhos alternativos às políticas de austeridade que tanto têm empobrecido os países do sul da Europa, assustando-os, desmoralizando-os e oprimindo-os.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

‘Histórias que vêm do Mar’ em exposição

Foi hoje inaugurada no Museu de Marinha – Sala D. Luís, em Lisboa, a exposição “Histórias que vêm do Mar”, numa iniciativa conjunta de diversas entidades culturais e académicas açorianas, a que se associou a Marinha Portuguesa e o seu museu.
Apesar de ser constituída por simples painéis de acentuado cunho pedagógico, a exposição aproxima-nos das metodologias de investigação usadas na arqueologia subaquática e de algumas realidades do património cultural subaquático açoriano, sobretudo a partir da identificação de sítios de interesse arqueológico e da apresentação de objectos provenientes de naufrágios que foram recolhidos nos mares dos Açores. Entre o acervo recolhido, destacam-se enormes presas de elefante, âncoras, ânforas, objectos de cerâmica e outros objectos de uso quotidiano, incluindo a base de um octante, um instrumento náutico destinado à medição de alturas do sol para a determinação da latitude. Esta exposição revela que a história da expansão marítima que tem sido feita a partir de fontes escritas, cartográficas e iconográfica, pode receber valiosos contributos da arqueologia subaquática, enquanto actividade científica, como esta exposição demonstra.
A exposição foi inicialmente apresentada na cidade da Horta, no âmbito do estudo dos vestígios arqueológicos subaquáticos recuperados durante os trabalhos associados ao projecto de requalificação e reordenamento da frente marítima daquela cidade, mas tem vindo a ser alargada a outras realidades do arquipélago e tem feito uma itinerância pelas principais cidades açorianas.
A exposição que hoje foi inaugurada no Museu de Marinha estará patente até ao dia 31 de Março de 2015.

domingo, 18 de janeiro de 2015

As ondas da mudança chegam a Cuba

Passo a passo, prossegue o processo de reaproximação entre os Estados Unidos e Cuba, formalmente iniciado há um mês quando, em simultâneo, Barack Obama e Raúl Castro anunciaram as primeiras medidas para o fim do embargo americano que dura há 53 anos. Esse embargo económico, comercial e financeiro foi imposto pelos Estados Unidos em 1962, em consequência da radicalização da revolução cubana, da sua aproximação à União Soviética e dos seus ataques aos interesses americanos. Apesar do embargo ter surgido no contexto da chamada guerra fria e ter provocado grandes danos à economia e à sociedade cubanas, a decisão de o manter resistiu a todas as circunstâncias, incluindo o colapso do bloco soviético em 1991, com o argumento de que o regime cubano violava os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Da mesma forma foram inconsequentes as pressões da Assembleia Geral das Nações Unidas e da Igreja Católica para que os Estados Unidos pusessem fim ao embargo.
A doença de Fidel de Castro que foi detectada em 2006, abriu o caminho à sua sucessão por Raúl de Castro, que se concretizou em 2008 e, no ano seguinte, foi Barack Obama que tomou posse como Presidente dos Estados Unidos.
Aqueles homens, separados por 30 anos de idade, não terão imaginado inicialmente que tinham nas mãos a resolução de um dos mais embaraçosos conflitos da actualidade. Porém, se os Estados Unidos tinham relações normais com a China e com o Vietnam, era difícil compreender porque perdurava um embargo desta natureza. Foi isso que Obama e Castro compreenderam.
Não se afigura fácil esta reaproximação, sobretudo pela oposição do “lobby de Cuba”, formado por anti-castristas conservadores muito influentes entre os exilados cubanos e no voto no Estado da Florida, que só apoia uma solução que passe pelo derrube do regime cubano. Porém, passo a passo, o processo avança como hoje salienta o jornal Miami Herald.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Fenómeno Ronaldo até na Índia é notícia

