terça-feira, 29 de outubro de 2019

Argentina e Brasil com rumos diferentes

Nos últimos tempos realizaram-se eleições presidenciais em Moçambique, na Bolívia e na Argentina, mas enquanto Filipe Nyusi e Evo Morales renovaram os seus mandatos, o presidente Mauricio Macri foi derrotado por Alberto Fernández que vai ser o presidente da Argentina, o país que viu nascer o Papa Francisco e Ernesto "Che" Guevara, Lionel Messi e Diego Maradona, Carlos Gardel e Jorge Luis Borges, Juan Manuel Fangio e Juan Domingo Perón.
Na sua primeira mensagem no Twitter o presidente eleito agradeceu a vitória aos seus apoiantes e publicou uma fotografia em que aparece a desenhar um “L” com o indicador e o polegar da mão esquerda — um símbolo do movimento que pede a libertação de Lula da Silva, o antigo presidente do Brasil. A fotografia vinha acompanhada de um texto que dizia que “também hoje faz anos o meu amigo Lula, um homem extraordinário que está injustamente preso há um ano e meio”, acrescentando “parabéns para si, querido Lula. Espero ver-te em breve”. Jair Bolsonaro, a partir da capital brasileira, não gostou daquelas afirmações e afirmou ser “uma afronta à democracia brasileira e ao sistema judiciário brasileiro”, recusando-se a felicitar o novo presidente da Argentina.
Parece, portanto, abrir-se um tempo de incerteza ou mesmo de tensão entre os dois maiores países da América do Sul, cuja rivalidade vai muito para além do futebol. Porém, a malha de interesses económicos e comerciais entre eles é tão intensa que, certamente, nenhum ousará criar incidentes diplomáticos ou rupturas comerciais. É exactamente isso que salienta a edição de ontem do Correio Braziliense, isto é, a esquerda peronista na Argentina e a direita ultra-conservadora de Jair Bolsonaro vão ter de conviver, embora a navegar com rumos ideológicos bem diferentes.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Abu al-Baghdadi morreu mas o Daesh não

Os Estados Unidos, pela voz de Donald Trump, anunciaram ontem a morte de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Estado Islâmico do Iraque e Síria (ISIS) ou, em árabe, apenas Daesh.
Este facto foi uma grande vitória para Donald Trump que vinha sendo muito criticado pela sua recente decisão de retirar as tropas americanas do norte da Síria, mas também foi um alívio para todos os que, muitas vezes, acompanharam pela televisão as atrocidades e as barbaridades cometidas pela gente que ele comandava.
Abu Bakr al-Baghdadi era um religioso que, depois da invasão americana do Iraque em 2003, estivera preso em Camp Bucca, no território iraquiano, tendo sido nesse centro de detenção mantido pelos militares americanos que lhe nasceu a ideia da criação de um califado. Entretanto, al-Baghdadi estudou na Universidade de Bagdad e doutorou-se em estudos do Alcorão, mas manteve sempre a sua ligação a grupos radicais, pois o seu objectivo era estabelecer o seu próprio Estado por meio da força. Em 2014 anunciou a criação de um califado a que chamou Estado Islâmico do Iraque e Síria, também conhecido por Daesh, que em pouco tempo passou a controlar importantes cidades através da imposição de uma relação de brutalidade contra cerca de 8 milhões de pessoas e da ocupação de um extenso território no Iraque e na Síria.
A instabilidade na região favoreceu o Daesh, mas a reacção não tardou daí resultando a perda da cidade iraquiana de Mossul em 2016, da cidade síria de Racca em 2017 e, em Março deste ano, do seu último bastião que era a cidade síria de Baghouz. O califado durara cinco anos. Abu Bakr al-Baghdadi tinha sido derrotado, mas a ameaça de reaparecer, eventualmente com acções terroristas noutras partes do mundo, perdurava. Agora, com a sua morte o mundo parece poder respirar, mas de facto o Daesh não morreu e, por certo, os seus seguidores não tardarão a aparecer porque a organização era um monstro de muitas cabeças.
Hoje, a notícia da morte de al-Baghdadi foi manchete na imprensa mundial. Era o homem mais procurado do planeta e escolheu o seu próprio fim.

domingo, 27 de outubro de 2019

Um forte protesto continua na Catalunha

Ontem a cidade de Barcelona voltou a ser palco de uma grande manifestação em que participaram cerca de 350.000 pessoas mobilizadas pelos Comités de Defesa da República, os CDR, depois de uma semana em que a calma parecia estar a regressar à cidade.
A contestação surgiu no passado dia 14 de Outubro, quando o Supremo Tribunal espanhol condenou os principais dirigentes políticos catalães envolvidos na tentativa de independência da Catalunha a penas que vão até um máximo de 13 anos de prisão. Essa decisão gerou uma onda de protesto que se repetiu ao longo de vários dias em Barcelona e em outras cidades da região autónoma que, muitas vezes, tem derivado para a violência e para o vandalismo, protagonizado por grupos radicais. Porém, embora o problema catalão se esteja a agudizar até porque não há diálogo à vista entre as partes em conflito, este número de manifestantes é bastante menor do que acontecera com outras manifestações.
Embora esse número seja menor do que antes, isso não significa que haja desmobilização por parte dos independentistas catalães. Num inquérito muito participado que o jornal catalão La Vanguardia abriu aos seus leitores, foram-lhes feitas duas perguntas:
1) Vês solução a curto prazo para o conflito catalão (94,1% de respostas negativas)
2) Aprovas os protestos contra a sentença do procés (27,9% de aprovações).
Significa que os catalães têm a noção de que as pretensões independentistas só poderão vir a ser satisfeitas no longo prazo e, naturalmente, num quadro de negociação e de diálogo democrático, mas também que é muito significativa a discordância relativamente à dura sentença proferida pelo Supremo Tribunal.

