sexta-feira, 28 de maio de 2021

Angola e a via da reconciliação nacional

Segundo destacou o Jornal de Angola, no passado dia 26 de Maio o Presidente João Lourenço surpreendeu os seus concidadãos e os amigos de Angola, ao pedir perdão em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de Maio de 1977. Com esse gesto inédito e corajoso, o Presidente quebrou um tabu de décadas, pois o regime de José Eduardo dos Santos sempre tinha silenciado o assunto e tinha combatido aqueles que com insistência reclamavam a verdade, com base num sectarismo ideológico e numa postura ditatorial que nem sempre foi denunciada pela imprensa, nomeadamente a imprensa portuguesa, que quase sempre pactuou com o regime e se calou para evitar conflitos com as autoridades angolanas.
Agora, conforme foi salientado nas palavras presidenciais, o pedido público de desculpas e de perdão não correspondem a um conjunto de palavras vazias, mas reflectem um “sincero arrependimento” e uma vontade forte de promover a reconciliação interna de todos os angolanos. A cerimónia de homenagem às vítimas do 27 de Maio foi transmitida pela Televisão Pública de Angola e serviu para entregar certidões de óbito aos familiares de algumas vítimas, seguindo-se agora o processo de localização dos restos mortais das figuras envolvidas nessa alegada tentativa de golpe, que dividiu o povo e o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), no poder desde a independência proclamada em 1975.
O Presidente João Lourenço teve o grande mérito de abrir um caminho que esteve bloqueado durante cerca de 44 anos, mas ainda há um importante trabalho a fazer na busca da verdade, investigando o que se passou, identificando quem violou os Direitos Humanos e responsabilizando aqueles que deram ordem para que os chamados fraccionistas fossem executados. 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Política e multiculturalidade no Canadá

O Canadá é um país com elevado nível de desenvolvimento, que é atribuido à paz social e aos sentimentos de cooperação e de unidade entre os canadianos mas, apesar disso, mantém um conflito sociopolítico e territorial com a sua província do Quebec que, durante muitos anos, tem mantido uma atitude nacionalista e culturalmente de matriz francesa, oscilando entre as ideias de federalismo e de independência.
Até meados do século XVIII os territórios franceses no continente americano que constituíam a Nova França eram muito extensos e superavam largamente os territórios das treze colónias inglesas do litoral. Porém, com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) a Grã-Bretanha tomou posse daqueles territórios, embora tivesse havido muitas tensões e protestos dos colonos franceses contra as novas autoridades. Pela Lei do Quebec, promulgada em 1774, a Grã-Bretanha aceitou oficialmente a língua francesa, a religião católica e o Direito romano, pelo que as tensões com as comunidades de origem francófona se diluíram com o tempo.
Porém, quando em 1967 o General De Gaulle visitou o Canadá a propósito da Expo 67, proferiu um histórico discurso na varanda da Prefeitura de Montreal em que se dirigiu a uma grande multidão, tendo pronunciado a frase Viva o Quebec livre!.
Desde então, os sentimentos autonomistas e as rivalidades com a cultura anglófona dominante no país têm permanecido muito activas no seio da comunidade francófona, embora dentro de um sentimento de unidade nacional apesar da enorme multiculturalidade canadiana. Porém, algumas franjas sociais parecem apostar em ideias separatistas e exigem agora uma alteração à Constituição, que reconheça o Quebec como uma nação, talvez como primeiro passo para outras reivindicações. Hoje, o jornal National Post dedicou parte da sua edição a essa ideia.