A notícia da conquista do Balon d’0r 2014 por Cristiano Ronaldo correu mundo e muitas dezenas de jornais internacionais destacaram-na em primeira página, ilustrando-a quase sempre com uma fotografia do famoso futebolista português a exibir ou a beijar o cobiçado troféu. Ninguém se conteve nos elogios porque eram justos e até a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma mensagem de felicitações ao atleta que classificou como “um exemplo de esforço, de dedicação e de empenho”.
Porém, contrariamente ao que sucedeu há um ano na mesma cerimónia quando recebeu o Balon d’Or 2013, desta vez Cristiano Ronaldo não tinha a sua namorada Irina Shayk na plateia, nem o seu discurso de agradecimento a mencionou. No dia seguinte, a imprensa cor-de-rosa portuguesa começou a especular sobre o que se passara, interrogando-se sobre as razões de tão inesperada ausência e avançando algumas explicações sobre uma eventual ruptura na relação amorosa entre o futebolista português e a modelo russa, embora o assunto não tivesse despertado qualquer interesse na imprensa de referência que, naturalmente, se absteve de fazer considerações sobre o caso. De facto, o assunto só interessa verdadeiramente a quem vive deste tipo de voyeurismo social.
Só que hoje, a edição do Deccan Chronicle – o maior jornal do sul da Índia, que se publica em Bangalore (ou Bengaluru) e que tem mais de 10 milhões de leitores – decidiu destacar esse assunto na sua primeira página com fotografia e com o título: “Shayks off Irina, Ronaldo single again!”
Se houvesse dúvidas sobre a popularidade de Ronaldo, mesmo num país onde o futebol ainda não desperta interesse generalizado, esta notícia mostra como o "fenómeno Ronaldo" vai muito para além do futebol. Até na Índia.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

As trapalhadas do Lima e do Monteiro

Os "cérebros" da privatização da TAP
O governo aprovou ontem o caderno de encargos da privatização da TAP, ignorando o coro de protestos da oposição e de muitos sectores da sociedade civil, o que significa que não abdica de levar por diante o seu programa ideológico ou a sua jihad neoliberal, apesar de termos eleições à porta e o caso merecer um maior consenso nacional, até porque as precipitações dão sempre mau resultado.
Esse caderno de encargos ainda não foi tornado público, mas os seus contornos já são conhecidos. O documento prevê a venda de 66% do capital da empresa e acrescenta uma novidade que terá resultado das negociações com os sindicatos quando, em Dezembro de 2014, estes anunciaram uma greve contra a privatização da empresa: quem comprar a TAP não poderá fazer despedimentos colectivos durante os primeiros 30 meses após a venda, ou seja, durante esse período ficam garantidos todos postos de trabalho.
Os cérebros desta operação são o ministro Lima e o secretário Monteiro e, cada qual ao seu estilo mas com igual arrogância, desdobraram-se em declarações durante o dia de ontem a respeito dessa garantia. O secretário Monteiro foi claro: “o acordo [laboral] apenas é válido para o universo de sindicatos que aceitaram discutir estas matérias”, isto é, os nove sindicatos que cessaram a greve e assinaram um acordo com o governo. À noite, o ministro Lima disse que não há represálias relativamente aos outros sindicatos - SITAVA, SINTAC e SNPVAC - mas acentuou que “o acordo é só para quem se associou ao objectivo da paz social”.  Significa, portanto, que os sindicalizados destes três sindicatos são abandonados pelo governo e ficam à mercê do futuro patrão, como se Portugal fosse uma república das bananas.
Estes governantes não podem ser tão arrogantes e tão ignorantes. Isto não são swaps nem são beers. Em Portugal existe uma Constituição (CRP) e nela está consagrado o Princípio da Igualdade (artigo 13º da CRP) “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
Então, como é que estes figurões admitem que, dentro da mesma empresa, possam existir regras diferentes para sindicalistas que assinaram e para sindicalistas que não assinaram, ignorando que ainda há os trabalhadores que no uso da sua liberdade sindical nem sequer são sindicalizados. Hoje, mais avisado, o nosso primeiro Passos veio dizer “que não haverá nenhuma discriminação de trabalhadores na TAP” e, logo a seguir, veio o ministro Lima dizer que "os 30 meses abrangem todos os trabalhadores da TAP". Que grande ministro e que grande secretário! Que grandes cambalhotas. Saberão o que andam a fazer?

