sábado, 28 de fevereiro de 2015

O smartphone já anuncia uma nova era

A edição de hoje da revista The Economist inclui uma desenvolvida reportagem sobre o estado actual e o futuro das telecomunicações, revelando que, pela primeira vez, no 2º trimestre de 2013 as vendas de smartphones superaram as vendas de telefones celulares tradicionais. Os smartphones são uma novidade bem recente e combinam as funcionalidades da telefonia e da computação, tendo tido grande sucesso, primeiro  através do BlackBerry e, depois, do iPhone da Apple, que foi o primeiro smartphone multitouch e sem teclado físico. Em Portugal calcula-se que haja 4 milhões de pessoas que já utilizam essa tecnologia e esse número só surpreende quem não utiliza o Metropolitano de Lisboa e não se confronta com um incontável número de utilizadores.
Nos últimos anos o progresso desta tecnologia tem sido exponencial e hoje há mais de uma dezena de sistemas operativos e mais de duas dezenas de fabricantes, desde a Nokia à Samsung, passando pela Apple, Asus, Acer, Sony, Motorola, LG, BlackBerry e outras. Aqui é só escolher, a pronto ou a prestações. Na China espera-se que este ano sejam vendidos 500 milhões de smartphones, enquanto a Micromax, a mais popular marca indiana, vende modelos básicos por menos de 40 dólares. Actualmente há dois mil milhões de pessoas no mundo que utilizam smartphones com ligação à internet e com um ecrã sensível ao toque, mas até ao final da presente década estima-se que esse número duplique. Com os progressivos aperfeiçoamentos técnicos e a normal redução de preços, o The Economist destaca em primeira página que “no ano 2020 haverá 80% de adultos com um supercomputador no bolso”, acrescentando que, tal como o livro, o relógio e o motor de explosão, também o smartphone está a mudar a maneira como as pessoas se relacionam com os outros e com o mundo.
Os artigos do The Economist incluem diversas estatísticas a fundamentar as suas análises, o que recomenda um estudo mais cuidadoso do assunto. No entanto, parece ser evidente que, na sequência de tantos progressos que têm beneficiado a Humanidade, estamos agora a entrar numa nova era – a era dos planet of the phones - em que o ser humano passa a possuir dois cérebros, um na cabeça e outro na mão, mas também um terceiro cérebro de natureza planetária que é telepaticamente partilhada por todos em todo o mundo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O terrorismo cultural junta-se à guerra

Hoje, os jornais portugueses escolhem para temas centrais das suas edições o Zeinal Bava que não sabia de nada, o Jardim Gonçalves que diz o que nunca ousara dizer, o Alfredo Barroso que decidiu abandonar o PS e o polémico discurso do Costa para a plateia chinesa, isto é, assuntos específicos da nossa paróquia. Entretanto, todos os jornais britânicos de referência dedicam grandes espaços ao maior assassino da actualidade que dá pelo nome de Jihad John, mas que na realidade foi identificado como sendo Mohammed Emwazi, de 26 anos de idade, nascido no Kuwait mas criado em Londres, onde frequentou a Westminster University.
Curiosamente, os jornais espanhóis também tratam dos seus assuntos paroquiais e do Jihad John, mas destacam nas suas primeiras páginas e com destaque fotográfico  a destruição pelos jihadistas de esculturas pré-islâmicas do Museu de Mossul, o que já foi considerado uma “tragédia cultural”. O diário ABC dedica toda a sua primeira página a este caso.
A notícia foi divulgada através de um vídeo que mostra alguns jihadistas a destruirem estátuas e frisos à martelada no Museu de Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, que os jihadistas ocupam desde o Verão do ano passado. Este acto segue-se à continuada destruição de património arqueológico, ao incêndio de bibliotecas e livrarias e ao contrabando de obras de arte assíria dos séculos VIII e VII AC para assegurar financiamento à jihad.
A UNESCO já reagiu e condenou estes actos de autêntico terrorismo cultural. A história da civilização da antiga Mesopotâmia já perdera muito com a invasão americana do Iraque em 2003, quando museus e sítios arqueológicos foram pilhados. Depois, essa dramática realidade alastrou à Síria com a guerra civil, onde foram total ou parcialmentre destruídos muitos tesouros, incluindo o mercado da cidade Velha de Alepo, classificado como Património Imaterial da Humanidade. Agora são os jihadistas que prosseguem a destruição cultural de uma das mais antigas civilizações da Humanidade. Todos perdemos com isso.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A fúria do mar como notícia do dia

A orla marítima das comunidades autónomas espanholas do País Basco, Cantábria, Astúrias e Galiza é um cenário sujeito às violentas tempestades marítimas que nos meses de inverno ocorrem no golfo da Biscaia. Muitos dos recursos e das actividades destas regiões estão ligados ao mar, em especial a pesca, a construção naval e a náutica de recreio e, por isso, o mar é um elemento marcante na vida das suas populações. A imprensa das suas principais cidades, sobretudo os periódicos de San Sebastian, Bilbau, Santander, Gijón, Oviedo e Corunha, reflecte esse interesse das populações em tudo o que se passa no mar.
Neste mês de Fevereiro, uma vez mais houve temporais e, de novo, a generalidade dos jornais divulgou as imagens do mar em fúria que afecta as actividades económicas e danifica o património, mas que proporciona visões espectaculares e panoramas únicos. A fúria do mar passa a ser a notícia. Tal como fizeram outros jornais da região, o diário El Comercio, que se publica desde 1878 em Gijón, escolheu a fotografia do mar enfurecido a rebentar junto do farol de San Esteban de Pravia, um farol de 20 metros de altitude que está localizado à entrada do porto do mesmo nome, na foz do rio Nálon, a cerca de 45 km para poente de Gijón. É realmente “uma imagem que vale mais do que mil palavras”.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Hollywwod, o cinema e a alta costura

