O tempo dos
golpes de estado militares já passou e, por isso, os acontecimentos que no
início da passada semana ocorreram na Birmânia, surgem ao arrepio da História.
A Birmânia, também chamada Burma e que, desde 1989, tomou o
nome de Myanmar, é um país budista que tem uma história complexa, sobretudo
depois de ter feito parte da Índia britânica ou Raj, entre 1885 e 1948, data em
que se tornou independente.
Um golpe de estado militar impôs uma ditadura ao país em
1962, mas sob a pressão internacional, em 1990 houve eleições que foram ganhas
pela senhora Aung San Suu Kyi e a NLD – National League for Democracy, com uma
campanha em que defendiam a restauração da democracia no país. O regime militar
não aceitou os resultados, prendeu-a e manteve-a presa no seu domicílio durante
15 anos, apesar de ter recebido o Prémio Nobel da Paz em 1991. Finalmente, após
49 anos, em 2011 os militares anunciaram o abandono do poder. Houve eleições em
2015 e a senhora Aung San Suu Kyi e a NLD voltaram a ganhar as eleições, mas
ela foi impedida constitucionalmente de assumir a chefia do Estado porque os
seus filhos têm nacionalidade estrangeira, pelo que foi criado o cargo de
Conselheiro de Estado, que ela ocupou com poderes semelhantes aos do
Primeiro-Ministro. A vida política birmanesa parecia correr normalmente e, no
passado mês de Novembro, a senhora Aung San Suu Kyi e a NLD voltaram a ganhar
as eleições. Os militares não gostaram e, no dia 1 de Fevereiro, tomaram o
poder, tendo detido o presidente Win Myint, a conselheira Suu Kyi, muitos
membros do NLD e decretado o estado de emergência. Aparentemente, só a China
apoiou este golpe para proteger os seus enormes investimentos no país, enquanto
as forças democráticas, os estudantes, o pessoal de saúde e outros sectores da
população têm vindo para as ruas para contestar a ditadura militar e para apelar
à desobediência civil.
Hoje, o jornal francês Libération dedica a sua
primeira página à contestação à ditadura militar birmanesa, à detenção de Aung
San Suu Kyi e ao cri du peuple birman.