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Uma publicidade peculiar e baratinha

Na Baixa Pombalina, que provavelmente constitui a mais atraente área histórica e comercial da cidade de Lisboa, existe uma boa concentração de restaurantes, pastelarias e casas de petiscos ou tascas, umas mais tradicionais e mais antigas, outras mais inovadoras e mais modernas. Pode dizer-se que na Baixa Pombalina estão presentes os sabores de quase todo o mundo, embora naturalmente sejam a gastronomia e a doçaria portuguesas as que mais se destacam.
Muitas casas, algumas delas centenárias, despertam o interesse dos gourmets do paladar apurado e do gosto pelas especialidades da gastronomia e da doçaria portuguesas. Algumas dessas casas são muito famosas, como acontece com os restaurantes Gambrinus, Martinho da Arcada ou João do Grão. Igualmente famosas são as pastelarias, como por exemplo a Ferrari, a Confeitaria Nacional, a Casa Brasileira ou a Casa Chinesa. Porém, as tascas especializadas em “vinhos e petiscos”, onde o visitante pode provar alguns dos mais apreciados petiscos portugueses, não são apenas famosas, como são um sinal identitário da Baixa Pombalina. Assim sucede, por exemplo, com a Tendinha, A Ginginha ou a Nova Pombalina.
A Nova Pombalina localiza-se na Rua do Comércio e, de vez em quando, utiliza uma peculiar publicidade que, além do mais, é baratinha. Junto a uma travessa de bem tostado leitão e duas cestas de apetecíveis bolas de pão caseiro cozidas em forno de lenha, por vezes está colada no vidro da respectiva montra uma toalha de papel onde, de forma insinuante, é pedido a quem passa: por favor não me lamba a montra.
Não sei se a frase é eficaz como mensagem publicitária, mas é certamente muito peculiar.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Obrigado, Ronaldo!

Cristiano Ronaldo voltou a dar uma grande alegria aos portugueses ao ser distinguido pela FIFA com a Bola de Ouro 2014, um troféu que distingue o melhor futebolista do mundo. Com mais esta distinção conquistada ontem em Zurique, Ronaldo não se confirma apenas como um desportista de grande valor, mas também como o mais famoso português de todos os tempos, com uma notoriedade global e com uma imagem internacional altamente positiva em todos os planos de exposição pública, designadamente profissional, desportivo e humano. Para quem tem preocupações culturais de outro tipo e não aprecia o fenómeno de massas que é o futebol, o elogio de Ronaldo poderá parecer exagerado quando comparado com as figuras que enchem páginas da nossa História e da nossa Cultura. Porém, quem viaja pelo mundo sabe que Ronaldo é hoje mais conhecido do que o seu próprio país e que Portugal é cada vez mais o país de Cristiano Ronaldo. 
Infelizmente, não temos tido outros casos de cidadãos portugueses que nos tenham dado alegrias desta natureza que tanto fortalecem a auto-estima nacional e muito alimentam o orgulho nacional da nossa diáspora, sobretudo pela sua cobertura mediática a uma escala planetária. Muitas vezes, ao longo do tempo, os portugueses viveram sob o peso das dificuldades económicas e sociais, perderam a independência, foram invadidos e, ainda muito recentemente, houve meio mundo que nos humilhou e nos impôs padrões de austeridade altamente gravosos.
A proeza de Ronaldo é um quase-resgate e o seu notável desempenho futebolístico tem sido amplamente divulgado, pelo que aqui se regista apenas o facto singular de nunca um português ter sido tão conhecido e tão apreciado no mundo. No momento da sua consagração, Ronaldo voltou a fazer uma grande jogada e, no seu discurso em português, declarou: “Obrigado aos portugueses, este título também é vosso”.
Naturalmente, os portugueses retribuem: Obrigado, Ronaldo!

