segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Memórias náuticas de Cabo Delgado

Ao ver a capa da edição de ontem do jornal Domingo em que é representada a orla costeira moçambicana da província de Cabo Delgado, entre o rio Rovuma e a baía de Mocímboa da Praia, senti uma estranha sensação de familiaridade com cada uma daquelas baías e ilhas, que há mais de cinquenta anos visitei inúmeras vezes quando, por dever de ofício, percorri aqueles mares.  
Lá está o rio Rovuma em que não ousávamos entrar por razões hidrográficas e diplomáticas, bem como as ilhas Rongui e Tekomagi, mais a Vamizi e a Tambuzi, além de outras ilhas do arquipélago das Quirimbas, não sendo difícil identificar as estreitas passagens entre as ilhas e a orla costeira, por onde se arriscava a navegação para ganhar tempo ou para tirar partido do abrigo que proporcionavam relativamente ao mau estado do mar no canal de Moçambique.
E lá estão, invisíveis, os baixos de coral onde as conchas raras eram procuradas pelos malacologistas, onde havia peixe e marisco em abundância e onde a limpidez das águas não tinha igual no mundo. Lá estão, também, as antigas povoações de Quionga e de Palma, o aldeamento do Olumbe e a vila de Mocímboa da Praia, hoje certamente bem diferentes do que eram há cinquenta anos. Era um tempo de conflito militar e, naquela região periférica do território norte de Moçambique, por ali passamos muitos dias e muitas noites nas chamadas missões de fiscalização, mas também em apoio de todos os que nós necessitavam no mar sem cuidar de saber de que lado estavam.
A capa do jornal Domingo fez-me mergulhar em muitas memórias da minha juventude marinheira e até me fez recordar alguns episódios mais ou menos pitorescos que por lá aconteceram, mas também me recordou que aquela mesma região se confronta hoje com a descoberta de hidrocarbonetos e a exploração de gás natural em larga escala e daí o título "5 mil milhões para o Rovuma". Porém, há alguma tensão naquela área resultante da acção de grupos jihadistas e isso é muito preocupante.

domingo, 29 de setembro de 2019

Sevilla apresenta “el viaje más largo”

Como tem sido referido em diversos textos já aqui publicados, a frota de Fernão de Magalhães que com a bandeira de Castela saíu para descobrir a passagem do oceano Atlântico para o Mar do Sul e chegar às Molucas navegando para ocidente, largou de Sevilha no dia 10 de Agosto de 1519 e percorreu cerca de 80 quilómetros até à foz do rio Guadalquivir em Sanlúcar de Barrameda. Aí permaneceu durante algumas semanas para ultimar os preparativos da viagem, largando finalmente no dia 20 de Setembro.
Agora que se comemora o 5º Centenário dessa viagem que se tornou na primeira volta ao Mundo, a cidade de Sevilha que foi a capital da expansão marítima espanhola para as Américas e que hoje é uma cidade moderna, dinâmica e ambiciosa, encontrou neste feito histórico uma oportunidade para assumir a liderança dessas comemorações.
Por isso, no quadro das actividades comemorativas espanholas, o programa preparado pela cidade de Sevilha é muito diversificado. Porém, a exposição El Viaje Más Largo: la primera vuelta al Mundo, que está patente em Sevilha no Archivo General de Indias e que apresenta 106 peças e documentos originais é, seguramente, um dos pontos mais altos destas comemorações.
A exposição foi inaugurada no dia 12 de Setembro pelos reis de Espanha e foi organizada pela Acción Cultural Española e pelo Ministerio de Cultura y Deporte, juntando uma colecção de documentos originais únicos, a par de uma apresentação pedagogicamente esclarecedora e com um relato que, no essencial, respeita a verdade histórica, embora seja evidente alguma marginalização da participação portuguesa na viagem. Porém, é uma excelente exposição que interessa a todos os estudiosos da epopeia marítima dos povos ibéricos e, por isso, alguns portugueses já fizeram os 500 quilómetros de Lisboa até Sevilha e, certamente, deram por bem empregue o seu tempo.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A subida dos oceanos já ameaça a Terra

As preocupações ambientais não são um assunto recente, como por vezes parece. Já em 1988 as Nações Unidas tinham criado um grupo de trabalho intergovernamental, aberto a todos os seus Estados-membros, com o objectivo de monitorizar as informações de ordem científica, técnica e socio-económica que pudessem contribuir para uma melhor compreensão das ameaças ligadas ao aquecimento global resultante da acção do homem. Esse grupo passou a denominar-se Groupe d'experts intergouvernemental sur l'évolution du climat (GIEC) ou Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e tem analisado os efeitos das mudanças climáticas nos oceanos e na criosfera (gelo compactado, geleiras, calotas polares e solos congelados), tendo produzido relatórios com regularidade. Um desses relatórios recentemente divulgado, provocou algum alarme, sobretudo em França, ao estimar que o aumento do nível do mar até 2100 pode atingir 1,10 metros. Esta estimativa resulta do facto de, segundo o relatório, entre Janeiro de 2008 e Janeiro de 2018, o nível médio do mar ter subido 3,3 milímetros por ano e 4,3 centímetros nesse mesmo período.
A subida dos oceanos é uma das principais consequências do aquecimento global e, a médio prazo, poderá fazer com que 280 milhões de pessoas sejam afectadas em todo o mundo, porque vivem junto à orla costeira e, muitas vezes, em áreas situadas abaixo do nível médio do mar.
O relatório do GIEC indica a França como uma das regiões mais ameaçadas da Europa, sobretudo por efeito das inundações costeiras e da erosão que provocam. Por isso, o jornal Le Dauphiné, que se publica em Grenoble, foi um dos jornais franceses que deu notícia deste relatório do GIEC, ilustrando a sua primeira página com uma sugestiva ilustração que em que o nosso planeta está a ser inundado por efeito da subida dos oceanos.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Bolsonaro na ONU a envergonhar o Brasil