Na noite de domingo, no Dolby Theater em Los Angeles, decorreu a 87ª cerimónia de entrega dos Óscares da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, para premiar os melhores actores, técnicos e filmes de 2014. Essa cerimónia é conhecida como a grande noite do cinema, com direito a uma das mais vistas emissões televisivas em directo para todo o mundo, que nos mostra Hollywood e muitas das suas peculiaridades.
Os grandes vencedores deste ano foram o filme Birdman do realizador mexicano Alejandro González Iñarritu, a actriz americana Julianne Moore e o actor britânico Eddie Redmayne. Porém, a cerimónia da entrega dos Óscares é também o maior desfile de alta costura mundial, juntando actrizes e estilistas que conseguem fazer um espectáculo dentro do espectáculo.
Embora todos os jornais tivessem destacado os vencedores da noite cinematográfica, também houve muitos outros que se ocuparam do desfile das estrelas, quase como se esse tivesse sido o assunto mais importante da noite. O jornal nova-iorquino Daily News, por acaso o quinto jornal de maior circulação nos Estados Unidos, foi um dos jornais que até deu maior destaque ao desfile de estrelas do que aos laureados com os Óscares, destacando na sua primeira página a figura elegante e a escassa roupa da modelo russa Irina Shaik .
Durante alguns anos ela foi uma presença constante na comunicação social portuguesa, não tanto pelos seus atributos físicos ou dotes profissionais, mas apenas porque era a namorada do melhor futebolista do mundo, que é também o mais famoso português da actualidade. Agora que terminou a sua relação com Cristiano Ronaldo, Irina Shaik faz-se ao caminho, usa as técnicas do marketing pessoal e, certamente, procura outras oportunidades de trabalho e de vida. O Daily News dá-lhe uma boa ajuda.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Meios de guerra e diplomacia económica

A acção da jihad islâmica continua a surpreender e a merecer o repúdio do mundo civilizado e, para além do núcleo duro da coligação internacional que a combate, alguns países islâmicos também já tomaram algumas iniciativas de força contra o ISIS, como foram os casos da Jordânia, do Egipto e da Turquia. Estas iniciativas mostram como tem evoluido a percepção da gravidade das acções do ISIS e do jihadismo, mas também mostram que estão a ser mobilizados mais meios militares para os combater. Assim acontece com a França que, para além dos seus alinhamentos e alianças, tem aí uma oportunidade para afirmar o seu prestígio e poder militar no mundo.
Hoje, a edição do diário Le Parisien noticia que o porta-aviões nuclear francês Charles-de-Gaulle, que navega ao largo do Bahreïn, “entrou em guerra contra o Daech” e que os primeiros aviões de caça Rafale descolaram esta manhã em direcção ao Iraque para cumprirem missões de reconhecimento ou de ataque contra as forças jihadistas no Iraque. O navio-almirante da Marinha francesa juntou-se ao porta-aviões americano Carl Vinson, passando a integrar a força conjunta da coligação internacional coordenada pelos Estados Unidos. Até agora a França dispunha de nove aviões Rafale na base francesa de Al-Dhafra, no Abu Dhabi, e seis aviões Mirage 2000D baseados em Azraq, na Jordânia. Com os 12 aviões Rafale e os 9 aviões Super Étendard embarcados no porta-aviões, mais do que duplica o dispositivo francês na região. Porém, o Charles-de-Gaulle ficará apenas oito semanas no golfo Pérsico, porque em finais de Abril irá participar num exercício aéreo com a Índia.
Este exercício, evidentemente, está relacionado com o negócio da venda à Índia de 126 aviões Rafale, por cerca de 20 mil milhões de dolares. A assinatura do respectivo contrato tem sido adiada desde há três anos e há fortes pressões para que a Índia opte pelos aviões russos Su-30MKI e Mig-29K. O novo governo do primeiro-ministro Narendra Modi, parece hesitar na escolha. Nestas circunstâncias, ficamos sem saber qual das duas missões do porta-aviões Charles-de-Gaulle é a mais importante: a missão militar de combate ao ISIS ou a missão de diplomacia económica de apoio ao negócio dos 126 Rafale ou, ainda se, como diz a publicidade, simplesmente são dois em um...

Gibraltar e a Espanha: os prós e contras

De vez em quando os espanhóis publicitam notícias sobre Gibraltar para que o tema não seja esquecido pela sua opinião pública. Assim faz hoje a edição do conservador ABC com uma sugestiva e eloquente capa alusiva ao crime associado ao “paraíso fiscal” que é o Peñón, a designação que os espanhóis dão a Gibraltar.
Gibraltar é uma pequena península situada no extremo sul da Península Ibérica que está sob soberania britânica mas, segundo escreveu e cantou em meados do século passado o cantor andaluz Antonio Molina, é uma “espina en el corazón de mi España soberana”.  O rochedo de Gibraltar foi ocupado em 1704 por forças anglo-holandesas e essa ocupação veio a ser reconhecida pela Espanha no Tratado de Utrecht de 1713 “para sempre, sem qualquer excepção ou impedimento”, como parte do pagamento indemnizatório da Guerra da Sucessão Espanhola. No entanto, a Espanha mantém a reivindicação sobre o Peñón, situação a que os 30 mil gibraltinos já se opuseram nos referendos realizados em 1967 e 2002, com a esmagadora maioria da população a rejeitar a partilha de soberania entre o Reino Unido e a Espanha. A presença britânica em Gibraltar é litigiosa e fere o orgulho espanhol, embora a Espanha também mantenha situações litigiosas de sinal contrário em Ceuta, Melilla e Olivença.
Gibraltar comporta-se como um “paraíso fiscal” e tem modos de vida que são perturbadores para a Espanha pois são verdadeiros focos do crime organizado, sobretudo o contrabando de tabaco e de outros produtos, o branqueamento de capitais e, em menor grau, o tráfico de drogas. Por isso, as autoridades espanholas mostram-se preocupadas e vieram revelar que haverá quinze grupos de crime organizado em Espanha com ligações a Gibraltar. O caso do contrabando de tabaco é, porventura, o mais relevante pois que se estima que origine uma quebra anual de impostos especiais e IVA de quase 10 mil milhões de euros aos cofres dos países comunitários. Já no que respeita ao branqueamento de capitais as preocupações espanholas são mais moderadas pois parece que o dinheiro lavado se dirige para o investimento imobiliário na Costa del Sol...
São os prós e os contras de Gibraltar e dos seus modos de vida em relação à Espanha.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A América sofre com onda de frio polar

