domingo, 21 de julho de 2019

Sevilha procura protagonismo na História

As celebrações da viagem iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães para chegar às Molucas por ocidente e que foi concluída por Juan Sebastián Elcano em 1522, continuam a gerar alguma polémica em que se tem destacado o jornal conservador espanhol ABC que, em 10 de Março de 2019, deu guarida e difundiu um dictamen da Real Academia de la História de España em que era afirmado que “es incontestable la plena y exclusiva españolidad” da primeira volta ao mundo e que “todo en la 1ª vuelta al Mundo fue español”. Esta visão ultranacionalista e errada da História até em Espanha foi condenada e se escreveu que eram “actitudes aldeanas, típicas de rivalidades de Villariba y Villabajo, dignas de un profundo estudio antropológico”.
O assunto parecia ter serenado, não só por ser ridículo, mas também porque os governos de Portugal e de Espanha acordaram em patrocinar celebrações comuns. Porém, na sua edição sevilhana de hoje, o mesmo jornal ABC veio fazer a apologia de Sevilha como o “cabo Canaveral de la vuelta al mundo”, fazendo uma analogia entre a viagem da Apollo 11 que há 50 anos levou o homem à Lua e a viagem iniciada por Magalhães há 500 anos. Esta analogia até pode fazer algum sentido para os conservadores espanhóis e para a promoção da capital da Andaluzia, mas não tem nada de original porque a descoberta do mundo sempre serviu para fazer comparações e para glorificar navegadores. Já em 1776 o economista Adam Smith escreveu que “a passagem do cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias e a chegada às Antilhas por Colombo foram os maiores e mais importantes acontecimentos da História”, enquanto o filósofo inglês Arnold Toymbee afirmou que a viagem de Vasco da Gama representou o início da era gâmica, em que o ocidente e o oriente se uniram por mar. E há muitos mais autores internacionalmente respeitados que têm utilizado as navegações oceânicas portuguesas como o fenómeno que deu origem ao mundo global do nosso tempo.
Portanto, se assim o entenderem, os conservadores espanhóis até podem escolher outros cabos canaverais não só em Sevilha, mas também em Palos de la Frontera ou em Sanlúcar de Barrameda, tal como podem trocar Colombo por Pinzón ou Magalhães por Elcano. O ridículo não paga imposto.

O Tour e a loucura festiva dos franceses

O Tour de France é o maior acontecimento desportivo francês e provoca um entusiasmo popular único, levando milhões de pessoas à berma das estradas ou às encostas das montanhas em indescritível delírio, mas é também um espectáculo televisivo de grande interesse cultural e turístico que, ao longo das etapas, descobre as melhores paisagens naturais e o rico património construído francês. Em termos desportivos e desde 1903, o Tour de France consagrou ciclistas que ficaram célebres pelas suas vitórias como Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Miguel Indurain e muitos outros, mas o facto é que desde 1985, quando Bernard Hinault conquistou a sua quinta vitória na prova, já lá vão 34 anos, que nenhum atleta francês consegue triunfar na “rainha de todas as corridas ciclistas do mundo” e entrar em Paris com o maillot jaune.
Este ano, com a ausência forçada do ciclista inglês Chris Froome, que era o mais destacado favorito para vencer a corrida, os outros corredores agigantaram-se e, apesar de só estarem disputadas 14 das 21 etapas que a prova inclui, a França e a sua imprensa já não disfarçam a euforia que os está a tomar de assalto. Ontem, na etapa que decorreu na região pirenaica e terminou no clássico cume do Tourmalet, os ciclistas franceses Thibaut Pinot e Julian Alaphilippe chegaram à frente. Tal como Richard Nixon esperou Armstrong e Aldrin quando em 1969 regressaram da sua viagem à Lua, também Emmanuel Macron esperou Pinot e Alaphilippe no Tourmalet para simbolizar o orgulho dos franceses nos seus ciclistas, ou apenas por gosto pessoal, ou para aproveitar este acontecimento para melhorar a sua imagem pública. O jornal Le Parisien é apenas um dos diários franceses, nacionais ou regionais, que hoje destaca o entusiasmo dos franceses e escolheu para título Le Tour des Français.