quinta-feira, 31 de março de 2022

A guerra e a destabilização da economia

Os jornais espanhóis anunciam hoje que a inflação no país atingiu 9.8%, que é o valor mais alto desde 1985, enquanto foi anunciado que a inflação na Bélgica se situa nos 8.31% e na Alemanha nos 7.3%. Estes valores da inflação não se verificavam desde há cerca de quarenta anos e estão a alarmar as economias, os consumidores e as empresas europeias. No mês passado a taxa de inflação na Zona Euro já tinha acelerado para 5.8%, o que é um máximo histórico e um aviso do que poderá acontecer nos próximos tempos. A estabilidade dos preços, tal como o modelo social e outras conquistas civilizacionais que têm beneficiado os europeus e que nos acompanhavam desde há muitos anos, poderão estar em causa devido à actual aceleração da inflação.
De uma forma simples, a inflação define-se como a subida dos preços. O preço é o ponto de encontro entre a oferta e a procura: quando a oferta aumenta o preço baixa, mas quando a oferta baixa o preço sobe. É o que está a acontecer agora: há menos produção e há menos oferta, pelo que os preços aumentam.
O mundo tornou-se global, interdependente e muito competitivo, tal como os sistemas produtivos que procuram economias de escala e custos de produção mais baixos. As matérias-primas, os componentes, a energia ou as patentes de que as empresas carecem, chegam-lhe de muito diferentes origens. Quando acontece uma guerra como aquela que está a devassar o território ucraniano, há rupturas na logística, quebras na produção, o quadro económico destabiliza e alteram-se as expectativas das empresas e dos consumidores. A diminuição da produção gera a diminuição da oferta de bens e serviços e os preços sobem, arrastados sobretudo pelos custos da energia e da alimentação.
Por agora, é uma incógnita prever até onde poderá ir esta destabilização da economia e a forma mais ou menos severa como afectará Portugal.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Portugal no Catar com sonhos na bagagem

Goste-se ou não se goste de futebol, alinhe-se ou não na alienação que faz daquela arte uma fantochada, ou apreciem-se ou não as aberrantes discussões televisivas a respeito das futebolices, o facto é que a selecção nacional de futebol ganhou ontem à Macedónia do Norte e garantiu a sua presença nos Mundiais do Catar, que se realizarão a partir de 21 de Novembro. Foi uma alegria ver os dois golos do Bruno Fernandes! Foi uma alegria ver o Pepe e o Danilo como dois generais a comandar a defesa! Foi uma alegria ver o entusiasmo do público, cantando o hino nacional e agitando bandeiras!
Todos os povos precisam destas pequenas-grandes coisas para se animarem, para reforçarem a sua autoestima e até para darem mais sentido às suas vidas, para assim poderem ultrapassar as suas frustrações do presente ou as suas ansiedades quanto ao futuro. A ausência do Catar seria quase uma humilhação para a orgulho português, mas também para alguns outros povos que se vão rever naquela equipa.
Os jogadores estão de parabéns, tal como a estrutura organizativa que os apoia e o treinador da equipa, que é um homem de sorte, por dispor de um tão vasto leque de talentosos e experientes futebolistas. Foi ele quem declarou que “vamos atrás do sonho”, que hoje faz o título do jornal A Bola, a pensar que é possível fazer boa figura no Catar e, quem sabe, até chegar à vitória. De facto, o sonho comanda a vida, como escreveu António Gedeão no poema Pedra Filosofal, ou pelo sonho é que vamos como disse Sebastião da Gama. Esta curiosa ligação da arte do futebol à arte poética é realmente muito estimulante e até resgata o futebol de uma teia de duvidosos interesses e de gente pouco recomendada que dele vive.
Portanto, viva o futebol propriamente dito, mas só esse!

A grande aventura iniciou-se há 100 anos

No dia 30 de Março de 1922, os comandantes Gago Coutinho e Sacadura Cabral partiram do rio Tejo, em frente de Belém, no seu hidroavião monomotor Fairey F III-D Mk II de nome Lusitânia, para percorrerem mais de 4.500 milhas até ao Rio de Janeiro e fazerem pela primeira vez a travessia aérea do Atlântico Sul.
Hoje perfazem-se cem anos sobre esse acontecimento que foi bem-sucedido e foi realizado no contexto das comemorações do primeiro centenário da Independência do Brasil. Os portugueses e os brasileiros aclamaram vibrantemente, com entusiasmo e orgulho, os dois corajosos marinheiros-aviadores portugueses, como mostrou a imprensa da época.
A viagem só foi concluída no dia 17 de Junho porque, por razões técnicas e meteorológicas, houve necessidade de recorrer a três aparelhos, pois o primeiro perdeu-se durante a amaragem junto aos penedos de São Pedro e São Paulo e o segundo perdeu-se no mar entre aqueles penedos e o porto do Recife, tendo sido o terceiro aparelho – o hidroavião Santa Cruz – que concluiu a viagem. Para além do sucesso aeronáutico, o voo permitiu concluir que era possível realizar com precisão voos de grande distância, utilizando os mesmos métodos da navegação marítima, através da adaptação do sextante que foi idealizada por Gago Coutinho e que depois foi adoptado durante algumas décadas pela navegação aérea.
Embora a viagem tenha demorado setenta e nove dias, o tempo efectivo de voo foi apenas de sessenta e duas horas e vinte e seis minutos.
Esta efeméride vai ser devidamente evocada, estando divulgado o Programa das Comemorações da 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul (1922-2022), em que participam a Academia de Marinha, a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Portuguesa da História.
Entretanto, o hidroavião Santa Cruz resistiu ao tempo e está conservado no Museu de Marinha, constituindo uma bela página de História ao Vivo e, entre algumas evocações que vão sendo feitas na comunicação social, destaca-se e saúda-se a última edição da revista Visão História.