A costa leste dos Estados Unidos e, em especial, as regiões do nordeste, tem estado sob o efeito de uma onda de frio polar sem precedentes nos registos históricos existentes e a agenda mediática tem assinalado esse facto. Muitos dos jornais publicados, um pouco por todo o país, têm ilustrado as suas edições com expressivas fotografias do gelo e da neve, sobretudo nas cataratas do Niagara e no porto de Nova York, mas também em outros locais. Os efeitos daquela frente fria têm sido arrasadores e têm afectado muitos milhões de pessoas, tendo sido registadas cerca de três dezenas de mortes, sobretudo por hipotermia. Embora não seja uma situação invulgar naquelas latitudes americanas, o facto é que estes dias têm sido particularmente rigorosos e têm feito sofrer muitos milhões de pessoas que ficaram retidas em casa, enquanto as ruas ficaram cobertas de neve e vazias, os transportes públicos foram interrompidos, milhares de voos foram cancelados ou sofreram atrasos consideráveis e as escolas e as empresas fecharam as suas portas, isto é, o quotidiano de uma grande parte dos Estados Unidos foi seriamente afectado. As zonas mais atingidas têm sido os estados de Nova York, Connecticut, Massachusetts e Maine. Em Nova York registaram-se as mais baixas temperaturas das últimas décadas e os termómetros até marcaram -34º C, enquanto as águas do seu porto congelaram. Na cidade de Boston acumularam-se mais de dois metros e meio de neve nos últimos dias e as águas do seu porto congelaram. As cataratas do Niagara também congelaram e até os jardins da Casa Branca, em Washington, se cobriram de neve.
A edição do Newsday escolheu o título Ice Age (a Idade do Gelo), numa alusão ao período em que extensos mantos de gelo cobriram a América do Norte, mas também uma fotografia elucidativa e insólita, que é um bom exemplo de fotojornalismo: as águas do porto de Nova York congeladas e o porto quase a precisar da acção de navios quebra-gelos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Portugal merecia outra dignidade...

As consequências das eleições gregas continuam a suscitar muitas controvérsias, sobretudo porque entre as escolhas feitas pelo eleitorado grego consta a rejeição da austeridade e a exclusão da troika do território grego, mas também a adopção de medidas imediatas de combate à grave situação humanitária que se vive no país. Com o programa que foi imposto à Grécia pela troika, o produto nacional grego foi reduzido em cerca de 25%, a dívida aumentou para 175% do PIB, o desemprego situou-se acima dos 25% e a pobreza tornou-se uma calamidade nacional.
Com o novo governo, os gregos adoptaram como objectivos o combate à crise humanitária, a adopção de reformas que combatam as oligarquias dominantes e a renegociação da sua dívida, com um eventual perdão, a redução de juros e o alargamento de prazos. É um enorme desafio e muitos especialistas consideram que se não houver uma boa solução para o problema grego e a Grécia for abandonada, então será Portugal a ser depois contagiado.
O problema está, portanto, em ajudar a Grécia a sair do seu actual ciclo de empobrecimento numa lógica de solidariedade comunitária ou actuar de forma severa, para que o caso grego seja uma vacina para a Europa. E enquanto Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, veio dizer que “a troika pecou contra a dignidade de portugueses, gregos e também irlandeses”, reiterando que é preciso rever o modelo e não repetir os mesmos erros, o ministro alemão Wolfgang Schäuble afirmou em Berlim que Portugal era a prova de que os programas de ajustamento funcionaram. Juncker tem razão e tem pensamento europeu. Schäuble está errado e tem pensamento alemão. Acontece que o nosso governo quis ir mais longe do que a própria troika e aumentou a dívida, o desemprego, a pobreza, a emigração qualificada. Esmagaram-se os salários e as pensões. Liberalizaram-se as leis laborais e os despedimentos. Venderam-se as nossas empresas ao desbarato. Desinvestiu-se na Saúde e na Educação. Perdeu-se a confiança e a autoestima, bem como o orgulho nacional. Como então escreveu o jornal Público, “temos gente de todas as nacionalidades a mandar em Portugal”, desde o etíope Abebe Selassie ao indiano Subir Lall, passando por dinamarqueses, finlandeses, alemães e eu sei lá que mais. O irrevogável Portas não hesitou e classificou-nos como um protectorado.
E no meio desta controvérsia, em vez de sermos solidários com quem precisa e sermos sensíveis à dimensão humana da crise, escolhemos o seguidismo ridículo de ser “mais papistas do que o Papa” e assistimos à presença obediente, submissa e instrumentalizada da ministra Albuquerque a prestar-se à triste figura de ser exibida como uma boa discípula da Alemanha de Merkel e de Schäuble. A fotografia que o Público hoje publica em primeira página diz tudo. Portugal merecia outra dignidade…

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A barbárie já está às portas da Europa

A execução de 21 cidadãos egípcios pelas forças do Estado Islâmico na Líbia (ISIS), por alegadamente serem cristãos coptas, causou indignação no mundo civilizado e elevou os níveis de preocupação na Europa, que começa agora a sentir-se ameaçada pelo radicalismo e pela barbárie que “está a sul de Roma” e “apenas a 300 quilómetros da Europa”. Esta situação resulta do caos que se vive na Líbia depois da queda de Muammar Kadaffi, havendo vários grupos rivais que disputam o poder e, entre eles, o ISIS.
O Egipto reagiu ao assassinato dos seus cidadãos e, enquanto adversário do islamismo político que controla a maior parte do território líbio e face à ameaça que os jihadistas líbios constituem para o Egipto, decidiu retaliar de imediato. O presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi ordenou ataques aéreos contra as posições do ISIS na Líbia, ao mesmo tempo que pediu uma Resolução às Nações Unidas que lhe permita ter iniciativa militar na Líbia. O jornal Al Tahrir, que significa Libertação e que se publica no Cairo desde 2011, na sequência das grandes manifestações na Praça Tahrir contra o regime de Hosni Mubarak, ilustra o seu apoio à iniciativa contra o ISIS através de uma expressiva fotografia que publica na sua edição de hoje. Pela sua proximidade geográfica e pela sua relação histórica com a Líbia, a Itália e a sua imprensa reagiram com muita preocupação a esta brutal e cobarde acção, embora o primeiro ministro Matteo Renzi tenha travado qualquer hipótese de intervenção militar imediata.
A situação é, portanto, muito grave e obriga-nos a não ter memória curta: há menos de quatro anos formou-se uma coligação internacional que decidiu afastar Kadaffi e apoiar a oposição líbia. Esses responsáveis não previram as consequências da sua iniciativa e andam por aí – Barack Obama e a sua Secretária de Estado Hillary Clinton, o ex-presidente Nicolás Sarkozy que se esqueceu ou quis apagar o apoio financeiro que recebera do governante líbio, mais David Cameron e Silvio Berlusconi. Agora é no próprio Senado americano que se ouve a voz do senador Rand Paul a acusar a administração americana pelo que se passa na margem sul do Mediterrâneo e a afirmar que  foi a “Hillary’s war” que contribuiu para a ascensão do ISIS na Líbia.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Este ano temos as festas das ruas floridas