Jair Bolsonaro foi a Nova Iorque e pela primeira vez falou numa sessão de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, mas o seu discurso de 32 minutos foi fortemente criticado, tanto no Brasil como no exterior, tendo sido acusado pela imprensa de romper uma tradição de moderação e pragmatismo da diplomacia brasileira e de ter perdido uma oportunidade para desfazer a má imagem internacional do seu governo pela forma como tem tratado o problema dos incêndios e da devastação da Amazónia.
Bolsonaro não revelou quaisquer dotes de estadista e adoptou um tom de confronto e de intolerância com muitos exageros e muitas falsidades, tendo criticado o “espírito colonialista” de alguns países como a França por terem questionado a política ambiental brasileira e chamado “falácia” à tese que defende que a Amazónia é património da humanidade. Igualmente polémica foi a sua declaração de que o Brasil esteve à beira do socialismo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, bem como os ataques que fez a Cuba e à Venezuela.
Bolsonaro passou ao lado da agenda e das preocupações do mundo e foi fazer propaganda ideológica, tendo sido duramente criticado por ter levado para Nova Iorque alguns temas da política interna brasileira como a corrupção e a criminalidade, mas também pelas insinuações que fez aos estrangeiros que defendem os índios e o meio ambiente que, segundo disse, apenas o fazem como pretexto para cobiçar as riquezas da Amazónia.
O Brasil é um dos maiores países do mundo e é aproximadamente 96 vezes maior do que Portugal, mas o Jair perdeu uma oportunidade para readquirir e elevar o estatuto de prestígio que o país merece no seio da comunidade internacional. O Jair, enquanto inquilino do Palácio do Planalto, deveria ser um exemplo para o progresso do Brasil, mas manifestamente não é capaz.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

O clima junta Guterres e Marcelo na ONU

Por iniciativa do Secretário-geral das Nações Unidas reuniram-se em Nova Iorque muitos líderes políticos dos 193 Estados-membros para participar na Cimeira da Acção Climática, a qual pretendeu ser um palco para anunciar compromissos e projectos concretos para o reforço do combate às alterações climáticas. Com esta iniciativa, António Guterres quis lembrar as metas do Acordos de Paris sobre as alterações climáticas alcançado em 2015.
Antes daquela cimeira realizou-se a Cimeira da Acção Climática para a Juventude, cujo debate foi conduzido por alguns jovens activistas em que se destacou a adolescente sueca Greta Thunberg. Nessa cimeira, António Guterres afirmou que existe um “conflito sério entre as pessoas e a natureza”, acrescentando que o mundo precisa de um novo modelo de desenvolvimento ligado às alterações climáticas, que garanta justiça e igualdade entre as pessoas, mas também uma relação boa entre a população e o planeta.
Na Cimeira da Acção Climática que se seguiu, em que foi aproveitada a presença de quase uma centena de líderes mundiais que no dia seguinte iriam participar na Assembleia Geral das Nações Unidas, foi tratado o tema do combate às alterações climáticas e fixado o objetivo de, nos próximos dez anos, reduzir as emissões globais de gases com efeito estufa em 45% e de alcançar a neutralidade carbónica até 2050. Disse António Guterres que “ainda não é demasiado tarde” e pediu que aquele encontro não fosse utilizado para discursos ou negociações, mas apenas para acções concretas e compromissos. “A emergência climática é uma corrida que estamos a perder, mas que ainda podemos ganhar”, acrescentando que “a crise climática é provocada por nós e as soluções devem vir de nós”.
Portugal esteve bem representado nesta cimeira pelo Presidente da República que, uma vez mais, se fez acompanhar por demasiados jornalistas que até o questionaram sobre Tancos, a demonstrar que a sua deslocação, que é paga com os meus impostos, não é necessária e que bastava a cobertura noticiosa da Agência Lusa.
O Diário de Notícias registou na sua primeira página a fotografia de António Guterres e de Marcelo Rebelo de Sousa, amigos de longa data e que tão bem representam o nosso país.

Boris Johnson é um grande mentiroso

O Supremo Tribunal britânico decidiu por unanimidade dos seus 11 juízes que o conselho dado por Boris Johnson à Rainha Isabel II para suspender os trabalhos do Parlamento por cinco semanas foi “ilegal, vazio e sem efeito”, pelo que o Parlamento vai abrir hoje as suas portas.
Foi uma pesada derrota para o primeiro-ministro que foi acusado de “frustar e impedir” que os deputados cumprissem os seus deveres constitucionais, isto é, quase foi acusado de ter tentado fazer um golpe de estado. Hoje todos os jornais britânicos destacam esta notícia e desancam no tresloucado primeiro-ministro, dizendo que Boris Johnson é um mentiroso e deve pagar por isso. “Ele enganou a Rainha, o povo e o Parlamento”, é o título do The Guardian. Um outro jornal destaca que Boris “voa para o caos” e que, apesar de humilhado, recusa a demissão, embora outro jornal já antecipe a sua saída e escreva “Bye, bye Boris”.
Temos, assim, que o processo do Brexit continua a produzir sucessivos acontecimentos sensacionalistas, que se assemelham a uma palhaçada própria de uma república das bananas e que ninguém imaginaria poderem acontecer na ilha onde reinou a Rainha Victoria e governou Winston Churchill. Naturalmente, a imprensa alimenta-se destas situações e, aparentemente, não tem procurado qualquer via de sensatez e de equilíbrio que ajudasse a resolver a situação. Apesar da aproximação da data de saída da União Europeia que está prevista para o dia 31 de Outubro, mantém-se o mesmo grau de incerteza e de confusão quanto ao futuro, que havia há um mês, ou há cinco meses, ou há um ano. Em boa verdade, parece que no Reino Unido ninguém sabe como sair deste imbróglio.

Donald Trump alvo de 'impeachment'

Nancy Pelosi, a líder democrata da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, anunciou ontem a abertura de um processo formal de impeachment contra o Presidente Donald Trump, por suspeitas de ter feito depender o desbloqueio da ajuda americana à Ucrânia da abertura de uma investigação ao filho de Joe Biden, um dos seus possíveis adversários democratas nas eleições de 2020.
Segundo foi declarado por Nancy Pelosi, o Presidente Donald Trump telefonou a Volodimir Zelenskii, o Presidente da Ucrânia, pressionando-o para prejudicar Joe Biden e esta pressão sobre um líder estrangeiro para obter benefícios políticos pessoais viola gravemente a Constituição dos Estados Unidos. Assim e porque ninguém está acima da lei, os Democratas decidiram avançar para o impeachment, o que hoje é destacado pelo USA Today.
Depois de várias ameaças, sobretudo depois das investigações sobre a interferência russa nas eleições americanas a favor de Trump, é a primeira vez que os Democratas avançam com um processo contra ele. Porém, o processo é complexo, demorado e não tem garantias de sucesso, mas a pouco mais de um ano das eleições presidenciais, esta iniciativa faz parte do jogo político. Na Câmara dos Representantes a maioria simples parece estar assegurada (235 em 435 lugares), pelo que o processo pode passar ao Senado onde precisa de dois terços para ser aprovado, mas os Democratas apenas têm 47 dos 100 lugares, pelo que é improvável que a iniciativa tenha sucesso.
De resto, seria a primeira vez que um processo de impeachment teria como efeito o afastamento coercivo do Presidente. Parece, portanto, que esta iniciativa democrata apenas pretende desgastar politicamente o Donald e não visa o seu mais que improvável afastamento.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Thomas Cook não resistiu aos tempos

