sábado, 10 de agosto de 2019

Comemorar Elcano e ignorar Magalhães

Há 500 anos, no dia 10 de Agosto de 1519, largaram de Sevilha e desceram o rio Guadalquivir as cinco naus – Trinidad, San Antonio, Concepción, Victoria e Santiago – que sob o comando de Fernão de Magalhães se propunham chegar às ilhas Molucas navegando para ocidente.
Foi, provavelmente, a mais famosa de todas as viagens de exploração marítima que o mundo conheceu e a bordo seguiam cerca de 242 participantes, incluindo 139 espanhóis, entre os quais 64 andaluzes, 29 bascos, 15 castelhanos e 7 galegos, a que se juntavam 31 portugueses, 26 italianos, 19 franceses, 9 gregos, 5 flamengos, 4 alemães e, ainda, gente de outras nacionalidades. Era uma verdadeira tripulação multinacional.
A viagem foi uma epopeia sob todos os pontos de vista. Magalhães veio a morrer em combate com os nativos da ilha de Mactan, nas Filipinas, no dia 27 de Abril de 1521. Sucedeu-lhe o português Duarte Barbosa, seu cunhado, que alguns dias depois foi morto numa emboscada na ilha de Cebu. O comando da expedição foi depois assumido por João Lopes Carvalho, outro português, mas que veio a ser demitido em 16 de Setembro.
Nesse dia, quando apenas sobreviviam as naus Trinidad e Victoria, Gonzalo Gómez de Espinosa tornou-se o capitão-general da expedição e Elcano foi escolhido para comandante da nau Victoria. Foi ele que, sendo figura secundária nesta expedição, veio a chegar a Sevilha com a única nau que completou a viagem. Como se diria em futebolês, Elcano entrou em campo já em período de descontos, mas foi ele quem marcou o golo decisivo. A Espanha agarrou-se a esse golo e pouco mais lhe interessa na evocação dessa efeméride e nas festividades que vai fazendo. O orgulho espanhol e a sua mentalidade hegemónica não têm emenda.
É nesse contexto que o veleiro Pros, de 21 metros, partirá hoje de Sevilha para percorrer 44 mil milhas numa viagem que será a réplica daquela que Magalhães iniciou em 1519 e que foi concluída por Elcano em 1522. O veleiro terá uma tripulação de 7 ou 8 membros, que foram escolhidos entre 140 voluntários e que irá rodando entre cada uma das grandes etapas da viagem. A viagem intitula-se Tras la estela de Elcano e é uma iniciativa da associação particular, embora tenha o apoio da Comisión del V Centenario de la Circunnavegación.
O Diário de Sevilla deu grande destaque a esta iniciativa a que chamaram ruta de Magallanes, mas escreve que "el velero zarpa para emular la gesta de Elcano", isto é, comemora Elcano e ignora Magalhães.