sábado, 26 de outubro de 2019

A crise também já chegou à NATO

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), por vezes chamada apenas como Aliança Atlântica, é uma aliança militar que foi assinada no dia 4 de Abril de 1949 por doze países – Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega, Itália, Islândia e Portugal.
Depois, a NATO alargou-se e em 1952 entraram a Grécia e a Turquia, em 1955 a Alemanha, em 1982 a Espanha e, numa incompreensível e precipitada decisão, seguiu-se o ingresso de muitos outros países sem qualquer relação física ou cultural com o Atlântico, mas apenas para os isolar de outras influências ou contágios.
Hoje a NATO já agrega 29 estados-membros, o último dos quais é o Montenegro. Provavelmente, já são países a mais. 
A NATO constitui essencialmente um sistema de defesa colectiva em que os seus estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa. Porém, quando um estado-membro se envolve em conflitos militares, a organização costuma consultar-se e tomar posição.
Foi o que agora aconteceu. Com a retirada unilateral americana do norte da Síria e a ofensiva turca na mesma região, os ministros da Defesa da NATO reuniram em Bruxelas e foram muito críticos em relação ao que se passa naquela área, onde os russos estão a reforçar a sua determinante influência junto dos diversos poderes regionais. Donald Trump e Recep Erdogan foram os alvos das críticas ministeriais e, enquanto houve 28 estados-membros a instar a Turquia para que suspendesse as suas operações, também tivemos Erdogan a afirmar que ninguém travará a ofensiva turca.
O facto é que, com 29 membros cultural e politicamente tão diferentes, como é possível sustentar uma aliança que depois da guerra fria perdeu todo o sentido, que actua bem longe do seu quadro atlântico e que insiste em querer manter uma unidade que na realidade não existe? É hoje evidente, até pelo que se passa com o Brexit e com grosseiro anti-europeismo de Trump, que a NATO é uma organização sem qualquer lógica ou coesão racionais e que apenas se mantém porque dá emprego, prestígio e poder a muita gente. Hoje o diário francês Le Monde retrata a “profunda crise” que atravessa a NATO, a organização onde têm assento Trump e Erdogan, mas também Boris Johnson, Matteo Salvini e Viktor Orbán, entre outros figurões.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O Museu do Louvre celebra Leonardo

É inaugurada hoje em Paris e estará patente ao público durante cinco meses no Hall Napoléon do Museu do Louvre, uma exposição evocativa do 500º aniversário da morte de Leonardo da Vinci.
O genial Leonardo viveu no Château du Clos Lucé em Amboise, a pouca distância da residência do rei Francisco I de França, que o convidara para a sua Corte e o nomeara "Primeiro Pintor, Engenheiro e Arquiteto do Rei", tendo ali  vivido três anos entre 1516 e 1519, o ano da sua morte. Por isso, embora seja italiano, a França também parece reivindicar alguma coisa do seu génio.
A exposição está a despertar um invulgar interesse. É a loucura, segundo revela o jornal Aujourd’hui en France. É a maior exposição dedicada ao génio de Leonardo e reúne 162 obras no mesmo espaço expositivo, incluindo 11 das 20 das suas pinturas conhecidas, além de desenhos e manuscritos, que foram identificados e reunidos ao longo de dez anos, num trabalho de pesquisa que exigiu pedidos de empréstimo em todo o mundo. O Museu do Louvre é o principal participante até porque possui a maior colecção de obras de Leonardo, mas a exposição inclui empréstimos de obras cedidas pelo Museu Hermitage de São Petersburgo, pelo British Museum e pelo Museu do Vaticano, entre outros museus de referência mundial. Até a rainha Isabel II permitiu que 24 desenhos que estão na posse da coroa britânica fossem enviados para Paris para serem expostos temporariamente no Louvre. Um desenho pertencente à colecção da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto também integra a exposição.
Curiosamente, a mais famosa obra de Leonardo, a Mona Lisa ou Gioconda, não estará na exposição e só poderá ser vista na galeria onde habitualmente se encontra, porque os organizadores da exposição entenderam que as cerca de 30 mil pessoas que todos os dias querem ver e fotografar aquela obra criariam engarrafamentos intoleráveis na área da exposição. Apesar disso, esperam-se 600 mil visitantes na exposição mais importante do ano que pagarão 17 euros pela visita, mas que terão obrigatoriamente de fazer uma reserva. Porém, diz o jornal que 220 mil bilhetes já estão vendidos...

terça-feira, 22 de outubro de 2019

A mundialização do protesto e da revolta

O nosso mundo está em ebulição e há focos de contestação por todo o nosso planeta, que está mais instável e mais perigoso do que nunca, como escreve na sua edição de hoje o jornal Le Parisien.
De facto, o protesto violento e o vandalismo estão a acontecer do Chile ao Líbano, de Hong Kong à Catalunha, mas também na Argélia, no Reino Unido, na Venezuela, no Iémen e na fronteira entre a Turquia e a Síria, além de outros locais.
Há trinta anos também aconteceu mais ou menos o mesmo fenómeno de contestação, quando o vento da liberdade soprou na praça de Tian'anmen, fez cair o muro de Berlim e acabou com a cortina de ferro que Stalin tinha criado em torno da URSS. Porém, passados esses trinta anos, quando o mundo está a atingir níveis de prosperidade muito elevados, as ondas de contestação e a violência que lhe está associada são surpreendentes.
Hoje, perante as imagens que nos chegam de todas as longitudes, vemos que o mundo está realmente em ebulição, proliferando as revoltas populares nascidas dos mais diferentes pretextos e que provocam a instabilidade, a incerteza e o caos. As pessoas não compreendem o que realmente se passa e assustam-se com uma situação que começa a ficar fora do controlo das autoridades nacionais. O jornal Le Parisien indica e caracteriza os 16 países em que actualmente há conflitos sociais, políticos ou militares e procura algumas respostas. Embora os pretextos para a revolta sejam diversos, uns mais compreensíveis que outros, parecem ser a velocidade de circulação da informação e a difusão de imagens icónicas, que geram o contágio do protesto em diferentes pontos do mundo e a adopção das praxis de violência e de vandalismo, tornando a mundialização da revolta muito mais rápida.