sábado, 10 de janeiro de 2015

O 11 de Setembro Francês que é Europeu

Na sequência do bárbaro ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo e de tudo o que durante 52 horas se lhe seguiu, a edição de hoje do jornal belga LE SOIR inclui um suplemento especial no qual marca presença a opinião de 22 especialistas, de todas as tendências, sobre o que aconteceu em Paris e sobre a ameaça que afecta o mundo em que vivemos.
Numa breve apreciação desses textos parece haver grande unanimidade quanto à complexidade da situação que ameaça a Europa, embora as análises produzidas avaliem as respectivas causas de forma diversa. Para uns, o problema está sobretudo nas fraquezas das sociedades multiculturais e nas dificuldades de integração cultural das minorias; para outros, a situação resulta principalmente da incapacidade europeia para adoptar adequadas políticas de coesão social; para outros, ainda, o problema resulta maioritariamente da crise económica que repele um certo tipo de marginalizados, que são atraídos por “cantos de sereia”.
É sabido que nos últimos anos muitos estrangeiros partiram para a Síria e para o Iraque onde receberam treino militar a fim de integrarem as fileiras do ISIS e de outros grupos radicais que actuam na região.  As estimativas são muito imprecisas quanto ao número de jihadistas estrangeiros, mas são indicados cerca de 15 mil, provenientes de mais de 80 países. Serão mais de dois mil ocidentais, sobretudo franceses e ingleses, mas também belgas, alemães, holandeses, espanhóis, americanos, australianos e outros. Uma parte deles regressa, definitiva ou temporariamente aos seus países. As experiências por que passaram nas fileiras da jihad como testemunhas ou como participantes de atrocidades e de combates violentos, são muito marcantes. Uns não as quererão repetir, outros hão-de vangloriam-se de as ter feito, outros estarão disponíveis para as repetir e, outros, não saberão fazer outra coisa. Provavelmente os irmãos Kouachi pertenciam a este grupo.
Se o 11 de Setembro de 2001 mudou a América, provavelmente este “11 de Setembro Francês”, como ontem lhe chamou o Le Monde, também vai mudar a Europa.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Je suis Charlie Hebdo!

Ontem em Paris, pelas 11 horas da manhã, dois indivíduos encapuzados e fortemente armados assaltaram a redacção da revista satírica Charlie Hebdo e, com enorme frieza e crueldade, dispararam sobre jornalistas e polícias, provocando 12 mortes.
Eu conhecia vagamente o Charlie Hebdo e não sou grande apreciador do cartoon, mas sabia que a revista tinha sido ameaçada por ter publicado caricaturas de Maomé.
A barbaridade deste acto terrorista impressionou-me. O que aconteceu naquela redacção não foi apenas um ataque brutal contra pessoas indefesas e contra um jornal, o jornalismo e a liberdade de expressão, mas foi também um ataque contra o modelo de sociedade aberta, tolerante e plural em que temos vivido. O que se passou em Paris tem pouco a ver com a religião muçulmana, embora tenha uma relação íntima com a violência que se instalou na Síria, no Iraque e na Líbia.
Foi uma manifestação do ódio e da violência que já ameaçam a Europa e o mundo.
O choque que este acto criminoso provocou foi enorme em França e no estrangeiro, daí tendo resultado a solidariedade expressa por diversas formas por jornalistas e por jornais, rádios e televisões. Um pouco por todo  mundo, muitos milhares de pessoas solidarizaram-se com as pessoas assassinadas e exibiram cartazes com a frase “Je suis Charlie”, enquanto as primeiras páginas dos grandes jornais internacionais evocaram a memória dos mártires. Porém, o ataque ao Charlie Hebdo não é apenas um acto de terrorismo e uma ameaça ao jornalismo, pois constituiu também um ataque a um dos princípios mais importantes das nossas sociedades: a liberdade de pensamento e de expressão. Além disso, a partir de ontem tornámo-nos menos livres e mais inseguros nos nossos quotidianos, cada vez mais ameaçados pela brutalidade e pela intolerância de alguns fanatismos. 
O diário Le Parisien destaca em título “ils ne tueront pas la liberté” e, apesar de tudo, essa deve ser a lição a tirar destes trágicos acontecimentos que não deixarão de marcar o nosso futuro próximo. 