terça-feira, 29 de março de 2022

O cessar-fogo, a paz e o futuro da Ucrânia

Quando se começam a observar alguns sinais de que as partes em confronto no território ucraniano estão a revelar algum cansaço, começando a flexibilizar as suas posições de princípio e a encaminhar-se para um cessar-fogo – pelo menos é isso que parece aos observadores não especialistas, como é o nosso caso – a edição de ontem do jornal inglês The Guardian veio dizer que Putin quer dividir a Ucrânia em duas partes, tal como aconteceu com a Coreia depois da 2ª Guerra Mundial. Ao mostrar a bandeira ucraniana invertida, a imagem da capa dessa edição sugere mesmo a divisão do país, cujo território só é superado territorialmente na Europa pela Federação Russa.
Não se sabe se é uma boa solução, mas o facto é que tem sido seguida em vários conflitos recentes, uns armados (Coreia e Jugoslávia) e outros não armados (Checoslováquia).
No dia 9 de Março escrevemos aqui, na Rua dos Navegantes, um texto intitulado “Sim ao cessar-fogo e à paz na Ucrânia”, em que transcrevemos algumas passagens de um artigo publicado por Henry Kissinger na edição de 5 de Março de 2014 do The Washington Post intitulado “To settle the Ukraine crisis, start at the end”, que está disponível na internet.
Entre outras coisas importantes e oportunas, Kissinger escreveu que “devemos buscar a reconciliação, não a dominação de uma facção” e, também, que “com demasiada frequência, a questão ucraniana é apresentada como um confronto: se a Ucrânia se junta ao Oriente ou ao Ocidente”, acrescentando, “mas para que a Ucrânia sobreviva e prospere, não deve ser o posto avançado de nenhum dos lados contra o outro – deve funcionar como uma ponte entre eles”.
O presidente Joe Biden é uma das principais chaves para resolver o problema ucraniano, pois os líderes europeus deram-lhe demasiadas asas. Porém, ele bem pode ler o texto de Henry Kissinger, que foi o Prémio Nobel da Paz em 1973, ou se preferir, ir falar pessoalmente com ele, pois parece que, aos 98 anos de idade, conserva a lucidez suficiente para o aconselhar a “buscar a reconciliação” e a não atirar gasolina para a fogueira, como fez na Polónia.

segunda-feira, 28 de março de 2022

Ukraińcy, Polacy, jesteśmy z wami!

Quando a guerra na Ucrânia já decorre há mais de um mês e somos confrontados com uma batalha de contra-informação e de propaganda que nos deixa sem saber a verdadeira evolução bélica do conflito, o presidente dos Estados Unidos viajou para a Europa para discutir com os aliados europeus a invasão russa e os problemas que ela representa para a paz e para os equilíbrios mundiais. Durante a sua estada em Bruxelas, o presidente Joe Biden participou numa cimeira da NATO, mas também em reuniões com a União Europeia e com o G7. 
Encontraram-se todos e isso é positivo. Houve unanimidade dos membros da NATO com vista ao reforço da sua presença nas fronteiras da Ucrânia e em todos os países da Aliança, tendo sido reafirmado o compromisso de defesa mútua com base no artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte. Para além do reforço militar nas fronteiras da NATO, da condenação da iniciativa bélica de Putin e do anúncio de solidariedade para com o povo ucraniano, os Estados Unidos anunciaram o fornecimento de armamento à resistência ucraniana e o aumento de fornecimento de gás à Europa para reduzir a dependência da Rússia, isto é, fez dois bons negócios.
Depois de dois dias em Bruxelas, Joe Biden voou para a Polónia, certamente para imitar o discurso que John Kennedy pronunciou em Berlim em Junho de 1963, quando disse a famosa frase: “eu sou um berlinense!” Agora foi Joe Biden a querer ficar na História, pelo que foi a Varsóvia dizer “Ukraińcy, Polacy, jesteśmy z wami” (Ucranianos e polacos, estamos convosco). Esse foi o título escolhido pelo jornal Gazeta Wyborcza para acompanhar a fotografia de capa da sua edição do dia em que Joe Biden chegou à Polónia.
Essa visita tem apenas um significado simbólico e faz parte da sua propaganda interna, pois nada contribuiu para o apaziguamento entre os dois blocos, nem para que chegue o desejado cessar-fogo. Por isso, os europeus não alinharam neste número em que Biden foi lançar gasolina na fogueira, ao chamar “criminoso de guerra”, “ditador assassino” e “carniceiro” ao Vladimir, afirmando que “não pode continuar no poder”. Emmanuel Macron, que tanto tem procurado o entendimento entre as partes, não gostou nada do que ouviu e tratou de pôr água na fervura.
Muito gostam os americanos de dar tiros nos pés.

sexta-feira, 25 de março de 2022

Ucrânia: um mês de guerra e de tragédia

Desde há muito tempo que aqui tem sido expressa a vontade de que termine a guerra na Ucrânia, que não haja mais mortes nem mais destruições, que cesse o movimento de muitos milhares de refugiados e que a paz regresse à Ucrânia. É sabido que não haverá vencedores e que nenhuma das partes vai aceitar a derrota, mas o cessar-fogo e a paz só serão possíveis se ambos fizerem cedências, sem perder a face perante os seus povos e o mundo.
Desde o dia 24 de Fevereiro que Putin é o agressor e que Zelensky é o agredido, mas o que se deseja agora é que cesse imediatamente a tragédia que está a destruir a Ucrânia. Depois, na mesa das negociações, haverá uma extensa agenda de acusações e de exigências, em que entra a história e a economia, a geopolítica e as relações internacionais e, de uma forma mais geral, uma nova arquitectura para o futuro do mundo, pois nada vai ser como antes. O que está a acontecer na Ucrânia é apenas a ponta do iceberg da instabilidade mundial, que tem estado adormecida desde o fim da Guerra Fria, da implosão do império soviético e da queda do muro de Berlim.
Aparentemente nada correu bem a Putin, não só no plano militar, mas sobretudo na reacção internacional que provocou na Europa e nos Estados Unidos, que se uniram perante a ameaça comum. Embora a guerra da informação não esteja necessariamente alinhada com a verdade, ao fim de um mês de operações em território ucraniano, parece que os russos encontraram inesperadas dificuldades e que, segundo hoje destaca o jornal Libération, a Ucrânia passou de uma fase defensiva e de resistência para uma fase ofensiva.
Porém, talvez se possa pensar que se trata de movimentações tácticas para ganhar posições no tabuleiro das negociações que se seguirão ao ansiado cessar-fogo, pois prosseguem as discretas negociações entre as partes, para além de de que há diversas diplomacias envolvidas nesse processo. No entanto, é preciso que ambas as partes apareçam como vencedoras e sem a carga de uma humilhante derrota.

quinta-feira, 24 de março de 2022

O louco entusiasmo turco pelo futebol

Esta noite realiza-se um jogo de futebol entre as selecções de Portugal e da Turquia, em que ambas as equipas procuram arranjar um lugar no grupo de 32 selecções que vão competir no Campeonato Mundial de Futebol da FIFA, que se vai realizar no Qatar entre os dias 21 de Novembro e 18 de Dezembro.
Contrariamente ao que é habitual, a comunicação social portuguesa tem colocado o futebol em plano secundário por andar envolvida com acontecimentos bem mais importantes para a nossa sociedade e, por isso, poucas têm sido as referências ao jogo com os turcos, aos jogadores e ao noticiário futebolístico que serve para mobilizar e excitar a chamada tribo do futebol.
Porém, na consulta que fizemos à imprensa turca e com a ajuda do amigo google, verificamos que as coisas por lá não se passam da mesma maneira. O entusiasmo pelo futebol é enorme e a hipótese da selecção turca estar no Qatar está na ordem do dia, havendo um jornal chamado Foto, que não só anuncia que hoje a Turquia tem um jogo histórico, como destaca que não são necessárias tácticas, porque o que é preciso é vencer. As imagens que ilustram a primeira página são demonstrativas do entusiasmo ou até do fanatismo com que os turcos encaram este jogo.
Acontece que a Turquia ocupa cerca de metade da orla meridional do mar Negro e está apenas a cerca de quatrocentos quilómetros da península da Crimeia e, por isso, é com surpresa que se vê a imprensa a colocar o calor futebolístico turco acima das preocupações sobre o que se está a passar do outro lado do mar Negro. 
Agora, vou ver o jogo porque preciso de me distrair e, naturalmente, espero que a vitória fique por cá, porque também precisamos de alguma coisa que nos anime.

