sexta-feira, 9 de julho de 2021

As histórias tristes deste nosso Portugal

A vida, a escola e os amigos ajudaram-me a ser o que sou, mas a matriz da minha identidade cívica e cultural aprendi-a desde muito jovem, sobretudo, com os meus Pais.
O meu Pai era um homem rigoroso que, de cor e sem hesitações, me debitava páginas e páginas de Os Lusíadas, enquanto a minha Mãe era uma mulher perspicaz que gostava muito de usar provérbios e ditados populares. Um deles, que ela muitas vezes me repetia, era que “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem”. Daí resultou, desde há muitos anos, a minha desconfiança nos processos de acumulação de riqueza, no novo-riquismo, na chamada gente de sucesso e, sobretudo, daqueles que se deixavam enrolar na teia da fama e da vaidade que a comunicação social alimenta, enquanto me espantava a intrigante forma como a Justiça e as Instituições pactuavam e conviviam com o que se passava. Muitas vezes me ocorreu a famosa expressão de Sofia, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, mas parece que poucos viam, poucos ouviam, poucos liam e que muitos ignoravam.
Porém, como escreveu Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e, segundo parece, “a tradição já não é o que era”, pelo que começaram a aparecer muitos casos que estão a alarmar a sociedade portuguesa. Esses casos que têm vindo a público não me surpreendem, mas surpreende-me que se continue a verificar um verdadeiro abuso de poder por parte dos operadores judiciais e que a comunicação social se comporte como um grupo de vira-casacas que, depois de endeusar essa gente, os coloca agora sob a sua implacável guilhotina. 
Não há quaisquer dúvidas que é um dever democrático que as autoridades actuem contra quem viola as leis da República, mas não é tolerável o abuso de poder e a prática das fugas cirúrgicas de informação, nem o abuso das prisões preventivas e, sobretudo, a condenação na praça pública de tanta gente, antes de ser acusada e julgada. 
Muita dessa gente, que conviveu com os poderes políticos, que se sentou ao lado dos operadores judiciais e que foi endeusada pelos mass media, está agora no centro da crítica e da severa condenação de quem antes tanto os bajulou. Há poucas histórias tão tristes como estas no Portugal contemporâneo. 

1 comentário:

  1. Felicito-te por este teu grito quase de desespero pela promiscuidade oportunista e populista que actualmente grassa entre alguns actores do nosso sistema judicial e da comunicação social, que nada abonam em prol dos mesmos e pela forma escorreita e clara como o exprimes.
    Se mo permites, subscrevo completamente o que dizes, com igual tristeza.

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