De vez em quando rebentam grandes bombas no mundo dos negócios, como foi caso do Lehman Brothers em 2008 ou, a uma escala mais modesta, o nosso BES que implodiu em 2014, ou as muitas companhias de aviação que desaparecem. Agora, foi a famosa agência de viagens britânica Thomas Cook que faliu, depois de ter estado durante 178 anos no mercado do turismo e em outras actividades a ele ligadas. Era uma referência mundial pois transportava todos os anos cerca de 19 milhões de turistas, mas não conseguiu concorrer com a venda directa online que com ela concorria com preços mais favoráveis. O seu modelo de negócio estava em crise há alguns anos porque não se adaptou aos novos tempos das plataformas digitais, pois quem viaja passou a utilizar o modelo it yourself, em que as reservas de passagens aéreas, hotéis e outros serviços associados são feitas online, o que significa que os serviços prestados pelas agências de viagens têm cada vez menos procura. Os défices de exploração e o passivo da empresa foram-se acumulando e surgiu um ultimato bancário para o qual eram necessários 227 milhões de euros. Ninguém lhe deu a mão, nomeadamente o accionista chinês Fosun, nem o governo de Boris Johnson. Um frio comunicado foi emitido ontem:
Thomas Cook has confirmed that all of the UK companies in its group have ceased trading including Thomas Cook Airlines. As a result, we are sorry to inform you that holydays and flights provided by these companies have been cancelled and are no longer operating. All Thomas Cook’s retail shops have also closed.
Havia 600.000 clientes em viagem, um pouco por todo o mundo, que não sabem como regressar ao seu país e, provavelmente, alguns milhares de hotéis que não vão receber pelos serviços que prestaram aos clientes da Thomas Cook. Há 22.000 funcionários que perderam o emprego. Uma frota de 34 aviões Airbus 321 e 330 parou. Um jornal português diz que “gigante falido deixa calotes a hotéis portugueses”, um jornal das Canárias anuncia que “a falência da Thomas Cook representa a perda de 15 mil empregos” e o jornal económico francês La Tribune diz que esta falência foi "um terramoto para o turismo". Neste caso, como vem sendo hábito nas grandes empresas que vão à falência, os seus gestores receberam salários e bónus de muitos milhões de euros, mesmo quando a falência já estava no horizonte. O problema é que os terramotos costumam ter réplicas...

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

A renovação da vida política na Madeira

Ontem, pela 12ª vez, realizaram-se as eleições legislativas na Região Autónoma da Madeira e, pela primeira vez nesse percurso político de 43 anos, nenhum partido obteve a maioria absoluta, pelo que terá que haver coligações ou acordos parlamentares para formar governo.
A Madeira esteve demasiado tempo dependente do mesmo governo de maioria que, embora com toda a legitimidade democrática, condenava os partidos da oposição a um papel irrelevante na vida política regional. Isso acontecia desde 1976 quando se realizaram as primeiras eleições para a Assembleia Legislativa da Região em que participaram 107.265 eleitores, que deram a vitória ao PSD liderado por Alberto João Jardim com 59,6% dos votos. Depois realizaram-se eleições em 1980, 1984 e 1988 e, em todas elas, o PSD obteve mais de 60% dos votos. Nas eleições de 1992 e até às eleições de 2004, o PSD continuou a ganhar com maioria absoluta, mas a sua votação entrou na casa dos 50%. Nas eleições de 2011 e 2015, o PSD ainda ganhou com maioria absoluta, mas a votação entrou na casa dos 40%.
Nas eleições que ontem se realizaram e em que votaram 143.190 eleitores, o PSD agora dirigido por Miguel Albuquerque obteve 39,4% dos votos, passando de 24 para 21 deputados. Pela primeira vez em 43 anos, o PSD não obteve a maioria absoluta o que significa que, como hoje diz o Diário de Notícias da Madeira, o “PSD já não manda sozinho”. Essa foi a primeira surpresa que nos chegou do arquipélago da Madeira. A outra surpresa que veio da Madeira foi a subida vertiginosa do PS que obteve 35,7% dos votos e passou de 7 para 19 deputados, afirmando-se como uma verdadeira alternativa aos governos dirigidos desde 1976 pelo PSD.
Os outros partidos conseguiram eleger 7 deputados mas, definitivamente, a Região Autónoma da Madeira parece ter rejeitado o jardinismo e adoptado a bipolarização pós-jardinista. Ora esta renovação da vida política é boa para os madeirenses (e portosantenses), pois podem alternativamente escolher “entre a carne ou o peixe”.

A campanha eleitoral já está na estrada...

No próximo dia 6 de Outubro vão realizar-se eleições legislativas em Portugal e, nos termos da lei que estipula que a campanha eleitoral se inicia no 14º dia anterior ao dia da votação, temos que essa campanha começou ontem.
Há 10.811.436 eleitores inscritos nos cadernos eleitorais (CNE), o que significa um aumento de 1,1 milhões de eleitores face às eleições de 2015, porque foi introduzida a regra do recenseamento eleitoral automático junto dos emigrantes, através do cartão do cidadão. Para um país cuja população residente é de 10.283.822 habitantes (Pordata) são demasiados eleitores. Isto é um exagero ou mesmo uma fantasia. O sistema de recenseamento e os cadernos eleitorais têm que ser revistos. É uma exigência democrática.
Entretanto, nos próximos 12 dias vamos ser bombardeados com uma campanha que se soma a uma pré-campanha que, embora cordial e sem grandes ansiedades, foi muito longa, tendo incluído muitas acções de campanha e vários debates na televisão e na rádio, provavelmente pouco esclarecedores porque os candidatos prometem tudo, mesmo quando sabem que não podem cumprir as suas promessas. A partir de agora as televisões vão estar entopidas com imagens das caravanas e dos candidatos nas ruas e nos mercados, que vão agitar bandeirinhas e distribuir folhetos, bonés e canetas.
Porém, os estrategas dos partidos sabem que o efeito das campanhas eleitorais não altera significativamente as intenções de voto já decididas pelos eleitores antes da campanha eleitoral, ou que os seus efeitos serão mínimos. Esta conclusão já foi tirada há muitos anos pelo sociólogo americano Paul Lazarsfeld (The People’s Choice, 1944), que verificou que “só uma pequeníssima percentagem de gente pode ser considerada indecisa ao ponto de poder ser convertida pela propaganda” e que, mesmo os eleitores indecisos, são mais sensíveis às pressões sociais e familiares do que às campanhas e à propaganda eleitoral. Certamente por conhecerem esta teoria de base científica, os partidos deixaram de fazer os grandes comícios, embora continuem a gastar muito dinheiro em cartazes e no merchandising. Será que vale a pena gastar tanto dinheiro e cansar os eleitores com demasiadas aparições e discursos que, eventualmente, podem produzir o efeito perverso de os afastar das mesas de voto? Porém, a campanha eleitoral já está na estrada...