Uma rua do Redondo em festa
Neste ano de 2015, por mero acaso, teremos as mais famosas festas das ruas floridas nas vilas do Redondo e de Campo Maior, embora esse tipo de manifestações de cunho popular de elevado sentido estético também sejam realizadas noutras localidades alentejanas.
No Redondo as Festas Ruas Floridas 2015 realizam-se entre os dias 1 e 9 de Agosto, com as principais ruas da vila a serem ornamentadas com flores de papel. As festas realizam-se desde 1838 sem periodicidade regular e com grandes interregnos, mas em 1998 passaram a ter um carácter bienal, tendo a sua última edição decorrido em 2013.
Em Campo Maior as Festas do Povo 2015 vão realizar-se entre os dias 22 e 30 de Agosto, tendo também como principal atractivo a ornamentação das ruas da vila com flores de papel. As festas começaram a ser realizar-se em 1909 mas realizam-se “quando o povo quer” e, portanto, sem peridiocidade estabelecida. Já foram realizadas vinte vezes, mas as últimas realizaram-se em 2011, depois de um interregno de sete anos.
As festas do Redondo e de Campo Maior são manifestações de grande diversidade e criatividade artística, sendo o resultado do trabalho colectivo e voluntário da população durante muitos meses. Atraem muitos milhares de pessoas e, por vezes, é literalmente impossível estacionar viaturas ou passear no espaço urbano das vilas. Porém, porque são um acontecimento cultural imperdível e de grande qualidade estética, são absolutamente imperdíveis, devendo desejavelmente ser visitadas fora dos dias e horas de maior afluência. Por isso, aqui se deixa uma recomendação: com ou sem praia, com ou sem férias, reserve já na sua agenda um dia para visitar o Redondo ou Campo Maior em Agosto, ou mesmo as duas vilas.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Com estes dirigentes, valha-nos Deus!

Nos últimos tempos os portugueses têm sido surpreendidos por declarações lastimáveis de alguns dos nossos responsáveis políticos, algumas delas muito insensatas, outras muito graves e outras, ainda, simplesmente inverdadeiras. Provavelmente fazem parte de um programa de propaganda pré-eleitoral e, apesar de serem tratados com muita compreensão por uma comunicação social que, cada vez mais, é a voz do dono, estão bem presentes na nossa memória. São, por exemplo, as trapalhadas do ministro Machete em relação a Angola, a manifesta ignorância do ministro Lima sobre o dossier TAP e a insensatez agressiva do ministro Branco contra militares de grande prestígio. Mas há outros casos e figuras a merecerem censura, como a mentirosa propaganda feita à volta da amortização da dívida ao FMI, que sendo um banal acto de gestão que não altera a nossa dívida global, tem sido apresentado como resultado da boa acção governativa, inclusive pelo ministro das feiras nacionais e internacionais, o que é absolutamente ridículo.
Porém, o mais chocante de todos estes casos refere-se à atitude de hostilidade e de radicalismo para com a Grécia, protagonizada pelos cidadãos Cavaco S. e Passos C., que são o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de Portugal. Já antes, no caso BES, ambos se tinham destacado por lavar daí as suas mãos ou fazerem polémicas declarações, como aquelas que foram feitas na Manta Rota e em Seul. Agora, as suas declarações sobre a Grécia são lamentáveis e indignas, pois constituem uma flagrante intromissão nos assuntos de outro Estado-Membro e um inqualificável seguidismo em relação a outros. Ignorando o gravíssimo problema económico e social da Grécia e a própria situação portuguesa que não é muito diferente, Cavaco S. e Passos C. deram um tiro no pé e aliaram-se à Alemanha contra a Grécia. Esqueceram que um dos objectivos inscritos no Tratado Constitucional é “a promoção da coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros”. Um referiu-se às ambições gregas como “um conto de crianças” e o outro, meteu-se onde não era chamado, lembrando a solidariedade portuguesa para com a Grécia “que já representou a saída de muitos milhões de euros da bolsa dos contribuintes portugueses”.  Ouvi ambos e nem quis acreditar.
Com estes dirigentes, valha-nos Deus!

