sexta-feira, 13 de junho de 2014

Eles comem tudo… e não deixam nada

Há pouco tempo, na sua descarada campanha de propaganda, o governo vangloriava-se por aquilo a que chamou saída limpa, pois o programa de ajustamento económico-financeiro conduzido pela troika tinha sido um sucesso, mas muitas declarações então produzidas cobrem agora de ridículo os seus autores, pelo menos aqueles que ainda têm vergonha na cara. Nesse campo do ridículo destacou-se o irrevogável ministro que até instalou um relógio na sede do seu partido para assinalar o tempo que faltava para o restauro da nossa soberania, comparando-a com o restauro da nossa independência em 1640. Era tudo arrogância e auto-satisfação. Os vícios do anterior governo estavam corrigidos. A credibilidade externa do país estava recuperada. Os famosos mercados estavam rendidos à eficiência lusitana. Os juros da dívida baixavam continuadamente. A economia dava sinais de recuperação e só as exportações não ajudavam por causa dos trabalhos de manutenção na refinaria de Sines.
Três anos depois da chegada da troika, a realidade começou a ver-se com clareza e a decepção é completa, pois não só se agravaram as principais variáveis macroeconómicas, como o nosso tecido social se degradou enormemente. Acusaram-nos de vivermos acima das nossas possibilidades e decidiram empobrecer-nos, enquanto o seu novo-riquismo pacóvio tem esbanjado os nossos impostos, com as suas multidões de assessores, os seus carros pretos de alta cilindrada e as suas viagens faraónicas. A dignidade e a independência nacionais foram violadas perante a passividade dos nossos governantes. A necessária reforma do Estado ficou na gaveta. A base social de apoio do governo é cada vez mais estreita. Os recentes ataques feitos ao Tribunal Constitucional são um mau exemplo de convívio democrático e revelam que os nossos governantes não se sabem dar ao respeito.
Hoje, os jornais dizem que “cortes salariais regressam para 400 mil” (Jornal de Notícias), que “carta ao FMI promete mais rescisões no Estado” (Diário de Notícias) e que “governo quer novos cortes na função pública já em Agosto” (Jornal i).
Esta gente andou a enganar-nos e só nos lembramos d’Os vampiros de Zeca Afonso porque, tal como acontecia antigamente, eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada.

Navegar é preciso

Estamos a três semanas de se iniciar a famosíssima regata - The Tall Ships Race 2014 - que este ano decorre entre os dias 3 de Julho e 5 de Agosto numa área muito limitada do Mar do Norte e que partirá de Harlingen (Holanda), com paragens em Fredrikstad e Bergen (Noruega) e em Esbjerg (Dinamarca), estando prevista a participação de oito dezenas de veleiros, incluindo o lugre português Santa Maria Manuela. Os veleiros participantes já começaram a convergir para a área de partida e um desses navios é o Kruzenshtern, que é o segundo maior veleiro do mundo e serve de navio-escola da Marinha russa, que esta semana visitou o porto francês de Le Havre e mereceu honras de primeira página no jornal Le Havre Presse.
Trata-se de uma barca com 4 mastros e 114 metros de comprimento que foi construída em 1926 nos estaleiros alemães de Bremerhaven, que foi utilizado no transporte de minério entre o Chile e a Alemanha, que serviu depois de navio-escola alemão no mar Báltico e que veio a ser capturado pelos Aliados e entregue à Rússia como compensação de guerra. Em 1954 adoptou o seu actual nome e foi integrado na Marinha russa.
A visita de um navio ao porto de Le Havre, situado na região administrativa da Alta Normandia que tanto sofreu durante a 2ª Guerra Mundial, é um acontecimento de rotina. Porém, o destaque que a imprensa local dá à visita de um veleiro é esclarecedor do interesse pelas actividades marítimas e pelo simbolismo dos grandes veleiros. Aqui, neste “jardim à beira-mar plantado”, continuamos a utilizar uma retórica de grande maritimidade, mas na realidade continuamos de costas voltadas para o mar quando, cada vez mais, “navegar é preciso”.