Mandar es servir

Na primeira mensagem que dirigiu às Forças Armadas de Espanha nas celebrações da Páscoa Militar, o Rei Filipe VI recordou várias vezes que acompanha a vida militar desde há cerca de 30 anos quando “tive o privilégio de começar a minha formação castrense junto a muitos de vós” e lembrou a sua frequências das academias do Exército (Saragoça), da Marinha (Marin) e da Força Aérea (San Javier).
Nesse discurso, o Rei afirmou que “mandar é servir e não haverá dia em que deixe de recordar este princípio”. Todos os grandes jornais espanhóis destacaram esta mesma frase dirigida aos militares, embora ela também seja dirigida a todos os servidores do Estado e à sociedade civil. Com esta simples frase, o Rei deu uma enorme lição aos aparelhistas que tomam conta das estruturas do Estado, não para o servirem, mas para se servirem.
Aqui em Portugal temos uma república e, portanto, não temos um Rei. Talvez por isso, também temos outro tipo de mensagens e a ideia de servir que é característica da ética republicana raramente é mencionada. Aqui, a noção de serviço público e de devoção à causa pública estão em vias de extinção. Os dirigentes do Estado que servem a causa pública vão sendo cada vez menos e a ideia de servir está a desaparecer da ética pública. Sabemos como os grandes partidos políticos dividem entre si os lugares do Estado ou dele dependentes, que são distribuidos por gestores, administradores e directores identificados com o centro político e sem que, muitas vezes, tenham os requisitos mínimos para ocupar essas funções e também sabemos como essa gente arranja emprego para os amigos como assessores e consultores. Essa gente depois de instalada não pensa em servir o Estado, mas tão só em assegurar os seus próprios interesses ou do seu grupo.
“Mandar es servir” bem podia ser uma frase a colocar sobre as mesas de trabalho de muitos dirigentes portugueses.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Desemprego e centrais de propaganda

Na sua recente mensagem de Natal o Primeiro-Ministro disse que “entrámos numa nova fase […] de aumento do emprego” e, poucos dias depois, o Presidente da República afirmou que “a economia está a crescer […] e o desemprego diminuiu”. São duas vozes institucionais com formação económica e que têm à sua volta muitos assessores e consultores que os deviam ter prevenido para a nossa realidade, em que nem “o emprego aumenta”, nem “o desemprego diminui”. De facto, toda a gente sabe que o emprego não está a aumentar pelo que aquelas declarações só podem magoar e ofender os que não têm emprego e os que continuam a ser forçados a emigrar. O crescimento do chamado “falso emprego” criado em absoluta precaridade pelo próprio Estado, através de alguns milhares de estagiários e de desempregados que estejam a receber subsídios, não deu para encobrir a realidade.
Hoje, no seu primeiro Comunicado de Imprensa de 2015 (News Release 1/2015) o Eurostat veio anunciar os mais recentes valores do desemprego: 11.5% para a Zona Euro (EA18), 10,0% para a UE28 e 13,9% para Portugal. Aquele comunicado destaca que só a Grécia, a Espanha, o Chipre e a Croácia têm mais desemprego do que Portugal e revela também que Portugal é o país da Europa que nos últimos dois meses registou o maior agravamento da taxa de desemprego, que passou de 13,3% para 13,9%, o mesmo acontecendo com a taxa de desemprego jovem (< 25 anos) que aumentou de 12,5% para 13,8%. Portanto, Portugal registou a maior degradação do mercado de trabalho em toda a União Europeia e, tanto o Primeiro-Ministro como o Presidente da República disseram o contrário. Não dá para acreditar! Belém e São Bento não podem ser centrais de propaganda. Têm que se dar ao respeito. Será que cederam aos seus interesses partidários ou que pensam que uma mentira muitas vezes repetida se torna uma verdade?

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A mais lusitana cidade norte-americana

Fall River é uma pequena cidade costeira do Estado de Massachusetts, na costa oriental dos Estados Unidos, nela estando fixada uma importante comunidade portuguesa ou de origem portuguesa. Estima-se que 49% da população residente na cidade seja de origem portuguesa ou seja proveniente do antigo ultramar português e, apesar dos fenómenos de integração e de aculturação que “americanizam” os emigrantes, há 37% de residentes que se reclamam de origem portuguesa. Em termos percentuais, na cidade de Fall River reside a maior comunidade luso-americana dos Estados Unidos e, naturalmente, existem na cidade vários restaurantes portugueses – Caldeiras, Lusitano, Clipper, Academica, Barcelos, Estoril, Marisqueira Azores e outros que publicitam a boa comida portuguesa.
Na cidade publica-se o The Herald News, um jornal diário fundado em 1872, que no seu noticiário reflecte frequentemente os interesses da comunidade portuguesa.
Assim aconteceu na edição de hoje, em que o jornal anuncia em primeira página e com duas fotografias, a reabertura para breve de dois restaurantes de referência na cidade: o Sagres e o Mesa 21. Ambos tinham sido vítimas de incêndio e o jornal informa que são “two of the city’s landmark restaurants”.
O Restaurante Sagres é propriedade de Vítor da Silva e é considerado o melhor restaurante português da cidade. Fica localizado em 177 Columbia St. e foi destruído no dia 6 de Julho de 2013 por um incêndio que deflagrou num apartamento localizado por cima do restaurante.
O Restaurante Mesa 21 é propriedade de Peter de Sousa, fica localizado em 21 Lindsey St. e também foi destruído por um incêndio.
Ambos vão reabrir em breve. É bem curioso verificar como a reabertura de dois restaurantes tem destaque no principal jornal da cidade, a evidenciar como Fall River é a mais portuguesa cidade dos Estados Unidos.

