quinta-feira, 4 de junho de 2020

Na América nada vai ser como dantes

A imagem em que o agente policial Derek Chauvin aparece com um joelho sobre o pescoço do cidadão afro-americano George Floyd voltou hoje a ser publicada em vários jornais da cidade de Nova Iorque, quando foi anunciado que três outros ex-polícias que assistiram à agressão e nada fizeram para evitar o que aconteceu no dia 25 de Maio, foram também acusados. Aqueles sete minutos de pressão sobre o pescoço de Floyd, quando este se encontrava algemado e deitado de bruços na estrada, sem que fosse atendido o seu aflitivo aviso de que não conseguia respirar, estão a deixar a América revoltada.
Na versão policial, George Floyd teria tentado trocar uma nota falsa de vinte dólares numa loja, mas quando interceptado pela polícia não terá oferecido resistência. O que o polícia Chauvin fez com a sua intervenção de desproporcionada violência, certamente não aconteceu porque ele tenha instintos assassinos, mas porque foi formatado para o uso da violência física em todas as circunstâncias e porque vive num ambiente político de violência verbal e de ameaça, que está sempre presente no discurso de Donald Trump e dos seus apoiantes. Como sempre acontece nestes casos, quem se vai tramar é o mexilhão, mas é preciso ver que este Chauvin e muitos outros que existirão na América e no mundo, são o resultado de práticas autocráticas, em que existe a violação grosseira dos direitos humanos e se mantém as desigualdades sociais, em paralelo com a pobreza e o racismo.  
A revolta social e a onda de protestos anti-racistas e contra a violência policial iniciaram-se em Minneapolis mas estenderam-se a muitos outros estados e cidades americanas. Provavelmente, nada será como dantes, porque a força das redes sociais é um dado novo nos tempos que correm e George Floyd pode ser uma bandeira. A imagem que hoje foi publicada pelo New York Post vai figurar ao lado das mais importantes fotografias da história dos Estados Unidos.

O regresso da louca pandemia do futebol

O futebol recomeçou ontem em Portugal e, de imediato, tornou-se o assunto mais importante para a imprensa e para a televisão, bem como para os jornalistas, os jornalistas estagiários, os incontáveis comentadores e toda a enorme tribo que vegeta à volta do futebol. O recomeço da actividade futebolística em Portugal até foi notícia internacional, com o famoso diário francês L’Équipe a destacar esse acontecimento em primeira página. Realmente, neste canto lusitano da Europa não se fala de outra coisa e a chamada comunicação social rende-se a esta situação que é culturalmente deplorável e que é um atentado à nossa inteligência colectiva, com a televisão a gastar boa parte do seu tempo a falar dos aspectos marginais do futebol. Assim vive o nosso país em que, diariamente, há tantos jornais desportivos ou de futebol, como jornais de informação geral.
O futebol domina e torna-se secundário noticiar sobre a gravidade da crise pandémica, a preocupante situação económica e social, o desemprego e a quebra nas exportações, a falência do turismo, a situação nas escolas, a falta de credibilidade da Justiça e em especial do Ministério Público, a solução para a TAP e as incertezas do amanhã. Pouco sabemos do que se passa em Timor, em Honk Kong ou em Nova Iorque. Como é possível que directores, editores, coordenadores e os gatekeepers, se acomodem a esta situação em que, todos os dias, assistimos à criação de notícias em torno dos pseudo-acontecimentos futebolísticos?
O futebol é um espectáculo popular onde se revêm as paixões clubistas dos portugueses e, por isso, deve ter o seu espaço, embora limitado aos noventa minutos de jogo e pouco mais. Mesmo os que, como eu, gostam de futebol, o que se está a passar é um escândalo e está a estupidificar o país. Não consigo arranjar outras palavras para definir esta situação. Um extra-terrestre que aterrasse em Portugal ficaria a pensar que os dez milhões de portugueses vivem do futebol.