sábado, 14 de fevereiro de 2015

De novo o Caminho de Ferro de Benguela

Com a presença dos presidentes de Angola, da República Democrática do Congo e da Zambia, foi inaugurado o troço final do Caminho de Ferro de Benguela (CFB) que liga Luena à estação do Luau, na província do Moxico, ficando concluida a ligação ferroviária entre o porto do Lobito na costa atlântica e o interior de Angola, numa distância total de 1344 quilómetros. No mesmo dia foi inaugurada a ponte ferroviária transfronteiriça que liga o território angolano à República Democrática do Congo, estando prevista para muito breve a ligação à Zambia. Com essa recuperada infraestrutura, aqueles dois países do interior voltam a ter uma forma de exportar o minério das regiões do Katanga (RDCongo) e do Copperbelt (Zambia), através do “corredor do Lobito” e da via marítima. Além disso, a ligação à Zambia tornará possível atingir a Beira (Moçambique) e Dar es Salam (Tanzania), mas também a África do Sul, o que fará desta rede uma infraestrutura estratégica para as economias destes países.
Após a independência de Angola em 1975, o CFB não resistiu à guerra civil e uma parte da sua infraestrutura foi destruida ou danificada. Logo que em 2002 se consolidou a paz, a sua reabilitação assumiu uma elevada prioridade para o governo angolano mas, desde logo, a complexa operação de desminagem da via férrea foi um dos aspectos mais importantes do projecto. Devido à impossibilidade da utilização de meios electrónicos para a desminagem, foi necessário o levantamento manual de 1,9 milhões de travessas ferroviárias, para que mais de 1.300 especialistas retirassem manualmente durante seis anos cerca de 12 mil engenhos explosivos não detonados e mais de 11 mil minas antipessoal. Hoje, esse projecto ficou concluido e, segundo revela o semanário agora, “engoliu mais de cinco mil milhões de dólares”.
Como curiosidade histórica, recorda-se que o governo português iniciou a construção do Caminho de Ferro de Benguela em 1899, embora o porto do Lobito só em 1931 tivesse recebido por via ferroviária o primeiro carregamento de cobre proveniente do Katanga (Congo Belga).
O CFB foi uma infraestrutura de grande sucesso no tempo colonial e espera-se que recupere esse estatuto, para bem da economia de Angola e dos angolanos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Ucrânia: a geopolítica em cima da mesa

Ontem foi assinado em Mink um acordo para um cessar-fogo no leste da Ucrânia, devido à acção conjunta de François Hollande e Angela Merkel que, ao contrário dos americanos, pensam que a solução do conflito ucraniano não está na escalada da guerra e, por isso, procuram a paz com muita persistência. Segundo foi difundido, o acordo quase esteve abortado mas acabou por acontecer, embora muitos comentadores não acreditem nele. Depois dos intensos combates que se têm travado e que já causaram tanta morte e tanta destruição, o anunciado cessar-fogo é, para já, um animador primeiro passo para a resolução do conflito.
Porém, a situação é mesmo muito complexa e não pode deixar de causar preocupações. A Ucrânia vive uma situação económica e financeira desesperada que tem gerado muita instabilidade, enquanto os rebeldes pró-russos continuam a ganhar terreno, o que denuncia o forte apoio russo que têm recebido.
A Ucrânia é um enorme país com 603 mil km2 e 50 milhões de habitantes, mas uma análise do seu mapa revela que há duas ucrânias ou há duas nações naquele imenso território: uma ucrânia que tem a capital em Kiev, em que a população fala ucraniano e que votou em Yulia Tymoshenko e, mais recentemente em Petro Poroshenko, mas também uma outra ucrânia que tem a “capital” em Donetzk, que fala russo e que tinha votado em Viktor Yanukovich e que agora não votou em Poroshenko. A primeira quer estreitar os seus laços com o ocidente e com a União Europeia, mas a outra quer reforçar as suas ligações à Rússia. Parece não haver conciliação possível e quando isso acontece, a solução é o divórcio. Nas pessoas como nos países. Porém, como pano de fundo desta questão renasceu a tensão dos tempos da guerra fria, o reaparecimento das áreas de influência e a tensão russo-americana. É uma situação muito perigosa e a geopolítica está em cima da mesa. Para os russos, a ocidentalização da Ucrânia é uma ameaça, mas para os ocidentais a ameaça está em Vladimir Putin e na sua estratégia de manter ou alargar as suas fronteiras de segurança. Cenários destes já não eram imagináveis há muito tempo.

O caça Rafale anima a indústria francesa

A França deve estar eufórica com a notícia hoje divulgada por vários jornais que anunciaram que há “um primeiro cliente estrangeiro para o Rafale” ou que destacaram os trinta anos de que o Rafale necessitou para convencer o mercado internacional, significando não só uma vitória industrial e comercial, mas também um êxito tecnológico.  Foi François Hollande que anunciou, ele próprio, o primeiro contrato de exportação do caça francês fabricado pela Dassault Aviation, no valor de 5 mil milhões de euros, que envolve o fornecimento ao Egipto de 24 aviões de combate e de uma fragata. Em tempo de crise é uma excepcional notícia para a economia e para o orgulho franceses. 
O historial deste avião representa uma persistente luta dos franceses para dispor de um avião concebido para concorrer com outros projectos aeronáuticos europeus e, também, uma resposta ao pedido da Marinha e da Força Aérea francesas para disporem de um aparelho do tipo “canivete suiço”, apto para todo o tipo de missões, incluindo o combate aéreo, o ataque ao solo e a recolha de informações, podendo aterrar ou descolar de um porta-aviões e com a capacidade de transportar um míssil nuclear. Além disso, o novo avião deveria poder substituir com vantagem os Jaguar, Crusader, Mirage F1, Mirage 2000, Etendard e Super-Etendard, tendo a Marinha e a Força Aérea francesas fixado as suas necessidades futuras em 286 unidades.
Marcel Dassault arrancou com o projecto Rafale, mas veio a falecer poucos meses antes do primeiro voo do novo avião, que aconteceu em 1986. Em 1993 o Rafale aterrou pela primeira vez num porta-aviões, em 2001 entrou ao serviço da Marinha francesa e em 2006 da Força Aérea, tendo tido o seu baptismo de fogo no Afeganistão. Depois esteve na Líbia onde atacou as colunas blindadas de Kadhafi às portas de Benghazi, no Mali onde travou os jihadistas na sua marcha para Bamako e, mais recentemente, no Iraque onde atacou o ISIS. O sucesso das suas missões foi reconhecido e daí ter nascido esta primeira encomenda que anima a indústria aeronáutica francesa e que, segundo o jornal  Les Echos, relança o Rafale.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

José Mourinho é um verdadeiro artista

A edição de hoje da France Football destaca uma grande reportagem com o treinador português José Mourinho. Trata-se de um acontecimento relevante no plano mediático porque aquela revista francesa tem uma enorme reputação no campo do futebol internacional, não só pela sua qualidade editorial, mas também porque em 1956 criou o Ballon d’Or que anualmente premiava o melhor futebolista do ano na Europa e que em 2010 se fundiu com o prémio atribuído pela FIFA para se transformar no FIFA Ballon d’Or. Não há muitos portugueses que, em qualquer domínio, tenham conseguido notoriedade internacional, mas o treinador Mourinho é um deles, tendo sido considerado pela FIFA como o melhor treinador do mundo em 2010. O seu palmarés desportivo como treinador é muito rico e inclui 20 títulos, dos quais duas Ligas dos Campeões e sete Campeonatos Nacionais  em Portugal (2), Inglaterra (2), Itália (2) e Espanha (1).
A revista classifica-o como “l’emmerdeur”, isto é, o homem que desafia, que incomoda, que cria encrencas. É, seguramente, um enorme elogio. De facto, só saem do anonimato e triunfam no competitivo mundo do futebol (como em outras actividades humanas) aqueles que desafiam os equilíbrios existentes, que são capazes de inovar e que têm a receita para mobilizar os seus públicos, quer sejam adeptos, leitores, consumidores ou eleitores. Mourinho tem sido exemplar nesse aspecto e, como diria o humorista, ele é mesmo um verdadeiro artista.