sábado, 21 de setembro de 2019

A reconstituição da viagem de 1519-1522

Hoje, na sua edição de Sevilha, o jornal ABC destaca as cerimónias da reconstituição da partida da nau Victoria, cuja réplica largou ontem de Sanlúcar de Barrameda, para repetir a histórica viagem iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães e que foi concluída em 1522 por Juan Sebastián de Elcano. Esta viagem que constituíu um acontecimento relevante na história da Humanidade e que é um dos mais curiosos episódios das seculares rivalidades luso-espanholas, enquadra-se no programa do V Centenario de la Primera Circunnavegatión e teve a presença de uma fragata espanhola que, curiosamente ou não, também se chama Victoria.
A Volta ao Mundo de 1519-1522 aconteceu por acaso. A expedição magalhânica tinha como objectivo atingir as ilhas Molucas navegando por ocidente e demonstrar que se situavam no hemisfério castelhano definido pelo Tratado de Tordesilhas. Nas instruções que recebeu do rei Carlos I, era claro que a expedição não deveria entrar no hemisfério português, o que significava que deveria fazer a torna-viagem. Porém, com a morte de Magalhães nas ilhas Filipinas, o seu sucessor decidiu desobedecer e navegar no hemisfério português e atravessar o oceano Índico, tendo chegado ao ponto de partida na foz do rio Guadalquivir em Setembro de 1522. Foi, portanto, uma Volta ao Mundo sem querer, como recentemente escreveu o grande historiador Luís Filipe Thomaz.
A polémica em torno desta viagem continua muito activa e, muita gente, tanto em Portugal como em Espanha, parece abusar de um provincianismo serôdio de rivalidade do tipo das disputas entre Alguidares de Cima e Alguidares de Baixo. O sucesso da viagem organizada e iniciada por Magalhães que Elcano concluíu e a sua importância para a história da Humanidade, não é português nem espanhol. É um sucesso ibérico e, mais do que isso, é um feito civilizacional europeu, ou mais apropriadamente, é um património da Humanidade.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Fernão de Magalhães e a volta ao mundo

Perfazem-se hoje 500 anos sobre o dia em que Fernão de Magalhães largou de Sanlúcar de Barrameda para iniciar a sua viagem para as Molucas, navegando para ocidente em nome do jovem rei Carlos I de Espanha, que subira ao trono em 1516 e que em 1519 se tornou no imperador Carlos V da Alemanha.
Nos cinco navios da expedição – San Antonio, Trinidad, Concepción, Victoria e Santiago – embarcavam 237 homens de muitas nacionalidades, incluindo 64 andaluzes, 31 portugueses, 29 bascos, 26 italianos, 19 franceses, 15 castelhanos, 9 gregos, 7 galegos, 5 asturianos, 5 flamengos e 4 alemães, além de elementos de outras nacionalidades. O veneziano António Pigafetta, que foi o principal cronista da viagem, escreveu no seu diário:
El martes 20 de septiembre partimos de Sanlúcar, navegando con viento de garbino, y el 26 llegamos a una de las islas Canarias, llamada Tenerife, situada en los 28º de latitud septentrional.
Hoje o Diário de Notícias é um dos jornais que evoca essa efeméride histórica.
A viagem constituiu a maior aventura que, até então, foi realizada pelo ser humano. Com base nas informações recolhidas pelas explorações portuguesas na margem ocidental do Atlântico e dos conhecimentos cartográficos do tempo, nomeadamente a carta de Martin Waldseemuller, o obstinado Fernão de Magalhães procurou e encontrou a passagem – o Estreito de Todos-os-Santos, depois chamado Estreito de Magalhães – que ligava o oceano Atlântico ao oceano Pacífico, que percorreu com felicidade entre os dias 1 e 28 de Novembro de 1520.
A expedição, então com três navios apenas, atravessou depois o Pacífico e, no dia 27 de Abril de 1521, Magalhães morreu em combate na ilha de Mactán, nas Filipinas. Algum tempo depois, o basco Juan Sebastián de Elcano assumiu o comando da nau Victoria, navegou para oeste até ao cabo da Boa Esperança e, no dia 6 de Setembro de 1522, chegou a Sanlucar de Barrameda com 18 homens. Sem que esse fosse o seu objectivo inicial, tinham concluído a primeira volta ao mundo.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Made in Iran - sim ou não?

O ataque dirigido contra uma refinaria e um campo de petróleo sauditas que aconteceu no passado sábado, gerou muita instabilidade nos mercados petrolíferos e aumentou a tensão no golfo Pérsico, sobretudo entre os americanos e os iranianos.
Apesar do ataque ter sido reivindicado pelos rebeldes iemenitas houthis, o facto é que a região do Golfo e o Médio Oriente são um complexo puzzle estratégico em que tudo o que acontece tem a mão, mais ou menos invisível, das potências mundiais ou regionais interessadas no petróleo daquelas regiões.
Por isso, meio mundo tratou de responsabilizar o Irão por este sofisticado e cirúrgico ataque que, naturalmente, foi negado pelas autoridades iranianas, apesar do aiatolá Ali Khameni ter pessoalmente aprovado esse ataque. Entretanto, pela voz do secretário de Estado Mike Pompeo, os americanos, responsabilizaram o Irão pelo ataque e afirmam ter-se tratado de um acto de guerra. Porém, Vladimir Putin apelou à comunidade internacional para que não retire conclusões precipitadas sobre a origem do ataque e declarou estar pronto a ajudar a Arábia Saudita, nomeadamente através do fornecimento de sistemas de mísseis antiaéreos russos para defender o seu território, tal como fizeram o Irão e a Turquia que adquiriram os sistemas S-300 e S-400, respectivamente.
No meio deste jogo de acusações e de suspeitas, os sauditas trataram de juntar os destroços de um drone, de um míssil de cruzeiro e de alguns rockets, tendo o jornal New York Post escolhido o título “Made in Iran” e ilustrado a sua capa com uma fotografia das armas de ataque reconstruídas a partir dos destroços e que, segundo o jornal, incrimina os iranianos.
O assunto vai continuar na agenda internacional e não é isento de grandes preocupações.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Sauditas e iranianos em vias de confronto

