O que está a acontecer nas cidades brasileiras com a população a protestar nas
ruas e a assaltar lojas num quadro de pré-tumulto, como os canais televisivos
nos têm mostrado e a edição de ontem do Correio Braziliense nos relata, é
demasiado preocupante. Não se trata de uma preocupação resultante das eventuais
perturbações que estes acontecimentos possam provocar na normalidade quotidiana
do Brasil durante a realização da Copa 2014 que se aproxima ou até na imagem
externa do país mas é, sobretudo, a preocupação por estes sinais de
insatisfação popular, por esta reacção contra a desigualdade, por este grito de
revolta contra a corrupção e por estes acentuados riscos de desagregação
social.
Apesar de todos os esforços que o Brasil tem feito nos últimos anos para
promover o progresso económico e social da população e para afirmar o país no
panorama internacional, os resultados parecem não satisfazer largas camadas da
população. O projecto de construção de um Brasil moderno, solidário e
harmonioso está a revelar muitas fragilidades. Os sindicatos e os movimentos
sociais protestam contra os sinais negativos da economia e da sociedade
brasileiras que os custos com a Copa 2014 revelaram e que são observáveis no
excesso de infraestruturas impostas pela FIFA e nos seus sobrecustos. A paixão
pelo futebol e a alegria pela realização da Copa 2014 não escondem as
necessidades reais de largas faixas da população, nem a insatisfação pela
qualidade dos serviços públicos, nem as evidências de uma enorme corrupção que
continua a minar o país. Por isso, o povo reage contra o despesismo e a submissão
brasileira às exigências da FIFA.
Provavelmente, os portugueses sentirão estes factos como ninguém, não só
por razões culturais e afectivas, mas também porque conhecem por experiência
própria as consequências dos excessos financeiros a que os grandes eventos
obrigam e que muitas vezes não têm o retorno que se esperava.