Os 50 anos do 25 de Abril e da liberdade

Ontem completaram-se 17.500 dias de vida do regime democrático português nascido em 25 de Abril de 1974, que acabou com a ditadura imposta ao povo português desde 28 de Maio de 1926, que também durara exactamente 17.500 dias. Hoje, a democracia portuguesa ultrapassa o tempo de duração da ditadura e é caso para dizer que atingiu a sua maioridade. Disse Winston Churchill que “a democracia é a pior forma de governo, com excepção de todas as demais”. É uma bela frase que traduz uma verdade, como sabem aqueles que em Portugal conheceram e podem comparar o que foram o outro regime e o que é este que temos.
Porém, a celebração do 25 de Abril não pode ser apenas a evocação de uma data histórica e libertadora, mas deverá ser um ponto de partida para que possamos construir uma sociedade melhor, mais informada, mais culta, mais sadia, mais justa e mais solidária. Essa é a mensagem do 25 de Abril que havemos de preservar.
Ontem, no Pátio da Galé em Lisboa, começaram as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril com uma cerimónia solene e institucional, que teve a presença das mais altas figuras do Estado e que teve transmissão televisiva em directo em que, para além dos discursos circunstanciais, houve uma vertente cultural com espaço para a poesia e para a música. A presença do histórico Bula, o carro de combate ou chaimite que recolheu Marcelo Caetano no quartel do Carmo na tarde do 25 de Abril, tal como os cravos vermelhos em algumas lapelas, foram os sinais mais simbólicos dessa madrugada libertadora de há quase cinquenta anos. Incluída na cerimónia que foi simples e cheia de dignidade, foi encerrada uma cápsula do tempo, contendo um conjunto de objectos e de materiais, para ser aberta apenas em 2074.
A imprensa não deu qualquer importância àquela cerimónia, mostrando-se mais interessada no anúncio do XXIII Governo Constitucional, na evolução da guerra na Ucrânia e no jogo de futebol desta noite entre Portugal e a Turquia.
A revista Visão foi a excepção que se saúda e destacou-se na evocação dos 17.500 dias de liberdade que nos trouxe o 25 de Abril de 1974. Na capa da sua edição de hoje, aquela revista homenageia Salgueiro Maia, o capitão que a História consagrou como o símbolo maior desse dia libertador.

terça-feira, 22 de março de 2022

Os amigos de Putin e as eleições francesas

A edição de hoje do diário francês L’Humanité, um jornal que tem 117 anos de idade e que até 1994 foi o órgão oficial do Partido Comunista Francês, exibe na sua capa uma fotografia em que Vladimir Putin cumprimenta Marine Le Pen, mostrando a palavra “fascínio” como título dessa imagem. Depois, em sub-título, o jornal acrescenta que “seduzidos pelo autoritarismo do chefe do Kremlin, Marine Le Pen e Éric Zemmour reforçaram os laços políticos, ideológicos e financeiros com o regime russo”, isto é, a extrema-direita está fascinada com Putin.
Entretanto, as eleições presidenciais francesas vão realizar-se nos próximos dias 10 e 24 de Abril e as últimas sondagens indicam as seguintes intenções de voto: Emmanuel Macron (27.5%), Marine Le Pen (20%), Jean-Luc Mélenchon (15%), Valérie Pécresse (10%) e Éric Zemmour (10%). As mesmas sondagens indicam que Macron será o vencedor na segunda volta, qualquer que seja o seu adversário.
Porém, com a invasão russa da Ucrânia, tanto Marine Le Pen como Éric Zemmour, ambos candidatos de extrema-direita, estão a enfrentar dificuldades devido às suas “positions pro-Russes”, pelo que vêm conduzindo uma “opération volte-face”. Já o candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon que admirava a política de Putin, foi o primeiro a desligar-se das posições de Moscovo, logo que começou a invasão da Ucrânia.
O tema da invasão russa da Ucrânia tem animado a campanha eleitoral francesa e, segundo o jornalista Benjamin Konig, a extrema-direita francesa e uma parte da direita estão profundamente ligadas ao “régime poutinien”. Poucos imaginariam isso.
Naturalmente, a actual crise na Ucrânia está bem presente na campanha eleitoral francesa e muitos candidatos têm apelado à retirada das tropas russas, mas também à não-intervenção da NATO, dos Estados Unidos e da União Europeia.

segunda-feira, 21 de março de 2022

O Saara Ocidental, a Polisário e Marrocos

O Saara Ocidental é um território litoral atlântico situado a sul de Marrocos, a norte da Mauritânia, limitado a ocidente pelo oceano Atlântico e a oriente pela Argélia e pela Mauritânia. É uma região desértica com cerca de 260 mil quilómetros quadrados de extensão e com cerca de seiscentos mil habitantes, mas que é rica em recursos naturais, principalmente fosfatos e pescas. 
Até 1975 foi uma colónia espanhola, tendo sido então iniciada a descolonização do seu território nos termos preconizados pelas Nações Unidas. O Acordo de Madrid assinado pela Espanha, Marrocos e Mauritânia, estipulava uma administração tripartida do território e em 1976 a Espanha abandonou o território. De imediato, a Frente Polisario (Frente Popular de Liberación de Saguia el Hamra y Rio de Oro), que já lutara contra o regime colonial espanhol, declarou a independência da República Árabe Saaraui Democrática. O Reino de Marrocos reagiu e ocupou militarmente uma grande parte do território e construiu um muro com mais de 2.740 quilómetros de extensão para isolar os separatistas saarauis, enquanto a Mauritânia se retirou do território. A partir de então e com o apoio da Argélia, a Frente Polisário iniciou uma guerra contra Marrocos e, apesar da desproporção de forças, conseguiu manter a sua luta até 1991, quando foi conseguido um cessar-fogo. Durante anos o processo de paz não vingou porque a presença militar marroquina se reforçou, o que originou muitas manifestações civis do povo saaraui que foram reprimidas com violência. A Espanha, enquanto potência administrante, sempre exigiu um referendo para que o povo saaraui escolhesse o seu destino, ao que Marrocos sempre se opôs, pelo que havia uma persistente tensão entre os governos espanhol e marroquino.
Agora, inesperadamente, o governo espanhol mudou de posição e parece aceitar que o Saara Ocidental venha a fazer parte do Reino de Marrocos, ao acolher uma proposta de autonomia apresentada pelos marroquinos, como ponto de partida para a resolução do conflito. Esta posição espanhola que não está de acordo com as orientações das Nações Unidas, foi criticada pela Argélia e pela China, mas também pela oposição espanhola que considera esta posição uma “traição histórica” ao povo saaraui. O jornal El Mundo que se publica em Madrid, diz mesmo que Sánchez "entrega el Sáhara 46 años después".