Há uma grande refinaria e um campo de exploração petrolífera a arder na Arábia Saudita, em consequência de um ataque ocorrido no passado sábado em que foram lançados dez drones contra a refinaria de Abqaiq e o campo de Khurais. Estes ataques já foram reivindicados pelos rebeldes iemenitas houthis, mas os americanos não acreditam nessa declaração e acusam o Irão de estar por trás deste ataque. Entretanto, o The New York Times publicou uma fotografia satélite do enorme incêndio nessa refinaria.
O ataque, aparentemente muito eficaz, terá sido feito como reacção aos ataques aéreos e incursões militares sauditas, que têm sido dirigidos contra as regiões do Iémen que os rebeldes controlam, incluindo a sua capital Sanaa. Nos últimos meses, os rebeldes houthis, que são apoiados pelo Irão, realizaram uma série de bombardeamentos fronteiriços com mísseis e drones contra bases aéreas sauditas e outras instalações no país, o que tem sido condenado pelos países ocidentais que acusam o regime de Teerão de fornecer armas ao grupo, o que tem sido negado pelos iranianos.
Os ataques de sábado provocaram grandes incêndios na refinaria que é a maior instalação mundial de processamento de petróleo e um dos maiores campos de extracção de petróleo, ambos operados pela gigante estatal saudita Saudi Aramco – Saudi Arabian Oil Company.
Com este ataque, a capacidade de produção diária da Arábia Saudita foi reduzida para menos de metade, o que significa um corte de 5% na oferta mundial do produto e uma ameaça para a estabilidade dos preços, o que pode dar origem a uma escalada na sua cotação nos mercados mundiais.
Esta ocorrência também veio aumentar a tensão entre os Estados Unidos e o Irão, que não cessam de fazer recíprocas ameaças, além de mostrar que a rivalidade política e religiosa nas margens do golfo Pérsico ou entre o Irão e a Arábia Saudita, continua a ser um foco de preocupação mundial.

Espanha: o desporto e a unidade nacional

Todos os jornais espanhóis, mas todos sem excepção, destacam hoje com grandes fotografias de primeira página a conquista pela selecção de Espanha do título de campeã mundial de basquetebol, o que é realmente um feito desportivo notável.
De Madrid à Catalunha, da Cantábria à Andaluzia ou das Baleares às Canárias, a imprensa publica a fotografia dos campeões que “conquistaram o mundo” e dedica-lhes adjectivos como invencíveis, gigantes, gloriosos ou reis do mundo. É uma notável unanimidade que “esquece” outros acontecimentos do momento ou outras rivalidades que estão vivas, como o julgamento do procés catalão, o final de La Vuelta ou a gota fria que afectou o Levante ou, até, os desencontros entre Sanchez e Iglésias para formar ou não formar governo. Esta generalizada uniformidade informativa revela a força do desporto, enquanto cimento que aglutina e reforça a unidade nacional. Por um dia, não há catalães nem bascos, nem galegos ou castelhanos, mas apenas orgulhosos espanhóis.
Os sucessivos governos espanhóis, sobretudo depois da reinstauração da Democracia e da criação das regiões autónomas, compreenderam que no meio das diferenças históricas, culturais e linguísticas, o fenómeno desportivo seria um elemento de coesão nacional, pelo que afectaram sempre generosas fatias orçamentais à promoção da sua prática. Os resultados têm sido compensadores porque a Espanha se tornou realmente numa potência desportiva mundial em diversas modalidades e não apenas no basquetebol.

domingo, 15 de setembro de 2019

Macron visitou a “sua” terra de Andorra

O Principado de Andorra é um microestado soberano que fica situado nos Pirinéus, encravado entre a região francesa do Midi-Pyrenées e a província de Lleida da região autónoma da Catalunha. Tem uma área de 468 km2 e cerca de 80 mil habitantes, sendo o 16º menor país do mundo em superfície e também o 11º país menos populoso do mundo. Por razões diversas, cerca de um quinto da população do principado é portuguesa e trabalha na hotelaria, no comércio, na construção e até na administração pública.
Diz-se por lá que, se os portugueses deixassem Andorra, de repente e ao mesmo tempo, o país fechava.
O principado é independente desde 1278 e, desde 1993, é uma democracia parlamentar, em que o poder legislativo é exercido por 28 deputados que integram o Conselho Geral dos Vales, a quem também compete escolher o chefe do governo. Por razões históricas, a chefia do Estado é exercida em diarquia, isto é, por duas personalidades ditas co-príncipes, que são o Presidente da República Francesa e o Bispo de La Seu d’Urgell na Catalunha. É um caso que parece não ter paralelo no mundo.
Tanto quanto se sabe, o Bispo de La Seu d'Urgell e o Presidente da França não costumam reunir-se para tratar dos assuntos de Andorra e, aparentemente, não visitam o território que tutelam, como consequência de uma tradição medieval que resistiu ao tempo. Porém, recentemente Emmanuel Macron decidiu visitar Andorra e, à simpatia com que foi recebido e rodeado pela população, correspondeu de igual modo nas ruas da sua capital Andorra la Vella. O Diari d’Andorra, que é o jornal do principado e que se publica em catalão, deu notícia da visita de Macron, mais como turista do que como Chefe do Estado, dizendo que seduziu a população, onde não encontrou os coletes amarelos franceses que tanto o têm contestado.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

As inundações e as alterações climáticas

As regiões orientais da península Ibérica ou regiões do Levante, têm estado sujeitas a fortes tempestades resultantes de um fenómeno meteorológico conhecido por gota fria, que acontece quando uma frente atlântica de ar polar frio atravessa a Europa a grande altitude e se encontra com o ar quente e húmido do mar Mediterrâneo. Este fenómeno traduz-se na ocorrência de chuvas diluvianas que, nalguns casos, atingiram 200 litros por metro quadrado.
Segundo revela a imprensa espanhola, as províncias de Castellón (Comunidade Valenciana) e Teruel (Comunidade de Aragão) foram as mais afectadas pelas grandes inundações e pelos consequentes problemas na circulação automóvel, nos comboios e no metropolitano. Milhares casas foram inundadas, enquanto as escolas de mais de uma centena de municípios das comunidades do Levante suspenderam as suas aulas, tal como muitos serviços públicos que encerraram as suas portas.
Na província de Castellón várias pessoas tiveram que ser resgatadas das suas viaturas que, como mostra a expressiva fotografia publicada pelo Diario de Navarra, foram arrastadas pelas águas nestas históricas inundações, a fazer lembrar os tsunamis do oceano Índico oriental e dos mares da Indonésia.
Este episódio de gota fria nas regiões orientais da península Ibérica está a ser o mais intenso desde 2008 e junta-se a muitos outros casos de inundações, temporais, furacões, secas extremas, incêndios florestais e outros episódios resultantes das alterações climáticas que estão a afectar o nosso planeta.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Um cartoon inteligente ajuda a esclarecer