O estranho caso das contas no HSBC

Um grupo de jornalistas – o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação – com a colaboração de alguns informáticos, procederam a investigações e vieram agora revelar que o ramo suiço do banco britânico HSBC Private Bank, promovia a constituição e mantinha milhares de contas resultantes de práticas ilícitas, desde a mais usual fuga ao fisco, até ao branqueamento de capitais da mais duvidosa origem, como o tráfico de drogas e de armamento. Entre a clientela haveria empresários, políticos, desportistas e até suspeitos de ligações a actividades terroristas. O caso referia-se a 2008 e os montantes apurados superavam os 180 mil milhões de euros, o que correspondia aproximadamente ao PIB de Portugal! Já se chamou a este caso o SwissLeaks e também o HSBCLeaks, dizendo-se que se trata apenas da ponta de um iceberg.
Na clientela haveria 611 clientes portugueses ou residentes em Portugal, cujas contas ascenderiam a 856 milhões de euros, havendo uma cliente de Vila Real cuja conta ascendia a 227 milhões de euros. Hoje, o Jornal de Notícias informa sobre “três portugueses com 585 milhões em contas na Suiça”. Este caso vem demonstrar duas coisas importantes.
A primeira é que como se vê, uma vez mais, para a ganância do sistema bancário vale tudo. Porém, ainda havia quem pensasse que o sistema bancário suiço estava acima de qualquer suspeita, quando afinal se revela ainda mais ousado que os seus pares e se tornou um activo agente de práticas ilícitas.
A segunda é que foi anunciado que as autoridades nacionais já terão começado a actuar, mas o facto é que destes montantes, haverá uma parte que que terá sido regularizada através de amnistias fiscais. As autoridades não sabiam deste caso ou fizeram que não sabiam? Assim, parece ficar evidenciado que o Ministério Público dorme ou acorda quando lhe apetece.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Afinal ainda há “jobs for the boys”

O assunto não é novo, mas só de vez em quando aparece nos jornais: os partidos que estão no governo mantém a prática, já denunciada desde há muitos anos, de criar uma administração paralela de assessores, consultores e outros amigos, para além de fazerem nomeações partidárias para os cargos de topo da Administração Pública, comportando-se como verdadeiras agências de emprego para boys e girls.
Tem sido um espectáculo lamentável e ridículo que, ao longo dos anos, nos tem permitido assistir ao aparecimento de muitos dirigentes públicos medíocres e incapazes, sem qualquer qualificação nem idoneidade, além de muitas vezes serem uns serventuários do poder que se comportam como uns verdadeiros lambe-botas. A partir de certa altura foram estabelecidos concursos destinados à escolha dos dirigentes da Administração Pública, para despartidarizar e dar transparência às nomeações. Porém, o Jornal de Negócios a propósito das nomeações para os centros distritais da Segurança Social, revela hoje que “PSD e CDS ocupam todos os lugares na Segurança Social”. De facto, segundo noticia aquele jornal, o governo já fez 14 das 18 nomeações, sendo 11 dirigentes com ligações ao PSD e três com ligações ao CDS.
Por ter contornos tão escandalosos, o assunto chegou ao Parlamento onde esteve o presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP) que, apesar de ter assegurado que escolhe os melhores, não teve resposta para o facto de “100% dos escolhidos serem do PSD e do CDS, como antes eram do PS”.
Significa que está tudo na mesma e que, quanto a transparência, até piorou. Há tempos, o Diário de Notícias (edição de 6-12-2012) informava que “Boys de Portas e Passos dominam a Segurança Social”. Hoje, mais de dois anos depois, aquele jornal bem pode continuar a escrever o mesmo título.
Com este sistema viciado, em que uma parte da sociedade que está enfeudada aos partidos políticos se apropria da máquina do Estado, todos perdemos. A Democracia sai enfraquecida e não há forma de ultrapassarmos as injustiças, a desigualdade e o nosso crónico atraso económico e social.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Foi você que pediu um Gaugin?

Durante mais de cinquenta anos o Nafea Faa Ipoipo, pintado em 1892 no Tahiti por Paul Gaugin, esteve exposto no Kunstmuseum na cidade suiça de Basileia, por empréstimo dos seus proprietários suiços. Segundo revelou a imprensa internacional, quer nos Estados Unidos, quer no Reino Unido, esta pintura que representa duas jovens mulheres polinésias ao ar livre, foi agora vendida a um comprador do Qatar por 300 milhões de dólares (263,3 milhões de euros) e, assim sendo, ter-se-à tornado no quadro mais caro de sempre, ultrapassando Os jogadores de cartas (1895) de Paul Cézanne, comprado em 2011 a um armador grego pela Casa Real do Qatar por 219,4 milhões de euros. 
A identidade do comprador não foi revelada, embora seja provável que seja a Casa Real do Qatar, que tem sido considerada como o maior investidor mundial em arte contemporânea, ou o organismo que gere os museus do Qatar, o que será mais ou menos a mesma coisa.
O que é curioso é o facto de serem dois pintores franceses impressionistas e contemporâneos que estão a atrair as atenções do emirado do Qatar. Porém, não é apenas no Qatar que o interesse pela arte está em alta e que o mercado da arte está a passar por uma fase muito dinâmica como consequência da incerteza dos mercados financeiros, pois a procura de arte como investimento e reserva de valor está a aumentar um pouco por todo o mundo.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A missão de procurar a paz na Ucrânia