sábado, 19 de março de 2022

Marcelo em visita oficial a Moçambique

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa está em visita oficial a Moçambique, o país que ele tem referido em diversas ocasiões como a sua segunda pátria. É muito positivo que os presidentes dos países amigos se encontrem, que partilhem informações e que reforcem laços de solidariedade, sobretudo quando estão a passar por situações difíceis, como acontece com Moçambique, devido à insurgência armada de natureza terrorista que afecta o distrito de Cabo Delgado que já provocou mais de três mil mortes e mais de oitocentos mil deslocados, mas também devido aos efeitos catastróficos provocados por fenómenos meteorológicos, designadamente depressões tropicais e cheias devastadoras. 
Quando um país passa por essas situações, a visita de um presidente amigo, cosmopolita e popular é, certamente, muito estimulante e muito apreciada pelas autoridades locais. A imprensa local, nomeadamente o jornal O País, destacou a visita como um grande acontecimento político.
O presidente Marcelo tem boas memórias da terra, pois o seu pai foi o governador-geral de Moçambique entre 1968 e 1970. Por isso, quando ontem esteve no palácio presidencial da Ponta Vermelha, que foi a sua residência quando o pai foi governador, declarou: “Sinto-me em Moçambique como se estivesse em casa. É a minha segunda pátria. E aqui, literalmente, neste palácio como se estivesse em casa”. Portanto, Marcelo foi um privilegiado pois viveu num palácio e não teve que andar durante dois anos de camuflado e G3 pelo Niassa e Cabo Delgado, então chamados os estados de Minas Gerais.
O presidente Marcelo fez-se acompanhar por uma comitiva cuja dimensão desconhecemos, mas que incluía muitos jornalistas, exactamente como o comentador Marcelo gosta, para encher os nossos noticiários televisivos com a sua imagem e os seus palpites sobre tudo e mais alguma coisa, incluindo assuntos que são da competência do Governo.  Como diria o famoso Diácono Remédios, não havia necessidade...

quinta-feira, 17 de março de 2022

A Ucrânia e os negócios do armamento

A Crimeia é uma península situada na orla setentrional do mar Negro e uma república autónoma da Ucrânia, mas foi invadida e anexada pela Rússia em 2014, na sequência do movimento conhecido por Euromaidan, que destituiu o presidente Yanukovych. Nessa altura, o conflito entre russos e ucranianos, ou entre a ligação à Rússia ou à União Europeia, acentuou-se e a Rússia decidiu ocupar a Crimeia. Essa invasão foi condenada pela comunidade internacional, especialmente pelos países europeus, mas a Rússia argumentou com os fortes laços históricos e culturais que mantinha com a Crimeia e com os resultados de um referendo. Porém, os Estados Unidos e a União Europeia consideraram esse referendo ilegítimo e, em Julho de 2014, anunciaram um pacote de sanções contra a Rússia em que se incluía o embargo de armamento, que proibia “a venda, fornecimento, transferência ou exportação directa ou indirecta de armas e material conexo”.
Passaram-se oito anos e a Rússia invadiu o território da Ucrânia, dando origem a uma guerra de grande violência, com muita destruição, muitos refugiados e muita apreensão. Numa altura em que é unânime a condenação da Rússia e em que se procura o cessar-fogo e a paz, a notícia de que um terço dos estados-membros da União Europeia exportou armamento para a Rússia, violando o embargo decretado em 2014, é muito chocante e revela a hipocrisia que domina as relações internacionais. A informação foi hoje divulgada pelo jornal Público, com base nas revelações do consórcio Investigate Europe e indica que mísseis, foguetes, torpedos, bombas e cargas explosivas, mas também “equipamento de imagem, aviões com os seus componentes e drones” foram fornecidos à Rússia e que, segundo o jornal, poderão estar a ser usados na Ucrânia.
A França foi o país que mais exportou para a Rússia, utilizando uma lacuna na legislação que proíbe a venda de equipamento militar àquele país, seguindo-se a Alemanha, Itália, Áustria, Bulgária, República Checa, Croácia, Finlândia, Eslováquia e Espanha. 
Haverá hipocrisia maior do que esta?

terça-feira, 15 de março de 2022

A Ucrânia, as balas e a comunicação

Na guerra que está a devastar a Ucrânia há todos os pontos de vista que nos chegam diariamente através de notícias e de comentários, com argumentos a favor ou contra cada uma das partes, uns mais moderados e outros mais radicais.
Hoje o jornal El País e alguns outros jornais, publicaram uma curiosa fotografia, captada durante a emissão do principal noticiário nocturno da televisão russa, intitulado Vremya, que é transmitido no Piervy Kanal. Enquanto a jornalista lia as notícias em directo, uma pessoa colocou-se atrás dela com um cartaz onde se lia, em russo e em inglês, “não à guerra”, “parem a guerra”, “não acredites na propaganda” e “russos contra a guerra”. Significa que, mesmo na Rússia, não há unanimidade quanto à guerra, como mostrou a mensagem exibida em directo na televisão russa. Aquela imagem tem o efeito de uma bala.
A comunicação mostra-se uma arma tão decisiva como os aviões, a artilharia ou os mísseis e, nessa medida, ocorre-nos uma famosa teoria sociológica ou modelo de comunicação que vingou sobretudo no período entre as duas guerras mundiais e que teve no sociólogo americano Harold Lasswell um dos seus principais teorizadores. Chamou-se a teoria hipodérmica ou a teoria das balas mágicas, porque no processo de comunicação compara a mensagem à injecção de uma seringa que afecta todo o corpo humano, ou a uma bala que atinge cada pessoa e a massa de público, produzindo poderosos efeitos políticos, sociais e culturais. Assim, através da propaganda, da publicidade e de outras técnicas, mais ou menos assumidas, a comunicação de massa tem características manipuladoras junto do público. Embora a teoria tenha sido criticada durante muitos anos, o facto é que veio a ter sucesso por considerar semelhantes os efeitos das mensagens e das balas.
Hoje, provavelmente, os mesmos académicos que criticaram a teoria de Lasswell poderão estar a rever as suas críticas.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Clausewitz e a gasolina sobre a fogueira