Democratic Funeral (In www.cartoonmovement.com)
A situação por que passa o Reino Unido em relação ao Brexit é realmente lastimável e perigosa. Já está quase tudo dito sobre o assunto e já ninguém consegue prever o que vai acontecer, nem como ou quando vai acontecer.
Hoje é sabido que o referendo promovido por David Cameron foi precipitado e que poucos sabiam no que estavam a votar, pelo que em função do inesperado resultado que deu a vitória ao leave, se demitiu.
Depois sucedeu-lhe Theresa May que tratou de conduzir negociações em Londres e em Bruxelas, para conseguir um acordo de saída da União Europeia, mas que não levaram a lado nenhum, pelo que também se demitiu.
Apareceu depois Boris Johnson, com o seu ar de adolescente extravagante e estarola, que incitado pelo radical Donald e apesar de não ter mais apoios do que tivera May, decidiu avançar e perdeu... mas sem se demitir. No sentido de ganhar tempo e com todo o aspecto de golpe, Boris Johnson decidiu neutralizar durante algumas semanas o Parlamento que o contrariou, pelo que precisou e teve o apoio institucional da Rainha. Porém, o Supremo Tribunal da Escócia veio acusar o Boris de “ter enganado a Rainha” e já considerou a decisão contrária à lei, pelo que deve ficar sem efeito. Estamos, portanto, em mais um dos muitos imbróglios em que o Brexit tem sido fértil.
Tudo isto tem um teor de gravidade tão grande que preocupa meio mundo, embora o outro meio mundo aproveite para caricaturar e ridicularizar esta situação. Foi o que fez  o cartoonista português Vasco Gargalo no seu trabalho “Democratic funeral”, com muita inteligência e perspicácia. Aqui lhe deixo as minhas felicitações. 

O independentismo catalão a arrefecer

Ontem celebrou-se a Diada Nacional de Catalunya ou Dia Nacional da Catalunha que é a festa nacional catalã e que, todos os anos, recorda a resistência popular ao cerco da cidade de Barcelona, que terminou no dia 11 de Setembro de 1714. Este episódio da resistência catalã ocorreu durante a Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), que envolveu diversas monarquias europeias em torno dos direitos de sucessão à coroa espanhola. Aquele episódio e aquela data tornaram-se o símbolo da Catalunha e a sua oposição ao centralismo de Madrid.
Durante a ditadura franquista a celebração da Diada esteve proibida, mas com a reinstalação da democracia, recomeçou a ser celebrada em 1977 e, em 1980, o Parlamento da Catalunha veio a proclamar o dia 11 de Setembro como o Dia Nacional da Catalunha.
Nos últimos anos a Diada tem constituído uma grande jornada de luta, ao concentrar os protestos contra o governo espanhol de Madrid e as reivindicações independentistas catalãs. Segundo os registos existentes, desde 2012 mais de um milhão de pessoas têm estado nas ruas de Barcelona no dia 11 de Setembro, tendo havido um pico de 1,8 milhões de manifestantes em 2014. Ontem foram 600 mil manifestantes que vieram para a rua e esse número foi o mais reduzido desde que se intensificou a reivindicação independentista, segundo hoje informa o El Periódico de Catalunya. Nem a aproximação da sentença judicial relativa ao procés e à declaração unilateral de independência feita no Parlamento da Catalunha em Outubro de 2017, conseguiram mobilizar o povo. Talvez que a dureza da sentença que se aproxima, possa servir para ressuscitar os catalães para o ideal independentista que, sendo legítimo, não é nada oportuno numa Europa em dificuldade.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Subir ao topo dá mesmo muito trabalho

Na Sala Cid dos Santos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa assisti hoje às provas públicas de doutoramento de um amigo de há muitos anos e tive a grande alegria de presenciar a forma como foi justamente reconhecido e elogiado pelos seuspares. Foi, por isso, um dia memorável para o meu amigo, para a sua família e para aqueles que, como eu, prezam aquele jovem médico tão devotado à carreira que escolheu.
Não costuma ser aconselhável que se fale dos amigos, porque há sempre uma natural tendência para o exagero no elogio e no uso do adjectivo, mas este caso é realmente incontornável porque, se não é único, é mesmo um caso muito raro e, por isso, aqui lhe deixo uma breve mensagem.
O meu amigo, que entrou naquela sala como candidato, apresentou-se perante o meretíssimo júri depois de mais de vinte anos de estudo e de trabalho hospitalar e após ter adquirido experiências e saberes em alguns centros de referência mundial, desde os Estados Unidos ao Japão, para além de um longo período de investigação clínica no mais conhecido hospital de Barcelona.
Porém, para atingir o patamar de excelência a que chegou, não confiou apenas na sua privilegiada inteligência, nem nas suas superiores qualidades de trabalho e de metódica organização. Venceu todas as barreiras com a humildade, a solidariedade e a esmerada educação que o caracterizam. Definiu um objectivo e uma estratégia, não dando tréguas à sua avidez pelo conhecimento científico, nem pela sua valorização profissional. Durante mais de vinte anos estudou com determinação e persistência, adiou outros projectos e privou-se de muitas coisas, mas tornou-se um bom médico, daqueles que acompanham e se interessam pelos seus pacientes.
A sua tese intitilou-seNon-tumoral portal vein thrombosis in patients with and without cirrhosis – Clinical significance, natural history of varices and efficacy of anticoagulation”. No fim, os elogios foram unânimes e o júri aprovou-o com distinção e louvor, por unanimidade. É a mais alta classificação que pode ser atribuida a um doutoramento. Fiquei orgulhoso. Parabéns ao CNF.

domingo, 8 de setembro de 2019

Gales também já está contra o Brexit?

A barafunda política em que está envolvido o Reino Unido continua a agravar-se e a tornar-se ridícula, não só pela obcessão que alguns manifestam pelo Brexit, com ou sem acordo, mas também porque as alternativas são cada vez mais improváveis e, sobretudo, não são nada claras. Os problemas económicos e sociais que se avizinham estão estudados e são muito preocupantes, não só para o governo de Londres, mas também para a União Europeia.
Porém, o problema da fragmentação territorial do Reino Unido parece estar cada vez mais próximo e esse problema é muito sério, até do ponto de vista militar devido à dispersão das bases britânicas pelas diferentes regiões das Ilhas Britânicas.
É sabido que a Escócia e a Irlanda do Norte votaram contra o Brexit (62% e 56% respectivamente) e, por isso, não admira que a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon já tenha declarado que, a concretizar-se o Brexit, vai realizar um novo referendo sobre a independência da Escócia, enquanto os irlandeses de Belfast já ameaçaram que a unificação das Irlandas é o seu futuro mais provável.
Entretanto o País de Gales, que tinha sido a região em que apenas 47,5% dos eleitores tinha votado contra a saída da União Europeia, começou a dar mostras de ter invertido o seu ponto de vista e que, afinal, já não quer que o Reino Unido abandone a União Europeia, juntando-se, assim, aos escoceses e aos irlandeses do norte. O jornal escocês The National, que se afirma apoiante da independência da Escócia, decidiu dar publicidade às aspirações galesas e veio agora afirmar-se como “the newspaper that supports an independent Wales”. Portanto, as coisas agravam-se cada vez mais "em terras de Sua Majestade", até porque no nº 10 de Downing Street está um perigoso fanático, aliás como insinuou o seu irmão Jo Johnson, que acaba de se demitir do governo e do Parlamento.