O desconcertante paradoxo venezuelano

Há cerca de seis meses reinava o caos e a incerteza na Venezuela, com meio mundo a hostilizar o regime de Nicolas Maduro e com a população envolvida em grandes manifestações, ora contra o governo venezuelano, ora a favor do regime chavista. A situação económica do país era gravíssima, com carências de bens de primeira necessidade e com uma inflação descontrolada. Donald Trump e alguns dos seus aliados sul-americanos aproveitaram a debilidade venezuelana e ensaiaram um golpe para afastar Maduro do poder, tendo apostado no ambicioso Juan Guaidó, o jovem presidente da Assembleia Nacional que, aos 35 anos de idade, se imaginou como o novo Simon Bolivar dos tempos modernos. A estratégia adoptada passou por intensas campanhas de manipulação da opinião pública nos mass media internacionais e pela intoxicação repetida de fake news, além de outras acções complememtares como foi a encenação mediática das fugas em massa para o Brasil e a ajuda humanitária através da fronteira com a Colômbia, a que aderiu a nossa pouco esclarecida RTP. A gente de Guaidó esperava a deserção maciça para o seu lado dos aparelhos militar e judicial, mas isso não aconteceu e a contestação perdeu fôlego, enquanto o Donald Trump se cansou de ter tido mais um insucesso nas suas políticas de destabilização nos países que não partilham do seu ideário. Durante alguns meses, a Venezuela foi esquecida e a imprensa mundial retirou-a da sua agenda. Até que, provavelmente inspirado pelo que se passa na Catalunha e no Chile, Juan Guaidó reapareceu para convocar uma grande manifestação para o dia 16 de Novembro que, disse, será o “começo de uma revolta popular sem precedentes na Venezuela”. Se não é uma ameaça de insurreição, parece. Mas esperemos para ver.
Porém, o PIB venezuelano caiu 26,8% no 1º trimestre do ano e, tal como hoje anuncia o jornal El Universal, a inflação acumulada no corrente ano já atingiu 4.679,5%! Com estes desempenhos económicos, tanto a Venezuela como o Maduro e o Guaidó são um terrível e desconcertante paradoxo.

sábado, 19 de outubro de 2019

O caos tomou conta da cidade de Santiago

O Chile é um país sul-americano cujo território ocupa uma extensa e estreita faixa entre a cordilheira dos Andes e o oceano Pacífico, estendendo-se ao longo de mais de 6.000 quilómetros. Tem cerca de 18 milhões de habitantes e, a partir dos seus indicadores económicos e sociais, designadamente o índice de desenvolvimento humano, o rendimento per capita, a qualidade de vida, a percepção de corrupção e o índice de pobreza, é considerado o país mais desenvolvido da América Latina.
A sua capital é a cidade de Santiago que, segundo informa a promoção turística, é uma cidade moderna, tem ares europeus mas exibe a diversidade latino-americana. Pois foi nesta cidade que, após vários dias de protesto contra o aumento do preço unitário dos bilhetes do Metropolitano que passaram de 800 para 830 pesos, isto é, um aumento de 3,75%, que ontem aconteceram graves distúrbios a lembrar o que está a acontecer em Barcelona, embora com motivações bem diferentes.
Ontem, milhares de pessoas, especialmente estudantes do ensino médio e universitário, forçaram a entrada nas estações do metropolitano sem pagar, destruíram tudo o que puderam e enfrentaram a polícia. A administração do metropolitano, que transporta diariamente quase 3 milhões de pessoas, decidiu encerrar as estações, o que originou o colapso do principal sistema de transporte urbano. Depois instalou-se o caos por toda a cidade, com a vandalização de 41 estações do metropolitano, a destruição de montras, o incêndio de automóveis e de contentores e até de edifícios. Nesta situação, o presidente Sebastián Piñera decretou o estado de emergência na área metropolitana de Santiago, enquanto foram detidos 308 manifestantes.
Naturalmente que o aumento de 3,75% no preço dos bilhetes do metropolitano é apenas um pretexto para o desafio da ordem democrática estabelecida e um sinal de insatisfação, a que se associaram elementos mais radicais apenas interessados na vandalização do património e na criação de condições de intranquilidade.
Paris, Hong Kong, Barcelona e, agora, Santiago, são meras coincidências ou são sinais dos novos tempos que se aproximam?

O Luxemburgo e a sua marinha mercante

O pequeno grão-ducado do Luxemburgo que tem uma superfície que não chega a ser metade do Algarve e que não tem qualquer ligação ao mar, tem hoje uma importante marinha mercante e cerca de 20.000 inscritos marítimos, segundo informa o jornal luxemburguês Le Quotidien.
Há 217 navios inscritos no registo luxemburguês, representando cerca de 1,41 milhões de toneladas mas, no mínimo, esta realidade parece ser um paradoxo.
Tudo começou em 1990 quando o Luxemburgo decidiu que a sua economia, até então especializada nos sectores financeiro e dos serviços, se lançasse no sector marítimo, como forma de dar oportunidades à sua banca de investimento e de assegurar uma receita fiscal aos cofres luxemburgueses.
Curiosamente, o primeiro navio registado na praça luxemburguesa foi o Prince Henri, um navio-transporte de produtos químicos que antes estava registado na Bélgica, mas a partir de então a procura pela praça luxemburguesa aumentou, apesar de ser uma opção mais cara do que o registo nas praças de Malta ou do Chipre.
Porém, para entrar neste mercado do registo marítimo o Luxemburgo apostou na diferenciação e decidiu não aceitar o registo dos grandes petroleiros com o argumento de que não querem ser coniventes com a poluição causada pelos acidentes marítimos. Além disso, só aceita que o pavilhão luxemburguês seja içado em navios novos, modernos e não poluentes, devendo o proprietário ou armador ter uma base empresarial ou uma sucursal em território luxemburguês. Significa, portanto, que o Luxemburgo se inspirou nas técnicas de marketing e apostou num posicionamento e numa diferenciação do seu “produto”, o que se traduziu já no registo de 217 navios.
Com este negócio inovador mas paradoxal, que é um país sem mar ter uma marinha, o Luxemburgo considera ter aberto mais uma porta para as suas actividades económicas e para o seu melhor posicionamento no mundo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Quem pode confiar na América de Trump?