Ontem o jornal The New York Times escolheu para título da sua primeira página a frase “U.S. will send more arms, defying Moscow” e, na sua edição de hoje, o mesmo jornal escolheu o título “Moscow hits military base near Poland”. Estes dois títulos mostram como a situação na Ucrânia é complexa. Num dia é dito que “os americanos vão mandar mais armas para a Ucrânia, desafiando Moscovo” e, no dia seguinte, é dito que “Moscovo atinge uma base militar ucraniana perto da fronteira polaca”.
A base militar atacada pela Rússia está localizada em Yavoriv, a cerca de vinte quilómetros da fronteira polaca e, segundo o noticiário internacional, servia de campo de treino das forças ucranianas e de voluntários estrangeiros, sob a supervisão de instrutores estrangeiros, sobretudo americanos e canadianos, bem como ponto de recolha da ajuda militar disponibilizada por vários países à Ucrânia. 
É um caso evidente da lei de talião, ou de “olho por olho, dente por dente”, que mostra que o verdadeiro combate não é entre russos e ucranianos e que, portanto, uns e outros, estão a ser vítimas das lutas pela hegemonia mundial.
De imediato, alguma imprensa internacional tratou de atirar mais gasolina para a fogueira, trazendo a NATO “para o barulho” e escrevendo títulos como “war reaches Nato border” (The Times), “Russia strikes near Poland border” (The Wall Street Journal) ou “Putin bordea el territorio Otan” (El País).
Karl von Clausewitz, um general prussiano que participou nas guerras napoleónicas e que também foi um grande pensador, escreveu há quase duzentos anos que “a guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios”. A guerra desencadeada no dia 24 de Fevereiro com a invasão russa da Ucrânia, confirma a tese de Clausewitz. Há que parar com a guerra e reconduzir o conflito bélico ao seu patamar político.

domingo, 13 de março de 2022

A intervenção do Papa pode trazer a paz

A famosa revista The New Yorker que se dedica sobretudo à cobertura da vida cultural da cidade de Nova Iorque, vulgarmente conhecida como a Big Apple, tem uma circulação semanal superior a um milhão de exemplares e tem leitores não só na grande metrópole dos Estados Unidos, mas também em todo o território americano. O seu conteúdo consta de críticas, ensaios, reportagens de investigação e, por vezes, textos de ficção. A sua característica urbana e cosmopolita, bem como os seus comentários sobre a vida da cidade, a cultura popular e as suas práticas, associados ao seu humor inteligente e perspicaz, conferem a esta revista uma enorme reputação, quer entre o público, quer entre a comunicação social americana.
Na sua mais recente edição, a revista publica uma gravura de homenagem à Ucrânia e ao seu líder Volodymyr Zelensky e inclui um artigo intitulado “O Papa, os Patriarcas e a batalha para salvar a Ucrânia”, assinado por Paul Elie, no qual faz uma pergunta: outros Papas conseguiram temperar tiranos; Francisco pode fazer alguma coisa sobre Vladimir Putin?
O longo texto aborda o tradicional papel dos Papas na mediação dos conflitos e refere o encontro do Papa Francisco, o líder da Igreja Católica Apostólica Romana, com Kirill, o Patriarca do Cristianismo Ortodoxo Russo, que aconteceu em Havana em 2016 e que foi o primeiro entre os líderes das duas Igrejas, desde o Cisma de 1054. Assinaram então uma declaração conjunta e prometeram esforços no sentido da reconciliação das duas Igrejas. Francisco e Kirill estenderam as mãos e a esperança era grande.
Porém, seis anos depois, os apelos do Papa e a declaração conjunta de 2016 estão mortos. O patriarca Kirill já elogiou a invasão russa, enquanto o Papa Francisco tem condenado a guerra em termos gerais, sem nomear a Rússia de Putin como agressora. Porém, a diplomacia religiosa funcionou durante a 2ª Guerra Mundial com Pio XII, esteve activa na crise de Cuba de 1962, na crise polaca de 1980 no apoio ao sindicato Solidariedade e em muitas outras ocasiões. 
Francisco e a Igreja Católica têm autoridade moral e devem usá-la. É o que diz Paul Elie.

A Ucrânia já vai no 18º dia de guerra

A guerra continua a devastar a Ucrânia, apesar de já ter havido alguns encontros entre ucranianos e russos para negociar um cessar-fogo que trave a tragédia humana, a violência e a destruição de um país. Como pontos de bloqueio às negociações parecem estar as condições impostas por cada uma das partes, pois os russos exigem que a Ucrânia se renda e os ucranianos exigem que a Rússia se retire do seu território. Uma negociação exige que cada uma das partes faça cedências e, nem uns nem outros, parecem dispostos a fazê-las, enquanto no terreno tudo se parece agravar.
Os diversos mediadores que mantêm canais de comunicação, tanto com Putin como com Zelensky, têm encontrado posições irredutíveis das partes e não há sinais de que se alterem nos próximos dias. Nenhuma das partes quer perder a face e aceitar um recuo ou uma derrota. Putin continua a ameaçar a Ucrânia com mais guerra, enquanto Zelensky se afirma preparado para resistir e vencer.
Entretanto, já ambos perderam, tal como a nossa Europa que vem assistindo a uma situação que não se imaginava e que está a mostrar que as suas lideranças não estão à altura do momento histórico que atravessamos. Onde deixaram isto chegar! Na sua última edição a revista Der Spiegel mostra a imagem de Putin envolvido em armas e escreve que “ele pode voltar”, numa insinuação às circunstâncias que levaram à tragédia que envolveu a Europa há oitenta anos. Seria uma catástrofe inimaginável.
Por isso, é preciso dizer não à guerra. É a altura de apoiar os refugiados ucranianos, mas não é a altura para avaliar quem são os bons e quem são os maus desta guerra, ou quem mais usa a mentira, ou quem mais se excede. Todas as guerras são feitas de excessos, como sabem os que nelas andaram metidos. Por isso, é necessário incentivar as partes a entenderem-se, muito depressa, para encontrar saídas que não sejam humilhantes para ninguém. É que já vão no 18º dia de guerra e o sofrimento já não tem medida.