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O que está a ser feito é exactamente o que deve ser feito. François Hollande e Angela Merkel puseram-se a caminho. Ontem aterraram em Kiev e encontraram-se com Petró Poroshenko. Hoje voam para Moscovo e vão encontrar-se com Vladimir Putin. A sua missão é mediar o conflito ucraniano que opõe o governo de Kiev aos separatistas pró-russos de Donetsk e Luhansk. Vários jornais europeus, como por exemplo o Le Figaro, dizem que esta missão de mediação é última oportunidade para evitar a guerra que, em algumas regiões do leste da Ucrânia, já está de facto a acontecer.
A generalidade dos países europeus apoia a Ucrânia, mas os seus dirigentes resistem a pisar a linha vermelha do envio de armamento, pois isso significaria hostilizar a Rússia e atirar gasolina para a fogueira, embora a Polónia e os países bálticos discordem dessa posição e já estejam a enviar armamento para Kiev. Os Estados Unidos também ponderam essa hipótese e John Kerry estará hoje em Kiev, provavelmente para estudar esse assunto.
No lado russo está difundida a ideia de que já há unidades militares aliadas a combater ao lado do exército ucraniano, criando o ambiente anti-ocidental necessário para justificar uma intervenção mais musculada, pelo que se agora for decidido armar a Ucrânia, os russos terão o argumento decisivo que lhe faltava para intervir directamente no solo ucraniano. O assunto é muito sério. É preciso evitar tudo isso. Nos conflitos que sempre assolaram e destruiram a Europa, sabemos como começam, mas nunca sabemos como acabam. 
A iniciativa de Hollande e Merkel só pode ser elogiada, até porque não é habitual. E deseja-se que seja bem sucedida. Se tivesse havido semelhantes iniciativas na Jugoslávia, no Iraque, na Líbia ou na Síria, para não citar outros casos, o mundo teria sofrido menos e tudo seria diferente.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A esperança espanhola chama-se Podemos

No corrente ano de 2015 a nossa vizinha Espanha vai ter eleições locais e autonómicas em Maio e, no final do ano, terá eleições gerais que, de acordo com a lei, se realização até ao dia 20 de Dezembro. Será, portanto, um ano em que os espanhóis vão ser chamados às urnas para responder a muitas perguntas, embora a crise económica e social e, em especial, a austeridade e o desemprego sejam os temas dominantes nas disputas eleitorais. O PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e o PP (Partido Popular) têm sido os grandes protagonistas do processo político espanhol, alternando maiorias e assegurando o governo do país. Porém, em consequência da crise económica e social, do elevado desemprego e da continuada austeridade, surgiram condições para a formação de uma nova força política que de imediato mobiliou o cansaço e o descontentamento dos espanhóis. Foi criado em Janeiro de 2014 e foi baptizado como Podemos. Quatro meses participou nas eleições europeias, obteve 7,98% dos votos e conquistou 5 cadeiras no Parlamento Europeu.
O sucesso do Podemos de Pablo Iglésias despertou uma onda de entusiasmo em Espanha, semelhante ao que se passou na Grécia com o Syrisa de Alexis Tsipras. O barómetro de Janeiro do Centro de Investigações Sociológicas (CIS), um organismo governamental autónomo, revelou que o Podemos já é a segunda força política espanhola com 23,9% das intenções de voto e que está apenas a três pontos do PP, que continua a ser o primeiro partido espanhol. Hoje, o diário ABC destaca exactamente a fulgurante ascensão de um partido que rejeita a austeridade, a má governação e a sujeição às imposições estrangeiras.
Faltam alguns meses para as eleições legislativas espanholas, mas o fenómeno Podemos pode abrir um novo capítulo na história espanhola e, naturalmente, também nos outros países da Europa do Sul. Até lá, aguardemos o que vai acontecer no imbróglio grego…

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A escalada da guerra domina a Ucrânia

Foi em Abril de 2014 que começaram os confrontos militares no Leste da Ucrânia e, passados cerca de 8 meses, já estão contabilizados mais de 5 mil mortos e 1,2 milhões de refugiados e, como hoje diz o jornal luxemburgês Le Quotidien, a Ucrânia está à beira do precipício.
Assim, uma vez mais, temos o continente europeu confrontado com uma guerra dentro das suas fronteiras geográficas e culturais e com uma tragédia que nos recorda um passado histórico de conflitualidade, sem que os seus dirigentes se entendam e consigam impor a negociação, o cessar-fogo e a resolução pacífica deste conflito.
Na Ucrânia há uma parte que quer virar-se para a prosperidade da União Europeia e outra parte que quer manter os seus laços tradicionais com a Rússia e, do intenso combate político em que o país se envolveu, resultou o confronto militar. Os combates entre as forças regulares do exército ucraniano e os independentistas das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk intensificaram-se nos últimos tempos e o número de mortos continua a aumentar, com as televisões a mostrar as imagens brutais da morte, do sofrimento e da destruição. Os separatistas pró-russos anunciaram a intenção de criar uma frente única para unir as duas frentes de combate activas, apelaram à urgente mobilização de 100 mil combatentes e ameaçaram estender a guerra a todo o território ucraniano.
Perante este cenário em que os separatistas pró-russos parecem estar a consolidar e alargar posições no terreno, o governo de Kiev teme uma invasão russa e acusa o governo de Putin de já estar a intervir no terreno, pelo que os Estados Unidos estão a ponderar uma resposta com o envio de auxílio militar que poderá incluir sistemas antiaéreos, anti-morteiro e antitanque. embora a Alemanha e a França não apoiem essa solução.
Muitos analistas já consideram que os tempos da “guerra fria” estão de volta e, como hoje escreveu o diário Le Quotidien, a Ucrânia está à beira do precipício, sobretudo porque não há dirigentes capazes de fazer qualquer coisa pela negociação e pela paz ou, então, são mais sensíveis aos seus interesses económicos do que às tragédias humanas dos outros.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