sábado, 22 de maio de 2021

Acontecimentos e cessar-fogo em Gaza

Depois de onze dias de grande intensidade bélica, funcionou a intervenção diplomática egípcia e das Nações Unidas, entre outras, tendo entrado em vigor um cessar-fogo na Faixa de Gaza e não se tendo até agora registado quaisquer violações. As duas partes festejaram e gritaram vitória e, enquanto observador desta situação, pergunto se alguém ganhou com esta guerra que provocou 232 mortos em Gaza e doze em Israel, além de muitas centenas de feridos e de enormes destruições materiais.
A Palestina vive com dois governos: um que foi eleito e governa na Cisjordânia (Autoridade Nacional Palestiniana) e outro que se impõe pelas armas na Faixa de Gaza (Hamas), enquanto Israel é governado por uma coligação de direita em torno do partido conservador Likud de Benjamim Netanyahu, que teve grande apoio de Donald Trump e tem sido frequentemente acusado de ser corrupto. Tanto o Likud como o Hamas têm grandes apoios internacionais e são os representantes máximos da rivalidade e da beligerância israelo-árabe.
Passados onze dias parece que ainda não sabemos bem o que se passou, porque nos são contadas duas histórias bem diferentes. Por um lado, vimos pela televisão a brutalidade dos ataques aéreos israelitas e a tragédia humanitária que atingiu as populações na Faixa de Gaza, mas por outro não nos foram mostrados os efeitos dos rockets lançados pelo Hamas sobre o território israelita. Ficamos a pensar que foi um confronto desproporcionado, que Israel conseguiu os seus objectivos e o que o Hamas foi massacrado. Porém, quando o jornal Tehran Times, na sua edição de hoje anuncia a vitória dos seus protegidos do Hamas e critica o apoio cego dos Estados Unidos aos israelitas, ao mesmo tempo que afirma que o cessar-fogo livrou Netanyahu de uma derrota humilhante, ficamos na dúvida sobre o que se passou. São duas narrativas opostas para os mesmos acontecimentos. Cada um conta a sua história e a imprensa não consegue ser neutra, nem informar com rigor, alinhando com quem mais lhe interessa.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Marrocos em desafio à cidade de Ceuta

Nos últimos dias e em especial na passada segunda-feira, o território de Ceuta mas também o território de Melilla, foram alvo de uma invulgar entrada de migrantes ilegais provenientes de Marrocos.
Ceuta e Melilla são duas cidades espanholas encravadas no território marroquino e são as duas únicas fronteiras terrestres da União Europeia com África. O seu historial como centros de atracção de imigração ilegal foi sempre muito importante, mas o que aconteceu agora não tem precedentes, pois cerca de oito mil pessoas, a nado ou a pé, atravessaram a fronteira, sem que a polícia marroquina as travasse como era seu dever.
Acontece que, por motivos humanitários, em finais de Abril a Espanha recebeu Brahim Gali, o líder da Frente Polisário e presidente da República Árabe Sarauí Democrática, para ser tratado pois fora infectado por covid-19Marrocos não gostou e resolveu retaliar, tendo “organizado” esta “invasão” provocatória. Donald Trump tinha reconhecido a soberania marroquina sobre o território do Sara Ocidental, contrariando a posição oficial da ONU que o define como “um território não autónomo pendente de descolonização”. Desde então, a pressão marroquina sobre a União Europeia e sobre a Espanha, intensificou-se para que sigam o exemplo norte-americano.
Segundo as autoridades espanholas, cerca de 70% dos “invasores” foram imediatamente repatriados para Marrocos sem levantar quaisquer dificuldades, o que sugere que tinham sido contratados para esta acção. Entretanto, como mostrou hoje o jornal El Pueblo de Ceuta, a população de Ceuta organizou grandes manifestações de protesto e de espanholismo, pois teme que as acções dos últimos dias sejam um ensaio para outras acções que, em último grau, visariam a expulsão espanhola daqueles enclaves.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Palestina: guerra, violência e destruição