A recente retirada das tropas especiais americanas que se encontravam no noroeste da Síria e que apoiaram as forças curdas na luta contra o Daesh enquadra-se na campanha presidencial americana que vai acontecer em 2020 e na tentativa de Donald Trump para ser reeleito. Na sua anterior campanha eleitoral, o então candidato Trump tinha afirmado que os Estados Unidos se deviam libertar das guerras sem fim em que estavam envolvidos e tinha prometido trazer os soldados americanos de volta a casa. Foi uma promessa eleitoral fantasiosa e não cumprida e, por isso, com eleições à vista mudou de atitude.
Vai daí, o  Donald Trump decidiu abandonar as tropas curdas que lutaram ao lado das tropas especiais americanas e que apoiaram a força aérea americana para esmagar o califado do Daesh, esquecendo que morreram cerca de 11 mil combatentes curdos, enquanto os americanos tiveram apenas cinco baixas. Como foi largamente comentado, os Estados Unidos tiraram partido da experiência curda para derrotar os terroristas do Daesh com um custo mínimo.
Esta decisão de Trump criou as condições para que os turcos iniciassem uma importante ofensiva militar contra os curdos, de que já resultaram centenas de mortos e a fuga de suas casas de cerca de 160 mil pessoas, enquanto um número indeterminado de combatentes e apoiantes do Daesh que estavam internados e à guarda dos curdos, conseguiram fugir dos seus campos de internamento.
A revista The Economist trata este tema na sua última edição e pergunta quem pode confiar na América de Donald Trump, acrescentando que a sua traição aos curdos é um golpe na credibilidade americana perante o mundo e que levará anos para consertar. A revista diz que Trump errou e que este erro afecta seriamente a credibilidade americana, tanto junto dos seus aliados, como junto dos seus inimigos, interrogando-se quanto ao medo da Coreia do Sul ou da Arábia Saudita de poderem ser abandonadas pelos americanos e ficarem à mercê da Coreia do Norte ou do Irão.
O título escolhido pelo The Economist é significativo: quem pode confiar na América de Trump?

O mau tempo ainda não chegou ao canal

Quando o rescaldo das eleições legislativas continua a ocupar o noticiário nacional, com a formação do novo governo e as peripécias que vão acontecendo nos partidos derrotados em torno das candidaturas à sua liderança, e quando o noticiário internacional é dominado pelas violentas manifestações na Catalunha, pelas invasão turca dos territórios do Curdistão sírio, pelo impeachment de Trump ou pelo anunciado acordo relativo ao Brexit, o mais recomendável é descansar a vista e o pensamento. Está muita coisa a acontecer em Portugal e no mundo e nem sempre é fácil perceber a complexidade crescente do mundo moderno, em que o progresso material e a felicidade dos povos andam desalinhados.
Os Açores são, provavelmente, um dos melhores remédios para reflectir e para ajudar a perceber o novelo em que tudo isto anda enrolado, sobretudo quando se tem a sorte de desfrutar de paisagens marítimas inspiradoras de harmonia, de tranquilidade e de reforço da confiança. O canal do Faial que separa as ilhas do Faial e do Pico e que é o cenário central do Mau tempo no Canal, o celebrado romance de Vitorino Nemésio, é um desses locais que entusiasma pela sua beleza natural e pela excelência do seu enquadramento paisagístico. No caso daqueles que gostam de fotografia, a observação do canal desde a ilha do Pico constitui  um cenário singular, com os ilhéus vulcânicos da Madalena em primeiro plano e com a cidade da Horta e a ilha do Faial no segundo plano, mas sempre com o mar presente nas suas múltiplas e variadas apresentações.
Embora estejamos no princípio do Outono, o mau tempo no canal ainda não chegou mas a espectacularidade da ondulação e das vagas já são uma realidade e uma atracção para quem gosta de fotografia.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O tangará do Brasil em risco de extinção

Cuiabá é uma cidade brasileira localizada nas margens do rio Cuiabá, na parte ocidental do país que faz fronteira com a Bolívia, sendo a capital do estado de Mato Grosso. O seu jornal mais importante é o Diário de Cuiabá que, na sua edição de ontem, inclui uma interessante reportagem sobre animais em risco e destaca na sua primeira página uma fotografia de um pássaro do genero tangará (Chiroxiphia caudata).
O jornal publica um estudo académico que analisou informações sobre mais de 30 mil espécies de vertebrados e que mostra que muitas espécies selvagens estão sob ameaça de extinção, devido sobretudo à acção de traficantes, calculando que 18% das espécies de aves, mamíferos, répteis e anfíbios estão em perigo. A diminuição de algumas espécies é preocupante, pois muitas delas estão a ser contrabandeadas como animais de exóticos de estimação ou são capturadas para a extracção de subprodutos como peles e outras partes. A agravar a situação, verifica-se que, quanto mais ameaçada está uma espécie, maior é o seu valor no mercado negro. Ora isso faz aumentar a procura e, por consequência, o risco de extinção das espécies.
Uma das espécies mais perseguidas pelos traficantes é o tangará, que é um pássaro muito procurado por coleccionadores devido à sua plumagem muito colorida e variada. Estima-se que existam 46 espécies de tangará, um pássaro que tem rituais de acasalamento que envolvem canto e dança, que foram captados e dados a conhecer pelas reportagens televisivas da National Geographic Society, mas segundo o estudo antes mencionado, a espécie pode estar realmente em perigo de extinção.

