Desde o ano de 1987, quando Portugal foi admitido na Comunidade Económica Europeia, que o deslumbramento e as facilidades tomaram conta dos portugueses e dos seus dirigentes. De repente, o país passou a aspirar à prosperidade europeia e Bruxelas tornou-se o destino prioritário dos nossos governantes, autarcas, assessores, técnicos e dirigentes muito diversos. Todos - o Estado, as Empresas e as Famílias - passaram a gastar demasiado em coisas não essenciais ou desnecessárias, com fundos próprios e com fundos comunitários, mas quase sempre com um excessivo endividamento. O Estado deixou-se engordar para satisfazer clientelas partidárias e cometeu exageros que são visíveis pelo país em infra-estruturas por vezes sumptuosas. Directa ou indirectamente, o subsídio passou a fazer parte da vida de muita gente. Os bancos perderam a cabeça e emprestaram o que tinham e o que não tinham. O apelo ao consumo e o crédito barato entusiasmaram os mais desatentos. Foram mais de vinte anos de euforia e de cegueira, até que os ventos da crise chegaram a Portugal, mostrando que os cofres estavam vazios, os credores à porta e que o país estava doente.
Quando alguém está doente, deve-lhe ser administrada a medicamentação adequada e proporcionada, nos exactos termos prescritos pelo médico. Nem mais, nem menos. Ao fim de um ano temos verificado como o monocórdico Gaspar – aquele valentão que ataca os fracos e se agacha com os fortes - com o pretexto de querer corrigir o défice público e reformar o Estado, mas sobretudo em obediência à troika, tem aplicado uma receita ao país que é uma verdadeira overdose. Ora, a realidade é que as overdoses enfraquecem os doentes e o resultado da overdose do Gaspar aí está: a emigração a aumentar, o desemprego a atingir os 15.4%, a pobreza a agravar-se, o pequeno comércio a fechar as portas, o interior a desertificar-se, a esperança a perder-se e a coesão social a fragmentar-se. Até o FMI e a OCDE acham que se tem ido longe demais.