sábado, 7 de setembro de 2019

O dia da Eslovénia na região da Cantabria

Está a decorrer a volta ciclista à Espanha, a famosa La Vuelta, cujo traçado inclui muitas etapas montanhosas nos seus 3290 quilómetros de extensão. Ontem, a partir de Bilbao, realizou-se a 13ª etapa na distância de 166 quilómetros, que incluia sete contagens para o Prémio da Montanha (!), a última das quais no Alto de Los Machucos, na região da Cantabria, que coincidia com o final da etapa. Esta subida tem sido considerada desumana porque tem um gradiente médio de 9,2% mas que em alguns troços chega aos 25%, mas também porque aparece aos ciclistas depois de mais de 150 quilómetros de corrida entre vales e montanhas e quando as suas forças já estão muito enfraquecidas.
Os ciclistas espanhóis, mas também os colombianos e os franceses, estão na primeira linha dos grandes ciclistas que andam a disputar a Vuelta, mas ontem os louros foram para dois eslovenos, o que de certa forma é uma anormalidade, uma vez que a pequena Eslovénia não tem tradição ciclista.
Tajed Pogacar e Primoz Roglic destacaram-se na difícil subida e mostraram um grande espírito de entre-ajuda apesar de serem de equipas diferentes, tendo chegado isolados à meta instalada no Alto de Los Machucos. Na Eslovénia os dois atletas devem ter sido bem festejados e, em termos desportivos, o caso não é para menos. Foi o jovem Pogačar, de 20 anos de idade, que cortou a meta em primeiro lugar, certamente uma condescendência do seu compatriota como sinal de gratidão pela ajuda que lhe dera, enquanto Roglič, de 29 anos de idade, não só manteve a camisola vermelha de líder, como aumentou a sua vantagem sobre os seus mais directos adversários. Hoje, o jornal Alerta de Santander dedicou a sua primeira página ao “dia da Eslovénia na Cantabria” e, também hoje, os ciclistas pedalam pelas Astúrias em direcção a Oviedo. Só no dia 15 termina a Vuelta com a chegada a Madrid.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O fim da guerra e o futuro da Síria

Depois de alguns meses em que a imprensa internacional esteve calada e não falou da Síria, apareceu agora a revista The Economist com um artigo a reconhecer a vitória de Bashar al-Assad e do seu regime, embora considere que se tratou de uma vitória oca. De resto, o título do artigo está em linha com a fotografia de Assad sobre um monte de destroços, que é elucidativa quanto aos resultados da guerra, isto é, que Assad ganhou mas que o país ficou destroçado.
Quando no ano de 2011 Assad decidiu resistir à primavera árabe que chegara às suas fronteiras, enfrentou as ameaças e até alguns bombardeamentos ocidentais, tendo pedido ajuda à Rússia e ao Irão. Depois de oito anos de violência, de milhões de refugiados e de meio milhão de mortos, parece que só a província de Idlib ainda resiste. “Contra todas as probabilidades, o monstro venceu”, escreveu o anónimo autor do artigo da revista, deixando no ar a ideia de que era um artigo encomendado.
Começa agora a pensar-se no futuro. A Síria está destruída, enquanto a pobreza, a corrupção e as desigualdades sociais são enormes. O que resta do país corre o risco de colapsar. Aproximam-se tempos ainda mais difíceis para os sírios porque o país não tem dinheiro, nem quadros, nem mão-de-obra para a reconstrução. A Rússia e o Irão são credores de uma enorme dívida da Síria e, certamente, esperam vir a ser pagos com juros. Diz The Economist que “para os sírios, a vitória de Assad foi uma catástrofe”, mas acrescenta que os seus “adversários estão exaustos”.
Outro dos grandes problemas sírios são os refugiados que saíram do país, fugindo destes e daqueles, mas que agora não querem regressar da Jordânia, do Líbano ou da Turquia, onde não são desejados porque consomem recursos, ocupam empregos e geram agitação social.
Lamentavelmente, o artigo não contribui para o desanuviamento nem para a reconciliação nacional, atacando Bashar al-Assad como se ele e os seus aliados fossem os maus desta fita, enquanto os seus adversários, locais ou internacionais, fossem uns bonzinhos e que as suas bombas eram inofensivas, o que não é verdade. E, para mostrar o seu alinhamento ideológico, o artigo diz que “os sírios sofreram terrivelmente. Com a vitória de Assad, a miséria deles continuará”. O artigo não engana, revela muito radicalismo e mostra aquilo a que se chama um mau perder. Só pode ser publicidade paga.

Moçambique em festa com a visita papal

O Papa Francisco está em Moçambique e esta visita papal, que acontece pouco tempo depois da assinatura do acordo de paz e reconciliação entre a Frelimo e a Renamo, coloca o país na primeira página da imprensa mundial. Muita gente vê nesta visita o apoio do Papa a uma paz estável e duradoura, que permita o progresso económico e social dos moçambicanos.
Moçambique é um grande país da costa oriental africana e recebeu o Papa Francisco em festa, tendo exibido a sua diversidade religiosa nas cerimónias de recepção no aeroporto, o que mostra o carácter pacificador desta visita. Acontece que o país já está em campanha eleitoral para as eleições de 15 de Outubro e muitos temem que o partido do governo aproveite esta visita para se promover, mas muitos outros acreditam que a mensagem de reconciliação papal supera tudo o resto. Outros, também lamentam que a visita papal tenha sido limitada à cidade de Maputo e deixasse de lado as províncias de Sofala e da Zambézia que recentemente foram devastadas por ciclones, bem como a província de Cabo Delgado onde se tem verificado uma onda de violência fundamentalista islâmica. Mas, evidentemente, o Papa não pode ir a todo o lado e terá que ser a comunicação social a dar notícia desta visita e da sua importância para a paz, como bem tem feito o diário O País, que se publica em Maputo.
Amanhã, antes de partir para Madagáscar e para a Maurícia, o Papa Francisco celebrará missa no Estádio Nacional do Zimpeto, sendo esse o momento mais grandioso desta sua visita que enche de orgulho os moçambicanos e reforça a ideia de paz e de reconciliação nacional.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Alterações climáticas a afectar Brasília

