quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Os horácios que nos governam

A história é muito conhecida e é contada de muitas maneiras, embora na sua forma mais comum seja apresentada como a história de “Horácio e o lobo”. A história conta-se, habitualmente, da seguinte maneira:
Era uma vez um rapaz que se chamava Horácio que era pastor e que costumava guardar as suas ovelhas na encosta de um monte situado junto à aldeia onde vivia. Horácio tinha o hábito de mentir. Um dia lembrou-se de rir à custa dos vizinhos e pôs-se a gritar muito alto: “Aí vem lobo! Aí vem lobo!” Os camponeses que o ouviram, correram para o ajudar mas não viram qualquer lobo. Voltaram para o trabalho, a pensar que o lobo se tivesse assustado e fugido, enquanto Horácio se ria dos camponeses que enganara. Na semana seguinte Horácio repetiu a brincadeira e gritou de novo: “Aí vem lobo! Aí vem lobo!” E os camponeses correram para o ajudar, embora em menor número do que da primeira vez, mas não viram qualquer lobo e sentiram-se enganados pelo mentiroso Horácio. Passado algum tempo, Horácio andava na encosta da serra a guardar as suas ovelhas, quando um enorme lobo apareceu e se lançou sobre o rebanho. Então, em desespero, Horácio gritou: “Acudam! Socorro! Lobo! Lobo!” Ninguém fez caso dele e ninguém acudiu. Horácio bem lutou com o lobo mas, apesar dos seus esforços, não conseguiu evitar que ele apanhasse uma das suas melhores ovelhas. Ferido e com a roupa rasgada, Horácio voltou a casa cansado e triste. Contou aos camponeses o que lhe tinha acontecido e censurou-os por não o terem socorrido. Então, um deles disse-lhe: “Nós bem ouvimos os teus gritos, mas pensamos que uma vez mais te querias rir de nós. És um mentiroso!”.
Esta história ocorreu-me por verificar que temos um governo com muitos horácios: o Horácio Coelho, o Horácio Portas, o Horácio-Branco, o Horácio Crato, o Horácio Maduro e o Horácio Moedas, entre vários outros horácios. Mentiram-nos tanto que, mesmo quando anunciam alguns sinais de recuperação económica e social, já poucos acreditam neles.

A triste trapalhada dos Mirós

O Estado Português herdou um activo constituído por 85 quadros de Joan Miró que tinham pertencido ao BPN e, lamentavelmente, decidiu vendê-los. Os quadros encontravam-se à guarda da Parvalorem,SA gerida por um tal Nogueira Leite, parecendo ser a única coisa boa que herdamos do BPN, que tanto tem custado aos contribuintes portugueses e que continua a ser um dos maiores escândalos da nossa democracia pela impunidade com que têm sido tratados os responsáveis por essa fraude. A existência desta colecção surrealista em Portugal podia contribuir para uma afirmação de modernidade e para aumentar e diversificar a nossa oferta cultural, tornando-se numa atracção museológica e num polo de atracção para o turismo.  Nessas condições não deveria ter sido decidida a sua venda, conforme propuseram os especialistas e a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), pelo menos sem que houvesse uma prévia discussão pública sobre o assunto. Porém, o Estado e o Ministério das Finanças e a Parvalorem,SA e o Secretário de Estado da Cultura embrulharam-se e, obcecados no seu fanatismo financeiro, decidiram a venda da colecção demonstrando uma total ausência de sensibilidade pela problemática cultural, tendo contratado a venda com a famosa leiloeira Christie’s.
No entanto, não foram cumpridos os procedimentos legais a que a Lei de Bases do Património Cultural obriga e a colecção viajou ilegalmente para Londres sem que a DGPC tivesse autorizado a sua saída. Alguns políticos e muitos cidadãos reagiram e interpuseram uma providência cautelar para suspender a venda da colecção. O tribunal não se opôs à venda dos quadros, mas declarou ilegal a sua saída de Portugal, uma vez que não teve a prévia autorização da DGPC. Porém, muito prudentemente, a leiloeira Christie’s decidiu suspender o leilão, devido às incertezas legais que eventualmente poderiam prejudicar os compradores. Essas incertezas legais não resultaram da opção de vender ou não vender, mas tão só pela saída ilegal das obras para o estrangeiro que as entidades responsáveis não acautelaram. Eis aqui o resultado da teimosia dos fanáticos que nos governam e que se tornou em mais um enxovalho internacional para todos nós.