Ontem pelas 20:00
horas, no Largo dos Caminhos de Ferro em Lisboa, em frente da Estação de Santa
Apolónia e ao lado do Museu Militar, uma fila com cerca de três dezenas de
pessoas esperava a sua vez para receber uma refeição, que alguns jovens distribuiam. Foi uma impressionante cena que fotografei, reveladora da
quase tragédia social a que nos conduziram as políticas que têm sido impostas
pela troika e que os nossos
governantes têm escrupulosamente cumprido sem qualquer sensibilidade social. Não
era gente sem abrigo. Era gente com fome. Era a sopa dos pobres nas ruas de
Lisboa.
Quando há menos
de um mês, durante a sessão evocativa dos 40 anos do 25 de Abril que se
realizou na Fundação Gulbenkian, o ex-presidente Ramalho Eanes disse que “a unidade [nacional] não se mantém com este nível de
desemprego, de miséria e de portugueses com fome, que é uma coisa que nos
ofende e que não deveríamos permitir", até poderia ter havido quem
pensasse tratar-se de uma figura de retórica. Mas ontem, em frente da
Estação de Santa Apolónia e ao lado do Museu Militar, estava ali à vista o retrato de uma realidade de que os
jornais e os jornalistas não falam, exactamente no mesmo local onde há poucos
dias tinham atracado os grandes navios de cruzeiro internacionais e tinham
desembarcado milhares de turistas endinheirados, para gáudio dos que só pensam
“nas nossas exportações”. Tudo isto nos ofende, tudo isto nos envergonha. No
mesmo dia há uma sumptuosa comitiva presidencial que se passeia pela China a
esbanjar o dinheiro dos nossos impostos e da nossa desgraça social, enquanto está
anunciada uma reunião magna da troika em Portugal que, sobre os destroços da
batalha que conduziu, vem celebrar a sua vitoriosa campanha de empobrecimento
nacional e vergar-nos à sua arrogância com a nossa submissão. Apesar deste
quadro de desolação está a decorrer uma gigantesca campanha de propaganda a
enaltecer os méritos de uma governação que é responsável pela cena que ontem
fotografei em frente da Estação de Santa Apolónia e ao lado do Museu Militar.