Israel e a Palestina, ou judeus e muçulmanos, estão uma vez mais em guerra pelo que muitas vidas são perdidas, há uma brutal onda de destruição e fica mais distante uma paz duradoura na região.
Conhecemos as razões históricas que alimentam o conflito entre Israel e a Palestina e as razões que dificultam a coexistência das duas comunidades. Conhecemos a Resolução 181 de 29 de Novembro de 1947, em que a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu a divisão daquele território em dois Estados, um árabe e um judeu. Conhecemos as guerras em que se envolveram em 1948, em 1967 e em 1973, bem como os apoios internacionais que cada uma das partes recebeu. Conhecemos as frequentes provocações que cada um destes Estados tem feito ao outro. Conhecemos a obsessão israelita em conquistar espaço territorial aos seus vizinhos. Conhecemos os riscos que este conflito pode trazer à estabilidade e à paz mundial. Conhecemos tudo isso e, pela televisão, assistimos à brutalidade da intervenção israelita que o jornal argelino El Watan classifica como barbárie.
Os bombardeamentos israelitas têm exibido um enorme nível de destruição, arrasando edifícios e outras infraestruturas na martirizada faixa de Gaza, um pequeno território de 365 km2 onde vivem dois milhões de seres humanos.
Pela primeira vez desde o início da actual crise e sob fortes pressões internas, Joe Biden veio anunciar que apoia um cessar-fogo entre as duas partes, mas Benjamin Netanyahu continua a ordenar que a faixa de Gaza seja intensamente bombardeada. Não há sinais de acalmia, a diplomacia não está a ter os resultados que se desejavam e no terreno continua “la barbarie israélienne”.

sábado, 15 de maio de 2021

A ilha do Pico a despertar para o turismo

Na sua edição de hoje o jornal Público decidiu homenagear a ilha do Pico e, naturalmente, para quem como nós costuma estar e actualmente está na ilha, esta divulgação feita num órgão de comunicação nacional de referência é mesmo um grande acontecimento. Porém, é preciso muita ponderação para analisar esse acontecimento, porque numa altura em que há importantes ocorrências em Portugal e no mundo, pode questionar-se por que razão terá um tão prestigiado jornal escolhido uma fotografia da ilha do Pico para ilustrar toda a largura da sua primeira página. Essa fotografia, em que os elementos dominantes são o mar e a montanha mais alta de Portugal, aparece apenas como uma chamada de atenção para os textos incluídos no seu suplemento Fugas, o que é jornalisticamente um exagero.
Nesse suplemento encontram-se textos muito bem escritos e bem ilustrados, destacando-se a referência a Paulo Afonso, um grande campeão de caça submarina que o país não conhece. Porém, embora qualquer reportagem jornalística tenha que fazer opções temáticas, verificamos que a generalidade dos temas foram “cirurgicamente” escolhidos, mostrando as facetas turísticas picoenses que a ATA – Associação de Turismo dos Açores escolheu ou sugeriu que fossem tratados.
Portanto, embora me agradasse ter visto a ilha do Pico referida na primeira página de um jornal de referência, o facto é que o suplemento Fugas acolheu uma verdadeira publireportagem, que uma qualquer agência de viagens ou de comunicação poderia fazer para promover um destino turístico. Podia fazê-lo? Sem dúvida. Porém, a fotografia de primeira página de que tanto gostei, é uma enorme gaffe jornalística.
Portanto, o Público errou. 

A escalada bélica em terras da Palestina

O conflito entre Israel e a Palestina é muito antigo e, de vez em quando, agudiza-se. 
Na sequência de mútuas provocações, assim está a acontecer mais uma vez, agora com um impressionante nível de brutalidade e de destruição, que nos é mostrado nas imagens exibidas diariamente pelas cadeias de televisão de todo o mundo. Da mesma forma, também a imprensa internacional dá notícia da gravidade dos acontecimentos que estão a passar-se naquela região, sendo o jornal Libération um dos que lhe dedicou mais atenção. 
As duas partes têm anunciado a sua irredutibilidade para cessar as suas agressões, procurando assegurar o apoio das suas populações, mas não têm evitado condenáveis excessos. Porém, no caso das forças israelitas não se trata apenas de atacar alvos de interesse militar, mas de provocar destruições em larga escala como acontece com torres habitacionais que são arrasadas, sem outro objectivo que não seja a desmoralização palestiniana e a sua humilhação. 
É enorme a desproporção das forças em presença e o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu tem afirmado que continuará a ordenar ataques contra as milícias palestinianas em Gaza, bem como a eliminação selectiva da liderança militar do Hamas, além de admitir que vai invadir os territórios controlados pela Autoridade Nacional Palestiniana. É a guerra total. É preciso travá-la de imediato. Exige-se um esforço diplomático para travar esta escalada antes que outras forças se solidarizem com as partes em guerra e que este conflito alastre a todo martirizado Médio Oriente. 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Já mexe a corrida presidencial no Brasil

