terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Se a esmola é grande, o pobre desconfia…

A edição online do Financial Times publicou há dois dias uma notícia assinada por Peter Wise, o seu correspondente em Lisboa, segundo a qual “Portugal é o herói-surpresa do crescimento da Zona Euro no que toca à recuperação económica”. Em Portugal rejubilou-se e com razão, porque se trata de uma notícia de enorme impacto, que não só valoriza a imagem externa do país, como vem acrescentar confiança aos potenciais investidores estrangeiros de que tanto carece a economia portuguesa.
Simbolicamente, o artigo centra-se no aeroporto de Lisboa onde, simultaneamente, se regista a saída diária de 200 jovens licenciados em busca de emprego no estrangeiro e, não muito longe, se vêem as lojas do aeroporto cheias de turistas e as exportações a sair pelos terminais de carga. O retrato escolhido é feliz, pois traduz a realidade portuguesa que é o êxodo resultante dos efeitos da recessão e da austeridade, mas também as consequências do aumento da competitividade da economia portuguesa. O elemento chave da notícia é o crescimento homólogo de 1,6% da economia portuguesa que se verificou no último trimestre de 2013, que ultrapassou o de todos os outros membros da Zona Euro, incluindo a Alemanha, mas também a modernização do tecido empresarial e o crescimento das exportações que, em quatro anos, aumentaram 24,2%. Porém, a notícia não trata de uma dívida pública de quase 130% do PIB, nem de um défice que, mesmo com medidas estraordinárias, será de cerca de 5%, nem de um desemprego de quase 16%, nem do empobrecimento do país, nem das ameaças à coesão social. A notícia é tão laudatória para Portugal, uma coisa rara nas páginas do Financial Times, que até ficamos desconfiados porque, como diz o povo, quando a esmola é grande o pobre desconfia. Apesar disso, Peter Wise termina o seu artigo a afirmar que, quando em fins de Junho terminar o programa de ajustamento, ficará para trás um rasto devastador de dezenas de milhar de pequenas empresas encerradas, de salários e pensões espremidas, de desigualdades agravadas, de vidas destruídas pelo desemprego de longa duração e, com a propósito, questiona-se se terá valido a pena.