A edição de hoje do Correio Braziliense destaca o notícia de que o Distrito Federal registou ontem o dia mais quente do ano e o valor mais baixo da humidade relativa neste século e que, na cidade de Brasília, esse valor atingira os 8%, acrescentando que o tempo seco deverá continuar e que hoje se espera que a humidade tenha um valor semelhante ao de ontem.
Se isso acontecer, isto é, se se verificarem dois dias seguidos com humidades abaixo dos 12%, segundo os critérios da Defesa Civil significa uma situação de emergência.
A Organização Mundial de Saúde indica o valor de 60% como o valor ideal da humidade relativa e, perante esta situação, as autoridades trataram de avisar a população e, entre outras recomendações, alertam para que suspenda a prática de actividades físicas e trabalhos ao ar livre, para que se aumente a ingestão de líquidos e para que se procure vaporizar o ambiente doméstico com vaporizadores ou toalhas molhadas.
Segundo o jornal, não chove no Distrito Federal desde há 94 dias e essa situação torna-se crítica pelo desconforto das pessoas e pelas consequências sobre a saúde da propagação de vírus que circulam no ar e que provocam muitas doenças respiratórias e outras. Por outro lado, as queimadas e os incêndios que têm acontecido na região de Brasília, que já registaram 5.871 incêndios florestais desde Janeiro, segundo revelou o Corpo de Bombeiros, têm deixado o céu de Brasília tomado pela fumaça e, por vezes, quase enquadrando um cenário de apocalipse. É mais um evidente caso das enormes alterações climáticas que estão a afectar o nosso planeta e às quais o Jair parece pouco sensibilizado.
Aqui na cidade de Lisboa também estamos sob um vaga de intenso calor, mas sempre vamos tendo de mais de 30% como valor mínimo da humidade relativa. Porém, já que outra coisa não podemos fazer para além de expressarmos solidariedade, também desejamos que chova rapidamente em Brasília. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Brexit: a demagogia continua em Londres

Ontem, em Londres, a Câmara dos Comuns retomou os seus trabalhos parlamentares depois das férias de Verão e tratou de diversas questões menores que estavam agendadas, tendo havido uma intervenção do primeiro-ministro Boris Johnson sobre a recente cimeira do G7.
Depois, seguiu-se a história do costume a respeito do Brexit, com os deputados divididos entre a saída sem acordo ou a saída com acordo. Boris Johnson, que conseguiu que o Parlamento fosse suspenso a partir da próxima semana, continuou a insistir na sua proposta radical de saída sem acordo, parecendo indiferente aos avisos que lhe chegam quanto às graves consequências que isso vai ter no abastecimento público, nos portos e no turismo. É o caos dizem uns, é a incerteza total dizem outros. Apesar disso, foi votada e aprovada uma proposta que visa a criação de legislação que impeça uma saída sem acordo no dia 31 de Outubro, isto é, a iniciativa do processo do Brexit volta ao Parlamento e não fica nas mãos do revolucionário Boris. Foi uma humilhante derrota como hoje diz o The Guardian, pois tiraram-lhe o tapete e foi-se a sua maioria parlamentar, enquanto viu alguns dos deputados do seu partido virarem-lhe as costas.
Hoje a luta continua, mas já é assumido que o governo vai apresentar uma proposta para a realização de eleições legislativas antecipadas dentro de seis semanas, isto é, a 14 de Outubro. Talvez seja a melhor solução para este enorme imbróglio, em que a União Europeia perdeu a paciência e se prepara para classificar esta novela como “um desastre natural”.
O que será necessário é que no processo eleitoral os britânicos sejam esclarecidos sobre o que está em jogo, porque há muita ignorância a minar este processo, que só um eleitorado esclarecido pode ultrapassar. Depois, saiam ou fiquem, com ou sem acordo, mas sem dar ao mundo este espectáculo político degradante.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

A violência destruidora dos furacões

As tempestades tropicais ou ciclones tropicais são um fenómeno meteorológico de características depressionárias que se forma sobre o mar das regiões tropicais em diferentes regiões do mundo. No oceano Pacífico ocidental designam-se por tufões (typhoon), mas na região ocidental do oceano Atlântico são chamados furacões (hurricane). O efeito dos ciclones tropicais é devastador, quer no mar, quer em terra, porque o vento pode soprar com grande intensidade. O mais recente de que há notícia é o furacão Dorian que atingiu ontem o arquipélago das Bahamas, com ventos com velocidades superiores a 300 quilómetros por hora, que já provocaram cinco mortos e destruíram pelo menos 13 mil casas em várias ilhas, deixando um forte rasto de destruição e fazendo com que a população ficasse sem abrigo ou alojada precariamente. As autoridades das Bahamas declararam nunca ter visto tanta destruição porque a violência do Dorian “não tem precedentes”. Entretanto, quando o furacão se aproximava da Florida e da Geórgia, uma situação que a fotografia da capa da edição do Miami Herald bem esclarece, parece ter perdido força e estar a ser travado na sua progressão para noroeste por um sistema de altas pressões situado na área das Bermudas. No entanto, as autoridades americanas mantêm todos os alertas e continuam a avisar que a situação é “extremamente perigosa”. Os americanos do sul e sueste do país sabem por experiência o mal que o Dorian lhes pode levar.

As subvenções vitalícias dos políticos

A questão das pensões, qualquer que seja a sua natureza, é sempre um assunto é muito delicado e eu não sou um entendido nessas coisas. No entanto, não me oferece dúvida que quem tem um emprego, que trabalha e que desconta uma parte do seu salário para um fundo de pensões, tem direito a receber mais tarde uma pensão mensal proporcional ao tempo que trabalhou e aos descontos que lhe foram feitos. Porém, no caso dos políticos o assunto não pode ser visto da mesma maneira.
A carreira política é uma função nobre e aqueles que a escolhem fazem uma opção pelo serviço à causa pública ou pelo serviço à comunidade. Os políticos são um produto da vida partidária e muitas vezes submetem-se a eleições, mas uma eleição é diferente de um qualquer concurso empresarial para admissão de empregados, em que os candidatos têm que apresentar currículos e prestar provas. Por isso, a carreira política é temporária ou ocasional porque depende das escolhas dos eleitores. Não é um emprego e não pode ser tratada como um emprego.
Muitos políticos não percebem o que é servir a causa pública e mantém as suas actividades privadas em paralelo com as funções públicas, além de terem assegurados generosos subsídios de reintegração quando abandonam a política e regressam à sociedade civil. Portanto, o tempo que passam na política está protegido por esses subsídios e não lhes deve dar direito a quaisquer outros direitos especiais.
Assim, as subvenções vitalícias aos políticos não fazem sentido nenhum. Os políticos são cidadãos como os outros e os seus direitos não podem ser diferentes dos outros. Quando chegam à idade da reforma, têm direito a uma pensão mensal proporcional ao tempo que trabalharam e aos descontos que lhe foram feitos, onde ou para quem quer que fosse. Seis milhões de euros por ano, gastos com esta gente que, provavelmente, nem precisa, é um desperdício de recursos e uma abusiva utilização dos meus impostos. É mesmo imoral.