A vida, a escola
e os amigos ajudaram-me a ser o que sou, mas a matriz da minha identidade
cívica e cultural aprendi-a desde muito jovem, sobretudo, com os meus Pais.
O meu Pai era um
homem rigoroso que, de cor e sem hesitações, me debitava páginas e páginas de Os Lusíadas, enquanto a minha Mãe era
uma mulher perspicaz que gostava muito de usar provérbios e ditados populares.
Um deles, que ela muitas vezes me repetia, era que “quem cabritos vende e
cabras não tem, de algum lado lhe vem”. Daí resultou, desde há muitos anos, a
minha desconfiança nos processos de acumulação de riqueza, no novo-riquismo, na chamada gente de
sucesso e, sobretudo, daqueles que se deixavam enrolar na teia da fama e da
vaidade que a comunicação social alimenta, enquanto me espantava a intrigante forma como a
Justiça e as Instituições pactuavam e conviviam com o que se passava. Muitas
vezes me ocorreu a famosa expressão de Sofia, “vemos, ouvimos e lemos, não
podemos ignorar”, mas parece que poucos viam, poucos ouviam, poucos liam e que
muitos ignoravam.
Porém, como
escreveu Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e, segundo parece,
“a tradição já não é o que era”, pelo que começaram a aparecer muitos casos que
estão a alarmar a sociedade portuguesa. Esses casos que têm vindo a público não
me surpreendem, mas surpreende-me que se continue a verificar um verdadeiro
abuso de poder por parte dos operadores judiciais e que a comunicação social se
comporte como um grupo de vira-casacas que, depois de endeusar essa gente, os
coloca agora sob a sua implacável guilhotina.
Não há quaisquer dúvidas que é um dever
democrático que as autoridades actuem contra quem viola as leis da República, mas não é tolerável o
abuso de poder e a prática das fugas cirúrgicas de informação, nem o abuso das
prisões preventivas e, sobretudo, a condenação na praça pública de tanta gente, antes de ser acusada e julgada.
Muita dessa gente, que conviveu
com os poderes políticos, que se sentou ao lado dos operadores judiciais e que foi
endeusada pelos mass media, está agora
no centro da crítica e da severa condenação de quem antes tanto os bajulou. Há
poucas histórias tão tristes como estas no Portugal contemporâneo.