Barcelona está sob uma onda de violência

A Catalunha e, em especial a cidade de Barcelona, viveram os dois dias que se seguiram à leitura da sentença do Supremo Tribunal de Espanha que condenou nove independentistas catalães, sob grande tensão e com acções de grande violência atribuídas aos CDR, os chamados Comités de Defesa da República. Estes grupos surgiram em 2017 para defender a realização do referendo pela independência e evoluíram depois para um novo objectivo de lutar pela proclamação da Républica Catalana, supostamente na base de uma estratégia de desobediência civil não violenta. Porém, a prática destes comités tem sido bem diferente do que anunciavam pois têm-se verificado numerosos distúrbios e outros episódios de confrontação pouco pacíficos.
O que aconteceu nos últimos dois dias em Barcelona e que pudemos ver pelas televisões, lembrando os motins dos coletes verdes de Paris ou as violentas manifestações de Hong Kong, é um sinal preocupante. A violência chegou a Barcelona onde o protesto contra as condenações mobilizou alguns milhares de manifestantes - cerca de 40.000 segundo as autoridades - que se confrontaram com a policia, que incendiaram contentores e que ensaiaram o levantamento de barricadas. A enorme confusão que se instalou na Catalunha e o caos que tomou conta de muitas ruas de Barcelona parecem ultrapassar aquilo que o próprio presidente da Generalitat Quim Torra, um assumido independentista, eventualmente desejaria e, por isso, é bem possível que o governo de Espanha volte a assumir o controlo daquela região autónoma.
Só o diálogo e a concertação podem resolver o problema catalão. A violência anárquica e descontrolada, nas suas diferentes formas, nada resolve e só atrapalha a vida quotidiana dos cidadãos. Independentemente do desenvolvimento que tiver o violento protesto nas ruas de Barcelona e da estratégia que os CDR adoptarem, as eleições do próximo dia 10 de Novembro vão ser muito importantes para o futuro da Catalunha.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O renascer do independentismo catalão

A sentença foi conhecida ontem e o Supremo Tribunal de Espanha condenou nove dirigentes independentistas catalães pelo crime de sedição a penas que vão dos 9 aos 13 anos de prisão. A acusação utilizara o termo rebelião, que consiste na modificação das estruturas do Estado a fim de alcançar a independência de um território ou desrespeitar a Constituição através de violência nas ruas, mas o Tribunal adoptou o conceito de sedição, que é mais moderado, definindo-se como a promoção de tumultos para impedir a aplicação das leis. Com essa opção do Tribunal, os 30 anos de pena máxima previstos para a rebelião foram reduzidos para os 15 anos de pena máxima por sedição. Pouco depois do anúncio da sua decisão, o Supremo Tribunal reactivou o mandado de detenção europeu sobre Carles Puigdmont, o antigo presidente da Generalitat, com vista à sua extradição para Espanha.
A condenação refere-se aos acontecimentos que ocorreram entre Setembro e Outubro de 2017 na Catalunha, que envolveram a realização de um referendo ilegal, grandes manifestações e a intervenção do governo espanhol que aplicou o artigo 155 da Constituição de Espanha, que suspendeu a autonomia catalã e demitiu a Generalitat.
O anúncio das condenações agitou a cena política espanhola e foi o rastilho para muitos protestos e confrontos entre milhares de manifestantes e a polícia, sobretudo em Barcelona, onde o aeroporto foi ocupado, o que obrigou ao cancelamento de uma centena de voos.
O independentismo catalão estava adormecido mas renasceu com esta sentença, anunciando-se uma onda de desobediência civil e de protesto violento, não havendo por agora quem fale em diálogo. No próximo dia 10 de Novembro vão realizar-se eleições legislativas em Espanha e esta decisão do Supremo Tribunal vai ser usada na campanha eleitoral e, também ele, vai ser julgado nas urnas.

domingo, 13 de outubro de 2019

Belém do Pará e a religiosidade brasileira

O Brasil, ou pelo menos o estado do Pará, estão em festa com a realização do círio de Nossa Senhora da Nazaré que é considerado a maior manifestação religiosa católica do mundo e que está a decorrer na cidade de Belém e seus arredores, delas dando detalhada notícia o jornal paraense O Liberal. 
As festividades foram levadas para o Brasil pelos padres jesuítas portugueses e acontecem desde 1793, reunindo sempre mais de dois milhões de pessoas. Ao longo dos anos, o cerimonial ajustou-se à procura dos devotos e, actualmente, as manifestações religiosas estendem-se por duas semanas durante a chamada Quadra Nazarena, em que se destacam procissões e romarias, com as seguintes actividades: o Translado que corresponde ao percurso pelas ruas da cidade da imagem de Nossa Senhora da Nazaré desde a Basílica até ao município vizinho de Ananindeua, a Romaria Rodoviária em que a imagem vai em procissão para a vila de Icoaraci, a Romaria Fluvial em que a imagem é embarcada e segue em procissão fluvial até ao cais de Belém, a Moto-Romaria que recebe a imagem no cais e a transporta sob escolta de motoqueiros, a Trasladação que é uma procissão de velas, a Procissão do Círio que é, porventura, o ponto alto das cerimónias religiosas, a Ciclo-Romaria, a Romaria da Juventude que é a mais animada de todas as romarias, a Romaria das Crianças, a Romaria dos Corredores, a Procissão da Festa e o Recírio que encerra a Festividade Nazarena e que é o momento em que os paraenses se despedem da Rainha da Amazónia. Significa que o círio de Nossa Senhora da Nazaré consta de várias procissões, uma dúzia de romarias oficiais além de outras de menor afluência e muito fervor religioso. Segundo rezam as crónicas, durante a Quadra Nazarena é enorme a devoção dos paraenses e acontecem alguns milagres...