sexta-feira, 11 de março de 2022

A detecção do 'Endurance' 107 anos depois

Quando a generalidade da imprensa internacional trata da guerra na Ucrânia e de todos os problemas humanitários e militares que ela suscita, há um jornal internacional que escolhe um tema de capa bem diferente. Trata-se do jornal suíço Le Temps, que desde 1998 se publica na cidade de Genève e que é um diário francófono, generalista e de cobertura nacional. Na sua edição de hoje optou por contar a história de um veleiro de três mastros chamado Endurance e de Ernest Shackleton, em vez de repetir as notícias, verdadeiras ou não, que nos chegam da Ucrânia a um ritmo tão repetitivo quanto a publicidade comercial, parecendo querer afastar-se de toda a manipulação noticiosa que está a contaminar a verdade. Para a capa do jornal foi escolhida uma das famosas fotografias do Endurance, captadas em 1916 por Frank Hurley, o fotógrafo da expedição.
Ernest Shackleton foi um explorador britânico que, depois de ter participado em três expedições à Antártida, organizou a Expedição Transantártica Imperial que pretendia atravessar a Antártida, passando pelo Polo Sul. A sua equipa embarcou no Endurance e largou das águas britânicas em Agosto de 1914, mas no dia 19 de Janeiro de 1915 ficou preso num banco de gelo no mar de Weddell. Depois de muitos meses e de muitas peripécias, o navio cedeu à pressão do gelo e o seu casco de madeira foi esmagado, afundando-se nas águas austrais geladas no dia 21 de Novembro de 1915. Dispondo apenas de uma pequena embarcação salva-vidas, Ernest Shackleton decidiu procurar auxílio na estação baleeira da Geórgia do Sul, situada a quase dois mil quilómetros de distância. Foi uma aventura bem-sucedida porque, apesar de todas as dificuldades, Shackleton conseguiu que todos os seus 28 companheiros fossem salvos.
Cento e sete anos depois, o Endurance foi localizado e fotografado a dez mil pés de profundidade no mar de Weddell por uma equipa científica patrocinada pelo Falklands Maritime Heritage Trust, que saiu da Cidade do Cabo a bordo de um navio quebra-gelos. As fotografias obtidas mostram que o navio está muito bem preservado e que até o seu nome podia ser visto estampado na popa, o que deu origem à afirmação de que “a preservação está para além da imaginação”
Uma bela história em tempo de guerra.

Macau evoca Camões e ‘Os Lusíadas’

A propósito da celebração dos 450 anos da publicação d’Os Lusíadas, decorre amanhã um congresso internacional em que participam especialistas de várias partes do mundo, incluindo o território de Macau, como se pode observar na notícia da primeira página da edição de hoje do jornal Tribuna de Macau, que publica a fotografia do busto de Camões que se encontra na chamada gruta de Camões, existente no Jardim Luís de Camões em Macau.
Este jardim é um dos mais aprazíveis locais da cidade, com um luxuriante verde orlado de frondoso arvoredo e carreiros sinuosos, havendo formações rochosas e algumas peças escultóricas disseminadas pelo seu espaço. Numa das formações rochosas a que uma escadaria dá acesso, encontra-se a gruta de Camões, um importante elemento da memória e da cultura macaense de raiz portuguesa. Porém, a relação do poeta com Macau é um assunto com mais dúvidas do que certezas, porque não se conhecem documentos que esclareçam a verdade histórica, daí resultando muita imaginação e muita especulação, embora ao longo dos anos tenha prevalecido a ideia de que Camões terá vivido em Macau e terá escrito uma parte da sua obra exactamente nesta gruta.
Neste congresso haverá um discurso do sultão Hidayatullah Sjah, o rei de Ternate (que no século XVI foi a “capital portuguesa” das Molucas), estando asseguradas comunicações por académicos indonésios, macaenses, iranianos, turcos, goeses e especialistas de outras origens, que reconhecem na expansão marítima portuguesa um movimento pioneiro na globalização e no encontro de culturas. 
O que é realmente curioso é o facto de um jornal macaense escolher a fotografia do busto de Camões para ilustrar a primeira página da sua edição.

quinta-feira, 10 de março de 2022

A conflitualidade na Europa das pátrias

A Europa é uma realidade cultural muito heterogénea e daí que, muitas vezes, seja usada a expressão “Europa das pátrias” para a caracterizar. A unidade europeia existe na geografia mas só avançou no plano político depois da 2ª Guerra Mundial, embora subsistam enormes diferenças culturais que resistem aos efeitos sociológicos e económicos da mundialização cultural.
Nesse sentido, o conflito da Ucrânia no qual estão concentradas todas as atenções, tende a fazer esquecer outros sinais de instabilidade associados aos nacionalismos que, embora de outra escala e adormecidos ou não, estão presentes no panorama político europeu. É o caso da Córsega, a ilha francesa do Mediterrâneo que tem cerca de 340 mil habitantes e onde existe uma significativa corrente nacionalista e independentista, que em tempos se agrupava na FLNC (Fronte di Liberazione Naziunale Corsu). Um dos seus líderes chama-se Yvan Colonna, tem 61 anos de idade e está condenado a prisão perpétua por homicídio de um autarca corso em 1998.
Há dias, na prisão de Arles, no sul de França, Colonna foi atacado e gravemente ferido por um companheiro de prisão, encontrando-se em coma. Surgiram protestos violentos em que as autoridades francesas foram acusadas de não terem dado resposta ao pedido de Colonna para ser transferido para uma prisão corsa. Na cidade de Ajaccio, a capital, os manifestantes atacaram a Polícia e o Palácio da Justiça com pedras e bombas incendiárias, enquanto em Bastia e Calvi foram utilizados cocktails Molotov e houve mais de duas dezenas de polícias feridos.
Na sua edição de hoje, o jornal corse matin refere a escalada das manifestações e dos motins que explodem por toda a ilha e escreve que os separatistas corsos que lutaram pela independência durante décadas, estão de novo nas ruas, depois do seu principal movimento (FNLC) ter deposto as armas em 2014.
Para além das preocupações com a Ucrânia que dizem respeito a todos, os franceses ainda têm estes problemas adicionais.

quarta-feira, 9 de março de 2022

Sim ao cessar-fogo e à paz na Ucrânia!!!

A edição de ontem do jornal espanhol elEconomista.es inclui na sua primeira página um mapa da Ucrânia, em que a parte ocidental está colorida com as cores nacionais azul e amarelo, enquanto a parte oriental apresenta dois tons de castanho que parecem ser as cores das repúblicas rebeldes. Aparentemente a linha que separa as duas partes é o rio Dnieper e a legenda que acompanha o mapa refere que “Putin quiere partir Ucrania por el eje entre Kiev y Odesa”. O mapa sugere várias coisas aos não especialistas em geopolítica, como a partilha da Alemanha em 1945 ou a divisão da Checoslováquia em 1993. 
Quando a guerra na Ucrânia já vai no seu 13º dia, pouco sabemos sobre o que realmente se passa em termos operacionais e das perdas e ganhos de cada uma das partes, embora saibamos que há mais de dois milhões de refugiados e uma enorme destruição que está a ser provocada nas cidades. Todos já perceberam, tanto nos teatros da guerra como fora deles, que não haverá vencedores. Todos já perceberam que há muitos ucranianos que culturalmente querem ligar-se à Europa e muitos outros que querem ligar-se à Rússia. Todos já percebemos que as principais cidades estão a ser destruídas. O sofrimento do povo e a tragédia são indescritíveis. O cessar-fogo é absolutamente necessário, mas a paz e a concórdia entre os ucranianos não parece ser possível durante muitos anos.
Nessas condições tem muito interesse um artigo escrito em 2014 pelo antigo secretário de Estado americano Henry Kissinger no jornal The Washington Post com o título “To settle the Ukraine crisis, start at the end” (edição de 5 de março de 2014).
Desse artigo destaco as seguintes passagens:

- Com demasiada frequência, a questão ucraniana é apresentada como um confronto: se a Ucrânia se junta ao Oriente ou ao Ocidente. Mas para que a Ucrânia sobreviva e prospere, não deve ser o posto avançado de nenhum dos lados contra o outro – deve funcionar como uma ponte entre eles.