O jornal Folha de S. Paulo publicou na sua edição de hoje a primeira sondagem relativa às eleições presidenciais brasileiras que se realizarão em 2022, quando são decorridos cerca de dois meses desde que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperou os seus direitos políticos e pode candidatar-se à Presidência da República Federativa do Brasil. O resultado é surpreendente e revela o estado de cansaço político e de angústia social a que chegaram os brasileiros. Assim, segundo a sondagem, na corrida eleitoral para a presidência em 2022, o ex-presidente Lula da Silva recolhe 41% das intenções de voto, enquanto o actual presidente Jair Bolsonaro se fica por 23%, isto é, há 18 pontos percentuais de diferença entre eles. Outros possíveis candidatos como os ex-ministros Sérgio Moro e Ciro Gomes recolhem 7% e 6% das intenções de voto. A sondagem também avaliou as intenções de voto numa segunda volta e verificou que Lula da Silva derrota todos os outros candidatos, vencendo Bolsonaro por 55% a 32%.
A mesma sondagem mostra que Bolsonaro tem o mais baixo nível de apoio desde que assumiu a presidência em 2019 e, actualmente, apenas 24% dos brasileiros acha que o seu governo é bom ou óptimo. “Há quase 30 meses no posto, ele tem menos apoio do que Dilma Rousseff, Lula, Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco em momento similar”, salienta a Folha de S. Paulo.
Ainda falta muito tempo e por agora estamos apenas com sondagens, mas parece que estão abertas boas perspectivas para que o Brasil possa escolher um novo presidente que prestigie o país junto da comunidade internacional e promova políticas que melhorem a vida dos brasileiros.  A sondagem foi feita pela prestigiada Datafolha, um instituto de pesquisas privado que realiza estudos estatísticos, de opinião e de mercado, bem como sondagens eleitorais, pelo que a sondagem agora conhecida tem toda a credibilidade. 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Ganhou o melhor. Viva o Sporting!

Quando ainda faltam duas jornadas para acabar a edição de 2020-2021 da Primeira Liga ou Liga NOS, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a equipa do Sporting Clube de Portugal assegurou a vitória na competição. Depois de 19 anos em os campeões foram o FC Porto (11 vezes) e o SL Benfica (7 vezes), o Sporting foi o campeão. Os sportinguistas esperaram muitos anos por esta vitória e, porque marcaram mais ou sofreram menos golos, foram uns justos vencedores. Os adeptos festejaram e quando se vê tanta gente contente, todos temos que nos regozijar.
Porém, para quem gosta do espectáculo futebolístico e da prestação artística dos jogadores, que o mesmo é dizer, para quem gosta de futebol, a tradicional condição de adepto vai desaparecendo. O adepto é uma coisa do antigamente, do tempo do “amor à camisola” e dos jogadores que eram símbolos dos clubes, bem como do tempo em que as transferências de jogadores eram raras e quase não havia estrangeiros. Modernamente, o futebol tornou-se um negócio de muitos milhões onde convergem demasiados interesses, enquanto o objectivo do espectáculo deixou de ser jogar bem, para passar a ser a procura da vitória a qualquer preço, enganando os árbitros e simulando lesões. As cores das camisolas deixaram de ser um sinal de identidade do grupo e os jogadores tornaram-se mercadorias a quem se pagam fortunas. Os dirigentes vivem em quase concubinato com os políticos, em busca de projecção social, de poder, de dinheiro e de votos. Os antigos adeptos degeneraram e deram lugar às claques, uma tribo de eufóricos ou indisciplinados, que exterioriza tensões de todo o tipo, nem sempre pacíficas. O futebol está assim. São sinais dos tempos. Não demorará que, à semelhança do que já acontece com o ciclismo e até com o basquetebol, acabem os clubes de futebol como os temos conhecido.
Por isso, admiro-me pela forma desproporcionada como toda a imprensa portuguesa destacou este acontecimento futebolístico, apesar de me regozijar pela alegria dos muitos milhares de portugueses que esperaram 19 anos por este sucesso.