A enorme degradação do serviço público

Nos últimos tempos temos sido surpreendidos por notícias relativas a uma generalizada falta de pessoal nos serviços do Estado, de que vem resultando uma degradação da qualidade dos serviços, com notórios prejuízos para os utentes e para a população em geral. Há tempos foi a questão da colocação dos professores e o atraso no arranque escolar em muitas regiões do país. Depois foi o bloqueio do sistema de justiça por razões informáticas, mas também por falta de pessoal. A seguir tivemos a Segurança Social a mandar centenas de trabalhadores para a requalificação que, como sabemos, é a ante-câmara do desemprego. Agora foi a notória falta de médicos e de outro pessoal de saúde em diversos hospitais, de que resultaram inadmissíveis tempos de espera e casos de morte à porta das urgências hospitalares. Reduzir serviços, dispensar pessoal e comprimir despesas, tem sido o lema. Tudo isto acontece pela obcessão governamental pelo chamado emagrecimento do Estado, embora os responsáveis esqueçam que essa redução deva “manter a qualidade na prestação do serviço público”.
Hoje o Jornal de Notícias vem dar-nos uma explicação: a Função Pública encolheu o dobro do exigido pela troika.
Desde 2011, o ano em que a troika chegou a Portugal, a Função Pública perdeu cerca de 80 mil trabalhadores e a redução está a decorrer a um ritmo que, no mínimo, é o dobro daquilo que foi programado. De facto, o Memorando de 17 de Maio de 2011 estipulava: “limitar admissões de pessoal na Administração Pública para obter decréscimos anuais em 2012-2014 de 1% ao ano na Administração Central e de 2% nas Administrações Local e Regional”. Porém, tal como prometeram e se vangloriaram, os governantes quiseram ir para além da troika. E foram. Assim, eles são os responsáveis por esta degradação da qualidade dos serviços públicos a que temos direito.

sábado, 3 de janeiro de 2015

A economia a crescer? Eu não sabia...

Nos discursos de Natal e de Fim do Ano ouvimos os nossos dirigentes máximos algo preocupados com as eleições que se avizinham e com um alerta para que não deitemos “tudo a perder” ou o aviso de que o país “não pode regredir”. Ouvimos um a dizer que “a economia está a crescer, a competitividade melhorou, o investimento iniciou uma trajectória de recuperação e o desemprego diminuiu”, enquanto o outro nos disse que “entramos numa nova fase, uma fase de crescimento, de aumento do emprego”, com a economia a registar “um crescimento moderado, mas sustentado”. Dizem a mesma coisa, a lembrar-nos o Dupond e o Dupont, aquelas figuras gémeas que Hergé criou para enriquecer as aventuras de Tintim.
A generalidade da população não vê nada disso. Pelo contrário, vê pobreza, desemprego, emigração e desesperança. Por isso, ao consultar as estatísticas é preciso ter muito cuidado, porque quando são mal lidas, são muito mentirosas.
No entanto, um dos indicadores percursores da actividade económica é a evolução do mercado automóvel e o facto é que as vendas de veículos ligeiros e pesados em Portugal aumentaram 36,1% em 2014, segundo revelou a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) e este facto parece dar alguma razão aos nossos dirigentes que tão optimistas se mostraram na análise do estado da nossa economia. Assim, em 2014 foram vendidas 172.390 viaturas novas em Portugal e o ranking das vendas de veículos ligeiros foi o seguinte: Renault (21.670), Peugeot (16.893), Volkswagen (16.014), Mercedes (11.385), Citroën (11.212), BMW (10.344) e Opel (10.344). Além disso, a Porsche vendeu 395 unidades (mais 45% do que em 2013) e a Ferrari vendeu 15 unidades (mais 66% do que em 2013), para além de terem sido vendidos 13 Maserati, 8 Aston Martin e 4 Bentley. Ora aqui está a prova provada de que “entramos numa nova fase” e que afinal “a economia está a crescer”, embora à custa do consumo interno e não das exportações como seria desejável. Então é caso para perguntar quantos pares de sapatos será necessário exportar para pagar aqueles 15 Ferraris e 13 Maseratis?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Macau: essa palavra saudade…