- O oeste é em grande parte católico; o leste em grande parte ortodoxo russo. O oeste fala ucraniano; o leste fala principalmente russo. Qualquer tentativa de uma ala da Ucrânia de dominar a outra – como tem sido o padrão – levaria eventualmente à guerra civil ou à ruptura

- Devemos buscar a reconciliação, não a dominação de uma facção.

- Internacionalmente, devem seguir uma postura comparável à da Finlândia. Essa nação não deixa dúvidas sobre sua feroz independência e coopera com o Ocidente na maioria dos campos, mas evita cuidadosamente a hostilidade institucional em relação à Rússia.

Kissinger dixit. Há muita gente a procurar o cessar-fogo e a paz: turcos, chineses e israelitas, bem como algumas personalidades internacionais com Macron na primeira fila. Talvez lhes seja útil lerem o texto de Kissinger que está disponível na internet.

domingo, 6 de março de 2022

Volodymyr Zelensky novo herói mundial

A invasão russa do território ucraniano iniciou-se na madrugada do dia 24 de Fevereiro e, portanto, vai no seu décimo primeiro dia de guerra e de resistência, de combates, de bombardeamentos e de destruições, enquanto mais de um milhão de refugiados já atravessou as fronteiras. É uma enorme catástrofe que ninguém imaginava e não há diferendos ou razões, nem provocações ou ameaças, que justifiquem esta tragédia.
No dia 2 de Março, a Assembleia Geral das Nações Unidas condenou a invasão russa com 141 votos a favor, cinco votos contra e 35 abstenções, mas as partes não deram ouvidos aos apelos da comunidade internacional e, no terreno, continuaram os combates e as destruições. Aparentemente, as partes não dão sinais de moderação, com os russos a continuar os seus ataques para ganhar posições e com os ucranianos a resistir na defesa da sua terra, apesar da desproporção de forças. É uma dura prova para todos, tanto para os que combatem, como para os que abandonam as suas cidades, como para aqueles que assistem à derrocada das suas casas.
Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, tem sido o rosto da resistência e da coragem ucranianas, aparecendo na primeira linha de defesa do seu país. Muitas publicações internacionais destacam a sua corajosa liderança, como sucede na última edição da revista brasileira IstoÉ, que publica a sua fotografia e a frase “o novo herói mundial”. Num conflito que é muito complexo e que nasceu de erros e provocações acumuladas pelas duas partes, o presidente Volodymyr Zelensky é um exemplo de coragem que está a impressionar o mundo.

sábado, 5 de março de 2022

A Europa recebe os refugiados ucranianos

Sabe-se pouco sobre a evolução operacional da guerra da Ucrânia, porque as informações que vamos recebendo são muito contraditórias, embora pareça que nenhuma das partes esteja a registar sucessos suficientes que lhes garantam posições mais favoráveis na mesa de negociações. Do que não há dúvidas é da enorme destruição que está a tomar conta das cidades ucranianas, da ameaça do conflito se estender para além do território ucraniano e das multidões de refugiados que estão a chegar à Polónia, à Hungria, à Moldova, à Eslováquia e à Roménia, mas também à Rússia e à Bielorrússia.
Segundo revelou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), apenas numa semana de guerra registou-se um milhão de refugiados, havendo muitos deles que já deixaram os países de acolhimento e seguiram para outros destinos, incluindo Portugal.
A mais recente edição da revista americana Newsweek dedica a sua primeira página aos refugiados e informa que as previsões apontam para que o seu número possa chegar aos quatro milhões, sobretudo se o cessar-fogo tardar e os combates prosseguirem.
Porém, a tragédia dos refugiados também tem uma expressão interna, porque uma parte da população abandona as zonas de combate para fugir aos bombardeamentos e procura refúgio em zonas mais isoladas do país.
Não restam dúvidas de que com tantos refugiados e com tanta destruição, o cessar-fogo tem que ser conquistado rapidamente, mas não sei se aqueles que podem influenciar os caminhos da paz estão a fazer tudo o que deviam, isto é, não sei se o exemplo do Papa Francisco, que visitou a embaixada russa no Vaticano para “expressar a sua preocupação com a guerra”, tem quem siga o seu exemplo. A Europa que deveria ser a mediadora deste conflito, preferiu outro caminho.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Há demasiados ‘outdoors’ a poluir Lisboa

Lisboa goza da fama de ser uma bonita cidade, mas não é só fama, pois é realmente uma bela cidade. Porém, é preciso que os burocratas não estraguem o trabalho que tem sido feito por muitos profissionais para a preservar, embelezar e modernizar.
Na praça Marquês de Pombal, uma das áreas mais movimentadas da cidade, foi colocado um significativo número de painéis publicitários, habitualmente conhecidos por outdoors, que foram instalados em volta da praça e que são muito inestéticos, o que dá um ar suburbano à cidade. É lamentável que a Câmara Municipal tenha autorizado essa instalação e tenha cedido a esse tipo de interesses comerciais, apenas para arrecadar uma receita suplementar para os seus cofres. Os serviços distraíram-se ou fizeram-se distraídos. O novo presidente, Carlos Moedas, ainda não deve ter visto este verdadeiro atentado à harmonia urbana, que parece estar a tomar conta de algumas zonas nobres da cidade e chegou agora ao coração da cidade.
Houve quem reagisse e não perdesse tempo e que, exactamente num desses painéis, escrevesse a frase Take this shit off. We want trees! 
Uma frase muito oportuna, que os lisboetas certamente aplaudem.
Espera-se que Carlos Moedas veja esta mensagem e mande rapidamente retirar os outdoors da praça Marquês de Pombal e de outras zonas nobres da cidade.