Mais de 70 anos de tensão na Palestina

A fotografia que ilustra a primeira página da edição de hoje do The Washington Post é a mesma que foi escolhida por outros grandes jornais internacionais como o The New York Times, o Le Monde, o El País e o The Daily Telegraph, entre outros, mostrando espessas colunas de fumo resultantes de um ataque aéreo israelita sobre a área urbana da faixa de Gaza. Essa fotografia é a imagem de marca da tensão entre israelitas e palestinianos que, nos últimos dias, recrudesceu com uma intensidade que não acontecia há muitos anos. 
O conflito israelo-palestiniano é muito antigo, mas acentuou-se a partir de 1948 com a decisão das Nações Unidas de dividir o território da Palestina em dois estados, um para os judeus e outro para os árabes. Porém, houve logo uma guerra em que os israelitas derrotaram egípcios, jordanos e sírios, daí resultando a declaração de independência do estado de Israel. As fronteiras então reconhecidas internacionalmente não satisfizeram as duas partes e têm provocado sempre grandes tensões, por vezes muito violentas. De um lado estão os judeus ávidos de espaço e que têm ocupado alguns territórios palestinianos para estabelecerem colonatos e zonas de segurança, enquanto os palestinianos acusam os israelitas de usarem a força e violarem os seus direitos históricos e sociais. Para além deste conflito territorial à uma brutal rivalidade religiosa. 
De vez em quando a tensão agudiza-se a partir do binómio agitação/violência e assim acontece desde há várias semanas. Nunca se sabe exactamente como é que as coisas começam mas o Hamas, que controla a faixa de Gaza, anunciou que “vamos cumprir a nossa promessa de lançar um ataque massivo de foguetes contra Tel Aviv e arrabaldes, como resposta ao ataque inimigo contra torres residenciais”. As duas partes já anunciaram centenas de disparos – o Hamas já terá disparado 400 foguetes contra Israel, enquanto a aviação israelita anunciou ter atingido 150 alvos em Gaza. A violência já causou dezenas de mortos e as Nações Unidas, os Estados Unidos e a União Europeia já instaram as duas partes a interromper esta escalada. 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Evocando o legado de François Mitterrand

A 5ª República francesa iniciou-se em 1959 com o mandato do homem que dirigiu as Forças Francesas Livres que lutaram contra Hitler. Chamava-se Charles De Gaulle, era general e dirigiu o país até 1969, quando renunciou à presidência após ter perdido um referendo em que defendeu uma maior descentralização. Morreu em 1970, mas alguns partidos e muitos políticos continuam a reivindicar o seu legado político e a assumir-se como gaullistas. Seguiram-se as presidências de George Pompidou (1969-1974) e de Valéry Giscard d’Estaing (1974-1981), até que o socialista François Mitterrand, após ter perdido as eleições presidenciais de 1965 e 1974, veio a ser eleito no dia 10 de Maio de 1981, isto é, há quarenta anos, como hoje evoca alguma imprensa francesa, designadamente o jornal La Dépêche du Midi que se publica em Toulouse. A eleição de Mitterrand foi uma grande festa em França, porque ele se destacara como combatente da Resistência contra a ocupação nazi e tinha sido escolhido em Janeiro de 1947 para dirigir o Ministério dos Antigos Combatentes, tornando-se aos 30 anos de idade o mais jovem ministro da história francesa. Foi também o primeiro presidente socialista da França e dirigiu o país de 1981 a 1995, tendo sido a mais longa presidência da história da República Francesa.
Durante as suas presidências, a França recuperou prestígio internacional e poder económico, reforçou a relação franco-alemã, consolidou a Comunidade Europeia através da acção do seu amigo Jacques Delors e conseguiu abolir a pena de morte em França. Seguiram-se-lhe Jacques Chirac (1995-2007), Nicolas Sarkozy (2007-2012), François Hollande (2012-2017) e Emmanuel Macron (2017-…), mas como se vê na imprensa francesa que hoje evoca o 40º aniversário da eleição de Mitterrand, há muita gente que suspira pelos tempos em que ele dirigiu e representou a França.