As novas estratégias para a Ásia do Sul

No dia 26 de Janeiro comemorou-se na Índia o Dia da República, evocando a aprovação em 1950 da Constituição da União Indiana que instituiu a república, embora tenha sido mantida a ligação à Commonwealth. Esse dia é mais festejado que o próprio Dia da Independência e, em Nova Delhi, consta de uma monumental parada militar que percorre os 5 quilómetros da Rajpath e demora 3 longas horas. Desfilam o Exército, a Marinha e a Força Aérea. Desfilam as Polícias. Desfilam tanques, mísseis e carros de combate. Desfilam tropas com turbantes de todas as cores montando cavalos e camelos. Desafilam motociclistas acrobatas. Desfilam grupos de dança. É um impressionante festival de cor e de sincronismo. Um imponente airshow mostra todo o tipo de aviões e helicópteros a sobrevoar a parada militar, com destaque para os Sukhois e para os MiGs. No sentido de reforçar a unidade nacional, cada um dos 28 Estados federados faz-se representar no monumental desfile por um carro alegórico, onde é evidenciada a sua história e a sua realidade cultural.
A parada do Dia da República é um grande espectáculo e este ano, pela primeira vez, teve a participação das mulheres das Forças Armadas e direito a transmissão televisiva internacional.
Todos os anos o Dia da República tem um convidado especial que este ano foi Barack Obama, que desta forma se tornou o primeiro presidente americano a visitar a Índia por duas vezes, por poderosas razões de realpolitik. Com a China, a Rússia e o Paquistão ali tão perto, uma nova estratégia e uma nova aliança parecem ter sido ensaiadas neste encontro entre Obama e Modi, o primeiro ministro da Índia.
Barack Obama viu ali um contra-poder à sua rival China, viu como a Rússia é a principal fornecedora de equipamento militar à Índia e viu o esforço de “indigenisation”, isto é, a vontade indiana de se tornar num produtor e exportador de equipamento militar.
Narendra Modi viu ali o amigo do seu arqui-rival Paquistão, viu um novo aliado em relação às pretensões territoriais chinesas e à sua influência no oceano Índico e viu um investidor que pode trazer o capital e a tecnologia de que a Índia carece para se desenvolver.   
A última edição do India Today diz que Obama e Modi reescreveram um reviravolta nas relações entre os dois países e, com euforia, escolheu como título: REUNITED STATES. Um sugestivo título!

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O lamentável esquecimento do caso BPN

O caso BPN está associado às mais negras nuvens e aos mais tenebrosos abutres que assolaram Portugal nas últimas décadas, mas muitas vezes parece ter caído no esquecimento da comunicação social e da opinião pública. É lamentável que assim suceda e não será difícil imaginar porque assim acontece.
No entanto, a tragédia do BPN é uma vergonha nacional pelos seus contornos criminosos e de absoluta indignidade, tendo mostrado que os portugueses não viveram acima das suas possibilidades, mas que quem assim viveu foram muitos banqueiros, empresários, gestores e políticos ligados ao regime e, em especial, àquilo a que o portismo e os seus amigos abusivamente chamaram o “arco da governação”.
A edição deste fim de semana do semanário Expresso veio lembrar-nos que o caso BPN existiu, ao anunciar em primeira página que o “Estado só recuperou €540 milhões do BPN”, que correspondem apenas a 12,9% dos 4,2 mil milhões de euros de créditos em dívida de clientes e accionistas que foram considerados activos tóxicos. Segundo a Parvalorem, a entidade pública responsável pela recuperação desses créditos, entre 2010 e 2014 foram recuperados 310 milhões de euros em dinheiro e o restante em valores imóveis. É muito pouco, muitíssimo pouco. É inadmissível. Só pode ser por falta de vontade.
O governo tinha anunciado em devido tempo que queria recuperar as dívidas do BPN e, nessa altura, foi divulgado que havia 13 mil créditos em contencioso. Não se compreende como persiste a impunidade de tanta gente, sobretudo dos administradores do BPN antes da sua nacionalização e dos seus amigos, que compraram e venderam acções sem nunca as pagar e beneficiaram de créditos sem que lhes exigissem garantias.
É caso para perguntar se a Justiça também tem dois pesos e duas medidas.

O monarca absoluto de Angola

Angola parece viver tempos de incerteza, depois de um período de grande expansão, havendo quem afirme que se está a caminhar para o “desastre político e social”. A situação economica e social tende a agravar-se devido à extrema dependência do país em relação ao petróleo, cujo preço está em queda e que em 2015 se espera represente uma quebra de 12 mil milhões de euros na receita petrolífera, mas também porque o país está viciado nas importações, nos gastos supérfluos com fundos públicos e com as muitas centenas de carros de luxo das elites.
O Presidente da República e titular do Poder Executivo que está no poder há 35 anos, é acusado pela oposição e até por alguns sectores do MPLA, de não ter apoiado a diversificação da economia, de ter pactuado com a corrupção e de ter imposto os seus amigos e correlegionários como parceiros a todos os estrangeiros que querem investir ou fazer negócios em Angola.
Poucos jornais denunciam esta situação. Um deles é o folha 8 que se publica em Luanda e que é independente do governo e tem uma linha editorial que é muito crítica do regime angolano, pelo que já foi ameaçado de ser suspenso por denunciar os seus excessos. Na sua edição de ontem, o jornal inclui uma entrevista com Marcelino Moco, jurista e doutorando na Universidade de Lisboa, ex-secretário geral do MPLA, ex-primeiro ministro e ex-secretário executivo da CPLP que, embora rejeite pertencer à oposição angolana, manifesta preocupação “quando se vive da distribuição de avultadas riquezas líquidas a familiares, a servidores pessoais e aos que se calam a algum preço, alto ou baixo” As críticas de Marcelino Moco vão mais longe, ao afirmar que “para proteger completamente os interesses pessoais do actual e longevo titular da Presidência da República, o Tribunal Constitucional (deve ler-se ‘tribunal presidencial eduardista’) concluiu a proclamação do actual Presidente da República em monarca absoluto, depois de ter proclamado o filho José Filomeno dos Santos seu príncipe herdeiro”. E Marcelino Moco faz uma promessa: “Se um dia eu voltar ao governo, que nunca será neste regime completamente amoral e atrapalhado com a ideia de acumulação de capital para parentes e servidores, saberei rodear-me de pessoal competente nessas áreas”.
É assim a vida em Angola, onde reina um monarca absoluto.