quinta-feira, 3 de março de 2022

Quando a fotografia serve a propaganda

A resistência ucraniana está a surpreender o mundo e as notícias que vamos recebendo indicam que têm sido distribuídas armas à população, que foram organizadas forças de voluntários civis, que estão a ser preparados obstáculos para impedir a progressão de viaturas blindadas e que, em várias cidades, os civis estão a ser ensinados a fazer e a lançar cocktails molotov.
Por isso, tem um significado muito simbólico a fotografia hoje publicada pelo jornal croata Večernji list e pelo jornal italiano La Repubblica, na qual um combatente civil lança um cocktail molotov num cenário de fogo e fumo em que se vê uma bandeira ucraniana, um outro homem que observa aquele lançamento e a mão de um terceiro homem que estende um outro cocktail molotov. Aquela imagem, captada na cidade de Zhytomyr, a menos de cem quilómetrios de Kiev, associada à expressão do jornal italiano - La resistenza di un popolo – deixa ao leitor a ideia de que se trata de um ataque da corajosa resistência ucraniana, até porque tem sido anunciado que as forças invasoras russas se encontram às portas de Kiev.
Porém, numa breve pesquisa efectuada na internet, verificamos que se trata de uma imagem retirada de um conjunto de imagens captadas numa vulgar sessão de treino de lançamento de cocktails molotov ou numa sessão especialmente preparada para a recolha de fotografias, que foi realizada em Zhytomyr. Assim, aquela que parecia ser uma fotografia para ficar na História da Resistência Ucraniana, não passa de uma imagem enganosa destinada a servir a propaganda e a manipular alguém ou alguma coisa, incluindo aqueles dois jornais.

Solidariedade para com o povo ucraniano

A guerra na Ucrânia pode ser analisada sob diferentes aspectos políticos e militares, mas a resistência ucraniana às forças invasoras russas parece ser o aspecto mais surpreendente desse conflito que está a atravessar o centro da Europa e que parece agravar-se em cada dia que passa. A Ucrânia está a reagir como um pequeno Davi que enfrenta o gigante Golias. 
A mobilização popular para combater o invasor por todos os meios e a ideia de defender as cidades, rua a rua, estão a impressionar a Europa, pois já não se imaginava que houvesse um povo com tanta coragem e tanta heroicidade, num tempo em que as sociedades contemporâneas estão dominadas pelos valores do consumo e do conforto, que tendem a sobrepor-se a todos os outros ideais, como a independência e a liberdade. 
Na chamada Europa das Pátrias, o exemplo da Ucrânia é, certamente, um caso singular. Poucos defenderiam a sua terra como o estão a fazer os ucranianos. Por isso, a solidariedade europeia para com o povo ucraniano está a acentuar-se à medida que se vai conhecendo a firmeza e a determinação ucraniana para resistir ao invasor, apesar dos intensos bombardeamentos russos que são feitos sobre as cidades. 
Essa solidariedade está a manifestar-se de formas muito diversas, mas destacamos a iniciativa do jornal italiano Corriere della Sera que, na sua edição de hoje, mostra a sua solidariedade e homenageia a nação ucraniana, ao publicar a sua bandeira em todo o espaço da sua primeira página.  

quarta-feira, 2 de março de 2022

Futebol é jogo de paz e desanuviamento

O noticiário, tanto o nacional como o internacional, está a ser dominado pela guerra na Ucrânia que, aparentemente, se está a intensificar, como se pode observar pelas imagens televisivas que nos chegam e que mostram as explosões, as destruições e as colunas de refugiados que atravessam as fronteiras. As notícias revelam que prevalece a desinformação e a contrainformação produzidas por ambas as partes e não é necessário ser-se perito em coisas militares para perceber que isso está a acontecer em larga escala. Na realidade, sabemos muito pouco quanto à evolução da guerra nas cidades de Kiev e Kharkiv, bem como nas cidades do sul, situadas na orla do mar Negro, como Mariupol, Berdiansk, Melitopol, Kherson e Odessa. A ansiedade está a tomar conta da Europa, não só devido aos elevados riscos nucleares que nos ameaçam, mas também porque não se conhecem os desígnios de Putin e até onde ele pretende ir.
Neste contexto, um simples jogo de futebol acaba por ser um alívio para a tensão que aflige as pessoas e para que os canais televisivos deixem de nos massacrar repetidamente com as mesmas notícias, muitas delas inverdadeiras. Hoje o Sporting e o FC Porto defrontam-se em Lisboa, quando ainda estão vivos os graves incidentes ocorridos no passado dia 11 de Fevereiro, após o jogo em que as duas equipas se defrontaram. Desse dia ficou pouco mais do que a imagem positiva do abraço entre os dois treinadores, hoje republicada em dois jornais desportivos. O que hoje se espera é que Amorim e Conceição “estejam à altura do clássico” como diz o jornal A Bola, ou que estejam “unidos pela paz” como escreve o jornal O Jogo, que acrescenta que “os treinadores desarmadilharam clima de tensão antes do primeiro duelo na Taça de Portugal”.
Realmente, perante a tragédia que está a acontecer no centro da Europa, não há quaisquer razões para que esta noite aconteça outra coisa que não seja um jogo de futebol pacífico, animado e divertido, isto é, um bom espectáculo com artistas inspirados.

terça-feira, 1 de março de 2022

A Europa Unida no apoio à Ucrânia

As imagens que as televisões nos mostram de milhares de refugiados, sobretudo mulheres e crianças, que procuram segurança na Polónia e na Roménia, impressionam mais do que as imagens de tanques ou de viaturas destruídas, ou que as notícias de combates à volta das cidades ucranianas. Essas imagens, que mostram a face mais desumana e mais cruel da guerra, têm sido o elemento mobilizador da opinião pública mundial na solidariedade e no apoio ao povo ucraniano. Muitos milhares de pessoas em inúmeras cidades europeias e não europeias, têm vindo para a rua protestar contra a guerra e contra os desígnios de Vladimir Putin, que parece não ter sequer o apoio da maioria da população russa. Ao mesmo tempo, a União Europeia veio mostrar um sentido de unidade que não lhe era habitual, ao adoptar sanções económicas severas contra a Rússia e medidas de apoio à Ucrânia, onde se inclui o fornecimento de material letal. Em edição especial, o jornal Le Monde destaca hoje a união da Europa no apoio à Ucrânia como um facto notável, pois representa a vontade europeia de actuar autonomamente em relação aos Estados Unidos e à NATO. As vozes dos falcões atlantistas como são as figuras de  Joe Biden ou de Jens Stoltenberg têm-se apagado, enquanto as vozes europeístas de Ursula von der Leyen, Josep Borrell, Emmanuel Macron ou Charles Michel têm sido ouvidas com mais insistência, a mostrar que o problema ucraniano é um problema europeu.
Apesar de já se terem dado alguns passos no sentido de um cessar-fogo, a situação é muito complexa e até mesmo perigosa, mas todos havemos de confiar que uma boa solução possa estar a caminho, sobretudo se o assunto for tratado como um problema entre europeus, o que dispensa o irritante da participação directa e injustificada da NATO e dos americanos na solução desta crise.