domingo, 9 de maio de 2021

A Escócia volta a pensar na independência

No passado dia 6 de Maio realizaram-se diversas eleições locais no Reino Unido para escolher aqueles que deveriam ocupar cerca de cinco mil lugares em diferentes postos da administração local e regional, mas também se realizaram eleições parlamentares na Escócia e em Gales. Esta junção de eleições resultou do adiamento de alguns actos eleitorais previstos para 2020 que foram adiados devido à pandemia do covid-19.
Como sempre acontece por todo o mundo na vida democrática, todas as forças políticas trataram de reclamar vitória.
Os Trabalhistas ganharam no País de Gales e conquistaram metade dos sessenta lugares no Parlamento galês, o que os mantém no poder, sendo esse resultado atribuído à forma como foi gerida a pandemia. Na Escócia venceu o Scotish National Party (SNP) da chefe do governo Nicola Sturgeon que obteve 64 dos 129 lugares do Parlamento, ficando a apenas um lugar da maioria absoluta. É o quarto mandato consecutivo do SNP e Nicola Sturgeon, que defende a independência da Escócia e a sua inclusão na União Europeia, já afirmou que existe uma maioria pró-independência no parlamento escocês e que a Escócia tem o direito de decidir sobre o seu futuro quando a crise da covid-19 passar. Em 2014 os escoceses votaram num referendo pela permanência no Reino Unido, mas depois do Brexit é bem possível que em novo referendo votem de outra maneira. Porém, Boris Johnson já anunciou que recusa a realização de qualquer novo referendo para decidir sobre o futuro político da Escócia, embora tenha escrito uma carta a Nicola Sturgeon com felicitações ao SNP pelos seus melhores resultados de sempre, ao mesmo tempo que propõe uma cimeira conjunta com a Escócia, Gales e Irlanda do Norte em clima de unidade e cooperação. 
Parece, portanto, que a coesão do Reino Unido vai ser mais uma vez testada nos próximos tempos. Hoje o jornal independentista escocês The National diz que o povo falou e que votou pelo indyref2, isto é, por um segundo referendo.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A glória de Elcano em série televisiva

Está em curso na praia de Azkorri, próximo de Bilbau, a rodagem da série televisiva Sin límites que visa apresentar em quatro episódios de uma hora, a figura e o feito de Juan Sebastian de Elcano, que em 1522 concluiu a primeira volta ao mundo.
Elcano nasceu no município de Getaria da província de Guipúscoa, no País Basco, sendo um dos 234 tripulantes das cinco naus com que Fernão de Magalhães pretendia chegar às Molucas, navegando para ocidente. Porém, Magalhães foi morto nas ilhas Filipinas e o acaso fez de Elcano o comandante da nau Victoria que, desobedecendo às ordens de Carlos V, regressou a Sanlúcar de Barrameda pela “rota dos portugueses”. Assim, sem ser esse o seu objectivo, acabou por completar a circum-navegação do planeta.
Magalhães e Elcano, são símbolos da rivalidade entre Portugal e Espanha na questão da circum-navegação do globo, como em muitas outras coisas. Porém, porque o papel desempenhado por Elcano talvez seja menos relevante do que alguns desejam, a série es una ficción, no un documental, y sobre Elcano no existe demasiada documentación”, isto é, a produção parece antecipar já a sua defesa perante as inverdades históricas e os exageros de protagonismo a que certamente vai ceder para glorificar “la gesta del navegante guipuzcoano”.
Sin límites é a mais ambiciosa série espanhola de todos os tempos com um orçamento de 25 milhões de euros e é uma coprodução entre a Espanha (80%) e o Reino Unido (20%), sendo rodada em castelhano, português e basco. As filmagens durarão quatro meses e, depois da praia de Azkorri, as rodagens de interiores decorrerão em Madrid e Sevilha, será utilizada a réplica da nau Victoria construída em 2003 para as cenas da vida a bordo e, finalmente, as tormentas, a fome, a doença e os motins serão rodados num gigantesco tanque de 32 mil metros quadrados que os estúdios Pinewood possuem na República Dominicana.
O jornal El Correo da Bizkaia deu uma alargada reportagem do “desembarque de Elcano em Azkorri”.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