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O Donald decidiu abandonar os curdos

A esperada ofensiva turca contra os curdos já começou, por terra e pelo ar, com as agências noticiosas a divulgar as primeiras imagens que mostram os efeitos dos bombardeamentos e das explosões sobre as zonas urbanas das cidades fronteiriças sírias e a população em fuga ao longo das estradas. A imprensa americana, caso do Washington Post, do The New York Times e do The Wall Street Jounal, destaca que a Turquia lançou uma ofensiva contra os aliados dos Estados Unidos e esta referência ao abandono a que foram sujeitos os seus aliados, não deixará de perturbar a América e de aumentar a impopularidade do seu actual presidente. Alguns jornais europeus são mais severos e referem a traição de Trump ou, como sucede com o britânico The Independent, afirmam que os curdos foram abandonados por Trump. A União Europeia, através dos cinco países que actualmente integram o Conselho de Segurança das Nações Unidas (França, Reino Unido, Alemanha, Bélgica e Polónia) pediu uma reunião urgente deste órgão e o fim da ofensiva turca.
No terreno a situação é complexa, quer  militar quer politicamente. Em termos militares é enorme a desproporção de forças, mas a ofensiva turca pode não ser um passeio militar, pois as forças curdas são formadas na base de unidades de guerrilha bem armadas e muito experientes e isso pode custar caro aos turcos. Em termos políticos a situação pode ser ainda mais grave se os turcos ultrapassarem o que foi acordado com Donald Trump e levarem o seu ataque para além do objectivo anunciado de criar uma zona de segurança fronteiriça de 30 km, o que pode conduzir à intervenção das forças de Bashar al-Assad. Significa que, uma vez mais, o juiz daquela região vai continuar a ser Vladimir Putin.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

R.I.P. Maria Manuela Silva

A  economista  Maria Manuela Silva faleceu ontem aos 87 anos de idade, depois de uma longa carreira académica como professora catedrática do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e de ter dedicado a sua vida às causas da justiça social, sobretudo o combate às desigualdades e à pobreza, que considerava uma violação dos direitos humanos.
O percurso académico e a militância religiosa cruzaram-se ao longo da sua vida, tendo centrado a sua investigação académica nas áreas da pobreza, das desigualdades sociais e da distribuição de rendimentos, defendendo políticas económicas dirigidas em primeiro lugar ao bem-estar social.
Teve, também, uma intervenção política ao integrar o 1º governo constitucional presidido por Mário Soares, como secretária de Estado do Planeamento e, durante o recente período de assistência financeira externa, foi uma voz activa contra o programa de estabilidade imposto pela troika.
Professora jubilada do ISEG e Doutora Honoris Causa pela então Universidade Técnica de Lisboa, Manuela Silva esteve activamente envolvida nos movimentos católicos, tendo sido Presidente do Movimento Internacional dos Intelectuais Católicos e da Comissão Nacional Justiça e Paz. Era uma economista ao serviço das pessoas, sobretudo das mais desfavorecidas e, certamente, vai ser recordada como uma dinâmica mulher de causas e pelo seu percurso cívico inspirado no Evangelho e na doutrina social da Igreja.
Há muitos anos fui seu aluno no ISEG e, depois, através de amigos comuns, tornei-me seu amigo e reforcei a minha admiração por tão exemplar figura de cidadania. 

O sacrifício curdo e o regresso do Daesh

Em Dezembro do ano passado o presidente Donald Trump anunciou que os militares americanos estacionados no nordeste da Síria iriam regressar a casa porque tinham derrotado o Estado Islâmico (Daesh) e, por isso, a sua missão tinha terminado.
A retirada americana está agora em vias de ser concretizada, depois de um acordo celebrado entre Donald Trump e Recep Tayyip Erdogan que “autoriza” a Turquia a ocupar uma zona de segurança de 30 km de profundidade ao longo da sua fronteira com a Síria. Segundo refere a imprensa internacional, a retirada americana pode ter graves consequências para as unidades de protecção do povo curdo (YPG), que foram a principal força de combate contra o Daesh e que agora ficam desprotegidas perante o seu inimigo turco, sobretudo nas áreas que eles pretendem ocupar. O jornal Libération pergunta mesmo se os curdos vão ser sacrificados, depois de tudo o que fizeram.
A gradual retirada americana daquelas regiões já começou a ter efeitos negativos, primeiro no Iraque onde o Daesh reapareceu com iniciativa operacional e, agora, no norte da Síria onde também começou a actuar em territórios de onde tinha sido expulso. De acordo com os serviços de informação americanos encontram-se no Iraque e na Síria entre 14 a 18 mil membros do Daesh, incluindo cerca de três mil combatentes estrangeiros, que já retomaram a sua actividade através de assassínios, emboscadas e atentados suicidas.
Significa que quando se imaginava que, embora lentamente, se caminhava para a estabilidade naquela região com a Rússia, o Irão, a Turquia, o Iraque e a Síria a entenderem-se, a retirada americana deixa os curdos à mercê dos turcos e parece abrir as portas ao regresso do Daesh. A ofensiva militar turca já está anunciada e, nestas coisas, o mais difícil é começar...

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

As eleições legislativas em Portugal

A clara vitória socialista nas eleições legislativas que ontem se realizaram em Portugal foi o tema dominante das primeiras páginas da imprensa portuguesa que, de uma forma geral, foram ilustradas com a fotografia de António Costa que foi o vencedor com 36,6% dos votos expressos. Porém, a generalidade da imprensa estrangeira não deu qualquer relevo às eleições portuguesas, talvez porque os seus resultados fossem esperados, embora alguns jornais da Catalunha, bem como a La Voz de Galicia, tivessem destacado a vitória socialista de António Costa.
As televisões nacionais acompanharam todo o processo e, na noite eleitoral, sucederam-se um sem número de comentários feitos por um sem número de comentadores que, de uma forma geral, se limitaram a dizer o óbvio e a fazer uma futurologia política pouco fundamentada.
Por um dia, o futebol cedeu o seu lugar à política e, contra o que é habitual, houve quem assumisse ter sido derrotado, num caso devido certamente ao discurso insultuoso que foi utilizado durante muito tempo e, num outro, porque um antigo primeiro-ministro não percebeu que o seu tempo já passou.
A solução governativa vai exigir negociações, até porque na Assembleia da República vão estar representados dez partidos políticos, mas essa diversidade ideológica pode ser um factor de enriquecimento da nossa Democracia.
Dizem os especialistas que, em consonância com a teoria dos ciclos económicos e com a difícil conjuntura internacional, se aproxima um tempo de crise na Europa e no mundo. Há que confiar que o futuro governo vai saber manter a estabilidade política e social, apoiar o crescimento da economia e do emprego, melhorar os sistemas de saúde, educação e protecção social e, de uma forma mais geral, contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, para a defesa do ambiente e da paisagem e para a atenuação dos desequilíbrios regionais.

