sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Uma crise que não é para todos

Os porta-vozes do governo têm utilizado a palavra ténue para classificar os sinais positivos de recuperação económica que se estarão a verificar. De facto, ainda não se vislumbram sinais inequívocos de uma retoma económica sustentada, apesar do país ter saido da recessão em que estava mergulhado desde finais de 2010, da produção nacional ter crescido no segundo e no terceiro trimestres de 2013 e do desemprego ter diminuido ligeiramente, ao mesmo tempo que as exportações e o turismo têm registado um comportamento favorável. Ontem foram conhecidos mais alguns sinais que apontam para a referida recuperação económica ténue, através da divulgação das estatísticas das vendas de automóveis ligeiros de passageiros em 2013.
De acordo com a Associação Automóvel de Portugal (ACAP), o número de veículos comercializados em 2013 totalizou 113 435 – entre ligeiros de passageiros, comerciais ligeiros e veículos pesados (camiões e autocarros) – mas esse número ainda ficou abaixo de metade das mais de 275 mil unidades que se comercializavam anualmente em Portugal antes da crise. Porém, depois das vendas terem batido no fundo em 2012, este ano iniciou-se uma ligeira recuperação com uma subida de 11,7%, o que representou a comercialização de mais 13 249  veículos do que no ano anterior, em que se verificara uma queda anual de quase 41%.
Porém, as estatísticas da ACAP revelam um paradoxo que resulta da política de enriquecer os ricos e de empobrecer a classe média: a crise no sector automóvel não afectou a venda de carros de luxo que aumentou 23,3%, com as marcas Porsche, Jaguar, Lexus, Aston Martin, Ferrari, Bentley, Lamborghini e Lotus a venderem 632 veículos, isto é, mais 120 unidades do que em 2012. Outro dado curioso refere-se à marca BMW que vendeu 7629 unidades, número que se traduziu num aumento de 20% face a 2012 e levou esta marca à sua melhor quota de mercado de sempre (7,2%) e a manter-se na 4ª posição no ranking das marcas de automóveis ligeiros de passageiros mais vendidos em Portugal, depois da Renault, da Volkswagen e da Peugeot. Estes números só mostram que a crise não é para todos e deviam fazer corar de vergonha os nossos governantes.

A mentira e o ataque aos pensionistas

Prossegue a saga da manipulação discursiva e da mentira descarada que o governo tem usado e, nesse aspecto, é bom lembrar as declarações feitas no dia 1 de Abril de 2011 em Vila Franca de Xira pelo então candidato a primeiro-ministro:
- Vai tirar os subsídios de férias aos nossos pais?
- Nós nunca falámos disso. Isso é um disparate!
Com a vitória eleitoral, a mentira instalou-se no discurso governamental. Passou a valer tudo, contrariando-se os programas e as promessas eleitorais, aceitando-se a humilhação perante a troika e desafiando-se muitas vezes o próprio Tribunal Constitucional (TC). Quase três anos de austeridade e sacrifício não resolveram as nossas dificuldades. Agora, para tapar o "buraco" orçamental de 388 milhões de euros (0,2% do PIB) criado pelo chumbo do TC à convergência de pensões do sistema público com o privado, o governo decidiu alargar a base de incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) e reforçar o autofinanciamento da ADSE, isto é, atacar sempre os mesmos. É uma obcessão e um fanatismo esta perseguição aos pensionistas. Podiam ir aos lucros monumentais da EDP e similares, às PPP da Mota-Engil, do grupo Espírito Santo e do grupo Mello, às rendas excessivas, aos swaps e, para dar o exemplo, cortar no despesismo dos gabinetes ministeriais e do parlamento. Mas não. Insistem na mesma austeridade contra os mesmos. O irrevogável ministro esqueceu tudo o que disse em Maio sobre “a fronteira que não posso deixar passar” e sobre “o cisma grisalho”. Vale tudo. A mentira continua e é cada vez mais sofisticada, porque o governo anuncia que não haverá mais aumento de impostos, mas na realidade o que ontem foi anunciado é um segundo imposto sobre o rendimento pessoal dos pensionistas, violando assim o preceito constitucional de este imposto ser único.