A pesca a gerar tensão nas ilhas do Canal

A ilha de Jersey tem uma área de 116 km2 e fica situada no canal da Mancha a cerca de 22 km da costa da Normandia francesa e a cerca de 160 km da costa sul da Inglaterra. Segundo o último censo, a ilha tem quase cem mil habitantes, sendo que metade dos quais nasceram foram da ilha, verificando-se que cerca de 8,2% da sua população nasceu em Portugal, o que faz dos portugueses a maior comunidade estrangeira da ilha.
Por vicissitudes históricas, a ilha não pertence à França, nem faz parte do Reino Unido, mas é uma dependência da coroa britânica.
Acontece que, ainda na sequência do Brexit, estão a surgir problemas na ilha por causa da pesca na sua área marítima. Os pescadores franceses sempre pescaram nas áreas de Jersey e de Guernsey, as chamadas “ilhas do canal”, tendo os seus direitos históricos ficado assegurados nos acordos do Brexit que, expressamente, garantiram que as embarcações de pesca dos países da União Europeia podem entrar nas suas águas, embora agora careçam de uma licença. As autoridades de Jersey parecem querer ter um maior controlo sobre os seus recursos de pesca e os pescadores franceses queixam-se que lhes estão a levantar uma longa lista de restrições para desincentivar a pesca nas suas águas. Assim, porque sentem os seus direitos ameaçados, cerca de oitenta embarcações francesas decidiram bloquear St. Helier, o principal porto da ilha, tendo do seu lado a ameaça de poder ser cortado o fornecimento de electricidade à ilha, que é fornecida a partir de França por três cabos submarinos. Nestas circunstâncias, Boris Johnson decidiu mandar sair de Portsmouth o HMS Severn e o HMS Tamar para monitorar a situação que, apesar da sua simplicidade, foi destacada na edição de hoje do The Times.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

A polémica no centenário de Napoleão

Napoleão Bonaparte morreu no dia 5 de Maio de 1821 em Longwood na ilha de Santa Helena, onde se encontrava deportado desde que fora derrotado no dia 18 de Junho de 1815 pelas tropas inglesas e prussianas em Waterloo. Tinha 51 anos de idade e hoje perfazem-se 200 anos sobre a sua morte.
Nascido em 1769 na cidade de Ajaccio, na Córsega, veio a ser admitido na École Militaire em 1784 e, quando em 1789 eclodiu a Revolução Francesa, tinha vinte anos de idade e era oficial de artilharia no exército francês. Aproveitou as oportunidades que a revolução lhe proporcionou e com 24 anos foi promovido a general. Como referiu um jornal francês, Napoleão ganhou 77 das 86 batalhas que travou, o que representa um índice de sucesso militar sem paralelo na história. Considerado um militar de génio, tornou-se imperador dos franceses de 1804 a 1814 e, por cem dias, em 1815.
O presidente Emmanuel Macron evocou a efeméride de uma forma bem simples e discreta, colocando uma coroa de flores no seu túmulo, evitando envolver-se na polémica que estava a dividir os franceses, pois enquanto uns queriam uma celebração com pompa e circunstância para enaltecer o homem e o império que dominaram grande parte da Europa continental, outros entendiam que o legado napoleónico está manchado por belicismo, por violações de direitos humanos e por desrespeito dos tratados internacionais, além de que Napoleão era um megalomaníaco que causou mais miséria do que qualquer homem até ao aparecimento de Hitler. Além disso, muitos países desde o Egipto a Portugal, foram vítimas da pilhagem das tropas napoleónicas, que levaram tudo o que encontraram de valor nas igrejas e nos palácios. 
O jornal La Dépêche du Midi que se publica em Toulouse, perguntava na sua edição de hoje se os franceses devem celebrar Napoleão. A resposta a estas questões não é simples. A interpretação do passado e dos seus protagonistas terá que ser decidida por cada comunidade concreta em função dos seus valores históricos e culturais, não podendo ser feita em função das circunstâncias e dos valores do presente, nem por cedência a minorias activas de qualquer sinal.