domingo, 6 de outubro de 2019

Um grande homem que é um novo cardeal

Realizou-se ontem na Basílica de São Pedro, em Roma, um Consistório presidido pelo Papa Francisco, que investiu 13 novos cardeais da Igreja Católica, entre os quais D. José Tolentino Mendonça, que tem 53 anos de idade e é natural da vila do Machico, na ilha da Madeira.
Antigo professor e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, o novo cardeal exerce actualmente as funções de arquivista e bibliotecário do Vaticano, tendo-se tornado no 46º cardeal português e o segundo madeirense a atingir o cardinalato. É um acontecimento importante para a Igreja Católica portuguesa mas, por razões culturais, também é relevante para a sociedade portuguesa, inclusive aquela que não professa a religião católica.
Toda a imprensa portuguesa destacou esta escolha do Papa e enalteceu as qualidades intelectuais do novo cardeal, como pensador, como escritor, como ensaísta e como poeta. Autor de uma vasta obra literária e com uma presença regular na imprensa, é uma figura de grande destaque na cultura portuguesa. Ao ser questionado pelos jornalistas quanto às dificuldades que iria enfrentar no quadro da Cúria Romana, o corpo administrativo que auxilia o Papa no seu governo da Igreja, disse o novo cardeal que “a vida é difícil para todos, também será para um cardeal, mas também é bela, também é entusiasmante e é nisso que eu penso”, acrescentando que “a vida de um cardeal é pesada, mas a vida de um pai de família também é, a vida de um operário, a vida de um desempregado, a vida de um homem sobre a terra, a vida de um refugiado, a vida de alguém que constrói a sociedade”.
Naturalmente, o Diário de Notícias do Funchal, bem como toda a imprensa da Madeira, deram um grande destaque a este acontecimento que enche de orgulho os madeirenses, mas que também é muito gratificante para a generalidade dos portugueses que gostam de ver reconhecidos os seus concidadãos.

sábado, 5 de outubro de 2019

R.I.P. Diogo Freitas do Amaral

Com 78 anos de idade e depois de uma vida com cerca de cinco décadas de intervenção pública, faleceu Diogo Freitas do Amaral e o Governo, muito justamente, decretou um dia de luto nacional para honrar a sua memória e o seu exemplo cívico, que foi reconhecido por gente de todos os quadrantes políticos e sociais.
Freitas do Amaral foi uma personalidade importante da Democracia portuguesa. Em 1967 completou o seu doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas na Faculdade de Direito de Lisboa e, nesse mesmo ano, iniciou o cumprimento do serviço militar obrigatório na Marinha, como oficial da Reserva Naval. Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974 foi o fundador e o primeiro presidente do CDS, tendo sido deputado à Assembleia Constituinte e, depois, deputado à Assembleia da República, havendo muita gente que lhe atribui o mérito de ter transformado a direita marcelista numa direita democrática. Fez parte dos governos da Aliança Democrática entre 1979 e 1983, tendo sido primeiro-ministro interino após a morte de Sá Carneiro. Em 1986 foi candidato à presidência da República com o apoio do CDS e do PSD, conseguiu obter 48,8% dos votos mas foi derrotado por Mário Soares. Mais tarde, integrou um governo socialista como ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi, também, o único português que presidiu à Assembleia Geral das Nações Unidas, o que aconteceu em 1995-1996 na sua 50ª Sessão.
Hoje, Freitas do Amaral teve justas honras de Estado e muitas personalidades da política, da cultura e da academia prestaram-lhe a última homenagem, à qual me associo apesar de nunca lhe ter dado o meu voto. Porém, ninguém ficou indiferente à hipocrisia de alguns figurões que marcaram presença nas exéquias dos Jerónimos, com destaque para aquele que obrigou Freitas do Amaral a arcar sozinho com as dívidas da campanha eleitoral de 1986 (Cavaco) e para o outro que retirou a fotografia do fundador do CDS da sede do partido e que  a enviou para o Largo do Rato (Portas). Ambos estiveram nos Jerónimos. A hipocrisia destes dois figurões é inqualificável.

Macau festejou os 70 anos da RPC

A propósito das comemorações do 70º aniversário da proclamação da República Popular da China (RPC), as autoridades da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) organizaram um programa comemorativo que, entre outras iniciativas, incluíu um espectáculo de video mapping projectado na fachada das Ruínas da Igreja de S. Paulo. O jornal Tribuna de Macau (jtm) destacou esse espectáculo, que teve um conteúdo marcadamente político em que predominaram os tons vermelhos e em que foram projectadas muitas imagens e símbolos da RPC, tendo por isso sido muito criticado pela comunidade católica do território.
Por isso, a Diocese de Macau também reagiu à realização deste espectáculo com o argumento de que a fachada da Igreja de S. Paulo “representa a profunda e duradoura herança católica em Macau”, parecendo “quase contraditório proclamar uma realidade que é marxista sem Deus, numa fachada que afirma a presença de Deus”. Além disso, a Diocese de Macau acrescentou que aquelas Ruínas não são apenas um ex-libris da cidade, de forte simbolismo histórico e religioso, mas também são um dos elementos que integram o Centro Histórico de Macau, que em 2005 foi classificado pela Unesco como património da Humanidade.
Embora as Ruínas não sejam propriedade da Igreja Católica, continuam a ser um símbolo do Catolicismo e da fé cristã em Macau, pelo que a Diocese reivindicou que quaisquer futuros espectáculos na fachada de S. Paulo passem a ter um conteúdo que se adeque ao contexto religioso do monumento. As autoridades macaenses referiram que este tipo de espectáculos já se realizaram em cinco anos consecutivos sem quaisquer problemas, mas aceitam discutir futuramente os seus conteúdos com a Diocese de Macau, até porque está previsto um novo espectáculo por ocasião da celebração dos 20 anos da criação da RAEM. Há, portanto, muita abertura das duas partes, certamente atentas ao que está a acontecer ali bem perto em Hong Kong.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Portugal: le nouvel eldorado

