sábado, 31 de janeiro de 2015

Como eles sacodem a água do capote

Não temos acompanhado a verdadeira novela que tem sido o processo BES, porque são assuntos de grande complexidade técnica e que só têm servido para me incomodar, sobretudo porque revelam a enorme podridão que tem afectado algumas das nossas supersestruturas politico-económicas e alguns dos seus desonestos agentes.
Por isso, foi com alguma surpresa que tomamos conhecimento de uma carta dirigida à Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES, em que o seu antigo Presidente afirma ter-se encontrado com Cavaco Silva, Passos Coelho, Maria Albuquerque, Carlos Moedas, Durão Barroso e Paulo Portas, isto é, a nata do nosso regime político. O Presidente do BES conhecia todas estas pessoas e várias vezes integrou comitivas presidenciais e ministeriais. Certamente conviveu com eles aqui e acolá. Provavelmente até passaram férias conjuntamente num qualquer local exótico. Por isso, estes encontros não foram visitas de cortesia, mas foram visitas institucionais para informar sobre a situação de degradação que se vivia no BES e para pedir apoio. Significa, portanto, que todas estas pessoas e entidades estavam informadas do que se passava no BES, como de resto muito mais gente anónima suspeitava.
Porém, quando rebentou a bronca do BES e do GES, até porque era tempo de praia, cada um tratou de sacudir a água do capote à sua maneira. Ninguém era amigo do Salgado, ninguém conviveu com Salgado.
Agora a carta enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES veio ressuscitar a questão, ao revelar que o Presidente do BES se tinha encontrado duas vezes com o Presidente da República, o que significa que ele conhecia a situação.  Muitos portugueses que tinham confiado no BES reagiram de imediato, pois tinham perdido as suas poupanças. Lembraram que em Julho de 2014, na Coreia do Sul, o Presidente da República tinha garantido que os “Portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, de acordo com as garantias e as informações que recebera do Banco de Portugal. E eles confiaram. Agora, quando todas essas declarações ainda estão disponíveis na internet e estão gravadas na nossa memória, num verdadeiro jogo de palavras, o irritado Presidente veio dizer que nunca disse o que disse e acusou os jornalistas de mentirem. Ele é, sem dúvida, um grande sacudidor da água do capote.

Dijsselbloem & Varoufakis: o desencontro

Jeroen Dijsselbloem e Yanis Varoufakis encontraram-se ontem em Atenas. O primeiro é o ministro das Finanças dos Países Baixos e presidente do Eurogrupo e o segundo é o ministro das Finanças da Grécia. Ao contrário do que sucedeu na reunião entre Alexis Tsipras e Martin Schulz em que este, de acordo com a imprensa, gostou do que ouviu e saiu optimista do encontro, manifestando agrado com a intenção grega de dar prioridade ao combate à emergência e à injustiça sociais e à evasão fiscal, os senhores Dijsselbloem e Varoufakis estiveram demasiado tensos na conferência de imprensa final, quase nem se cumprimentaram e, cada um ao seu modo, mostrou que não estava politicamente preparado para aquele número. É caso para dizer que as conversas entre a União Europeia e a Grécia começaram mal e que esse facto não augura nada de bom.
Dijsselbloem e Varoufakis não estiveram bem. Não foi um encontro. Foi um desencontro. Não é assim que se negoceia ou se abrem as portas para negociar. Jeroen Dijsselbloem portou-se como um cobrador de fraque e repetiu o discurso obcessivo, intransigente e humilhante que os gregos tinham acabado de rejeitar nas urnas. A outra parte não gostou. Varoufakis esqueceu a sua condição de devedor e, animado pela recente vitória eleitoral, mostrou alguma sobranceria e repetiu o discurso anti-austeridade e anti-troika. A outra parte não gostou. 
O assunto é demasiado complexo e demasiado importante para o futuro da Europa e, por isso, a maioria dos líderes europeus mostra-se muito cautelosa nas suas declarações, embora haja algumas excepções. Uma dessas excepções acontece em Portugal. É um Portugal radical! É lamentável a obcessão de quem, ao fim de quase quatro anos, não só não conseguiu suster a nossa dívida externa e criou um problema social muito grave, como agora se mostra “mais papista do que o Papa” e se coloca ao lado dos falcões e da ganância dos mercados, revelando uma absoluta insensibilidade em relação à tragédia social grega.