Mourinho muda-se de Londres para Roma

Não sei se José Mourinho se tornou treinador de futebol por vocação, por formação ou por acaso, mas parece-me que nele convergiram estas três situações. O facto é que começou a sua vida profissional como professor de Educação Física na Escola Básica 2/3 José Afonso em Alhos Vedros, depois tornou-se preparador físico no Estrela da Amadora e auxiliar técnico no Vitória de Setúbal, até que foi contratado pelo Sporting para trabalhar com Bobby Robson, primeiro como tradutor e, depois, como técnico auxiliar ou adjunto. Nunca mais parou e, depois de ter sido campeão europeu com o Futebol Clube do Porto, decidiu emigrar e treinou o Chelsea, o Inter de Milão, o Real Madrid, de novo o Chelsea, o Manchester United, o Tottenham e, a partir do próximo mês de Junho, a Associazione Sportiva Roma, S.p.A.. No seu currículo constam muitos títulos desportivos, incluindo duas Ligas dos Campeões, enquanto em Janeiro de 2011 foi eleito pela FIFA como o melhor treinador de futebol do mundo.
José Mourinho foi, provavelmente, o primeiro treinador de futebol português a ter um indiscutível sucesso no estrangeiro e, de parceria com Cristiano Ronaldo, são os nomes mais famosos do futebol português.
Há quem afirme que este novo desafio de Mourinho é um retrocesso na sua carreira. Não sei. Sei apenas que, desde que iniciou a sua carreira internacional, acumulou muitos milhões e que toda a imprensa italiana de hoje, tanto os jornais generalistas como os jornais desportivos, noticiam com euforia a sua ida para a Associazione Sportiva Roma. O jornal Il Tempo diz que é “um rei em Roma”, mas os jornais desportivos parecem ter entrado em delírio, porque Mourinho lhes inspira confiança e pode dar uma nova centralidade ao futebol italiano. Por aqui, vemos com satisfação como a sorte continua a proteger este setubalense de 58 anos de idade e espera-se que tenha sucesso desportivo, para além do seu habitual sucesso financeiro.

domingo, 2 de maio de 2021

Taiwan é o mais perigoso lugar do mundo

Na mais recente edição da revista The Economist o tema destacado é Taiwan e a imagem da capa coloca aquela ilha, que já se chamou Formosa, no centro de uma tela de radar, entre as bandeiras chinesa e americana, sugerindo que aquelas duas superpotências disputam o domínio da ilha.
Taiwan resultou da guerra civil chinesa que levou Mao Tse Tung ao poder e criou a República Popular da China em 1949. As forças derrotadas retiraram para a ilha de Taiwan e mantiveram a República da China sob a chefia de Chiang Kai-shek, significando que, a partir de então, tem havido duas Chinas.
Os Estados Unidos instalaram forças militares em Taiwan, no contexto da guerra da Coreia, daí resultando a pacificação entre as duas Chinas, que estão separadas apenas por 130 quilómetros do estreito de Taiwan ou estreito da Formosa. Durante décadas foi mantida a paz entre essas duas Chinas, mas também entre a China e os Estados Unidos. Porém, os líderes chineses sempre disseram que só há uma só China e que Taiwan e os seus 24 milhões de habitantes, são uma parte rebelde da República Popular da China. Aos Estados Unidos parece agradar a ideia de uma só China, até porque gastam demasiado dinheiro com a actual situação, mas durante setenta anos tudo fizeram para que houvesse duas Chinas. É uma grande ambiguidade da política americana e os Estados Unidos começam agora a temer que não consigam impedir a China de tomar Taiwan pela força. Phil Davidson, o almirante que chefia o Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos, esteve no Congresso há pouco mais de um mês e foi claro: a China poderá atacar Taiwan em 2027. 
De facto, hoje a Marinha do Exército de Libertação Popular da China tem 360 navios, o que já supera os 297 navios dos Estados Unidos, pelo que o estreito de Taiwan é considerado cada vez mais como o mais perigoso lugar do mundo.