A edição de hoje do semanário francês Courrier international dedica a sua primeira página a Portugal, com uma fotografia da ponte 25 de Abril e do Tejo a toda a largura da capa e o título Portugal: le nouvel eldorado.
O pretexto para este destaque é a realização das eleições legislativas do próximo dia 6 de Outubro, cuja campanha correu com bastante serenidade, até que nos últimos dias se desviou para o insulto pela boca da gentinha do costume, que aproveitou uma encenação feita por quem devia estar à margem da luta política, o que lamentavelmente  já não acontece pela primeira vez.
Apesar do semanário tecer comentários previsionais sobre os resultados das próximas eleições, o que torna mais interessante a edição do semanário são as análises que são feitas quanto à estabilidade do país num contexto europeu de alguma instabilidade e em que as lideranças estão diminuídas.  Diz o Courrier que Portugal é um país ensolarado e com muita abertura aos outros, o que faz dele um objecto de ganância e um eldorado europeu para os estrangeiros. Numa Europa abalada por ondas de nacionalismos e muito enfraquecida pela tormenta do Brexit, o país continua hermético ao populismo e tornou-se um refúgio de estabilidade, constituindo “um laboratório em termos de sociedade”, com políticas sociais inovadoras, uma forte aposta na sua dimensão cultural, um bom relacionamento com as suas antigas colónias e que, além disso, atrai turistas, expatriados, artistas e, cada vez mais, investidores que, para além do imobiliário, se interessam cada vez mais por outros sectores produtivos, desde o sector automóvel à exploração do lítio e da cannabis terapêutica.
Se esta edição tivesse surgido duas semanas antes e com aqueles elogios todos, apesar deste semanário ter a credibilidade própria do grupo Le Monde, todos diriam que estava ao lado do governo de António Costa na disputa eleitoral.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Renasce a luta política na Catalunha

No dia 1 de Outubro de 2017 realizou-se o referendo de independência da Catalunha, conhecido na imprensa espanhola como o 1-O, que foi convocado pelo Governo Regional da Catalunha, mas que foi considerado ilegal pelo Governo e pelo Tribunal Constitucional de Espanha, com base num preceito da Constituição espanhola de 1978 que não permite qualquer votação relativa à independência de qualquer região espanhola. Nesse referendo que foi uma farsa não democrática pois apenas participaram 42% dos eleitores inscritos, o independentismo teve 92% dos votos que ninguém controlou, mas que os separatistas têm utilizado como bandeira.
Passaram-se dois anos e, a propósito da passagem desse acontecimento, houve comemorações e o actual presidente Quim Torra veio lembrar aquela data e recordar o espírito do 1-O, para afrontar os desafios do futuro e “avanzar sin excusas hacia la república catalana". 
No mesmo dia também decorreu uma manifestação independentista em que, segundo a Guardia Civil, participaram 18.000 pessoas, o que mostra algum grau de desmobilização.
Porém, a vida política na Catalunha parece estar a aquecer. Acontece que a sentença quanto ao chamado procés está para ser anunciada e há quem espere pesadas penas para os dirigentes independentistas, sobretudo os que estiveram mais ligados à preparação do referendo ilegal e à declaração de independência unilateral de 27 de Outubro de 2017, que foi lida por Carles Puigdemont, o então presidente da Generalitat. As forças políticas independentistas, sobretudo o Junts per Catalunya liderado por Carles Puigdemont (actualmente exilado na Bélgica), a Esquerra Republicana Catalana presidida por Oriol Junqueras (actualmente na prisão) e a CUP - Candidatura d’Unitat Popular, já vieram divulgar um manifesto em que afirmam não aceitar outra sentença que não seja a absolvição dos seus dirigentes e apelam desde já aos catalães para a desobediência civil e para darem uma resposta massiva, mas sem violência, à esperada decisão judicial.

No 70º aniversário da revolução chinesa

No dia 1 de Outubro de 1949, pela voz de Mao Tsé-Tung foi proclamada a República Popular da China (RPC) sob a liderança do Partido Comunista Chinês e, passados 70 anos, exactamente no mesmo local da Praça Tiananmen onde Mao fizera a sua proclamação, também o presidente Xi Jinping falou ao mundo.
O jornal Libération deu grande destaque às comemorações do aniversário da revolução chinesa e acentuou que se trata de mais uma etapa no processo chinês de chegar mais longe no concerto das nações. Na sua proclamação, o presidente Xi destacou que a revolução comunista “transformou completamente o miserável destino da China, que foi pobre, débil e humilhada durante mais de cem anos” mas, sobretudo, presidiu a um grandioso desfile militar que assinalou o 70º aniversário do estabelecimento da RPC, apesar da gravidade da situação de protesto em Hong Kong e das acesas lutas comerciais com os Estados Unidos.
O imponente e impressionante desfile militar que as televisões mostraram, teve a participação de cerca de 15 mil militares dos diferentes ramos das Forças Armadas, mas também incorporou as mais recentes conquistas tecnológicas chinesas, como os mísseis nucleares estratégicos, designadamente o míssil balístico intercontinental DF-41 e o míssil hipersónico DF-17. Segundo a doutrina chinesa, com o fortalecimento das suas forças militares a RPC persegue o objectivo de “garantir a sua segurança estratégica, através do reforço de uma capacidade de dissuasão que possa desincentivar quaisquer países de ameaçar ou utilizar armas nucleares contra a China”. Naturalmente, a grandeza da celebração dos 70 anos da proclamação da RPC teve intenções diferenciadas e talvez seja um aviso para aqueles que, interna e externamente, ainda não vêm a RPC como uma potência mundial em ascensão.