Decorreram 15 anos desde o dia 20 de Dezembro de 1999 que assinala a data em que as autoridades portuguesas transferiram a administração do território de Macau para as autoridades da República Popular da China.
A história da presença portuguesa em Macau é um dos mais interessantes capítulos da História de Portugal e prolongou-se por mais de quatro séculos. Durante um tão longo período a pequena Povoação do Nome de Deus do Porto de Amacau na China atraiu o interesse de aventureiros, mercadores e religiosos, tornou-se numa verdadeira cidade-Estado, progrediu e tornou-se uma cidade cosmopolita e um importante entreposto comercial nas relações entre a China, a Europa e o Japão. Perante os importantes acontecimentos que ao longo dos tempos ocorreram naquela região asiática, as autoridades portuguesas de Macau sempre tiveram a sabedoria diplomática necessária para assegurar a soberania portuguesa com dignidade, embora por vezes em algumas situações de maior tensão.
Quando a transferência da soberania se concretizou, as autoridades chinesas reconheceram repetidamente que a administração de Macau sempre manteve uma cooperação amistosa com a China e esse reconhecimento permitiu manter as pontes para o futuro. Assim, a língua portuguesa continuou a ser uma das duas línguas oficiais de Macau e o património, as instituições e as memórias portuguesas puderam perdurar, não deixando de ser curioso que em 2005 o Centro Histórico de Macau tenha sido declarado Património da Humanidade pela UNESCO, enquanto testemunho do pioneirismo e da mútua influência cultural entre o Ocidente e o Oriente. Por isso, o Hoje Macau – um dos quatro jornais macaenses que se publica em língua portuguesa – publicou um suplemento alusivo ao 15º aniversário da criação da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, no qual utilizou a fotografia da gruta e do busto de Camões que se encontra no Jardim de Camões em Macau e, ainda, um sugestivo título: Essa palavra saudade…

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Um bom ano para todos os meus leitores

A chegada de um novo ano é festejada em quase todo o mundo, não só porque representa o início de um novo ciclo em que se renovam as esperanças em dias melhores para a saúde ou para os negócios, mas também porque se tornou num ciclo festivo que entusiasma e estimula a vontade dos homens. O culto da passagem do ano continua a estar associado à ideia de abundância e daí a fartura das grandes celebrações gastronómicas que enchem muitos salões, assim como as festas populares cada vez mais sofisticadas que inundam de alegria as ruas e as praças das cidades. Porém, a passagem do ano também mantém algumas tradições e rituais particulares como sejam as corridas de São Silvestre, os banhos de mar nas águas frias de algumas praias ou até, aquela costumeira e desinteressante reportagem em que os repórteres identificam o primeiro bébé do ano.
Nos últimos tempos, em consequência de factores económicos e culturais diversos, as celebrações da passagem do ano globalizaram-se e generalizaram-se os espectáculos de luz e cor em que as cidades competem entre si com vistosos fogos de artifício, não só para animar as suas populações, mas também para atrair visitantes e, dessa forma, dar um incremento económico às respectivas comunidades.
Nas primeiras horas do novo ano as televisões e os jornais internacionais fazem sempre uma exaustiva divulgação das imagens dos festejos em Auckland e Hong Kong, Dubai e Moscovo, Nova York e Paris, Chicago e Londres, Rio de Janeiro e Berlim, mas as televisões portuguesas também nos mostraram as imagens dos festejos realizados no Funchal, em Lisboa, no Porto e em outras cidades.
Para assinalar o início de 2015 e como forma de desejar um bom ano a quem ler este texto, escolhi a expressiva primeira página da edição de hoje do The Daily Telegraph que se publica em Sydney.
Um bom ano para todos os que visitam a Rua dos Navegantes!