A província
moçambicana de Cabo Delgado tem vivido em estado de guerra desde 2017 e como
resultado da acção armada de grupos insurgentes estão contabilizados dois mil
mortos e 600 mil deslocados. As raízes do conflito são complexas mas parecem
assentar em sérias divergências com um governo que se encontra a 2.500
quilómetros de distância e que tem revelado incapacidade para discutir a situação
e para ajudar os que precisam, optando por uma abordagem essencialmente militar
e parecendo esquecer a componente religiosa do conflito. No litoral de Cabo
Delgado o islamismo está implantado há muitos séculos e do actual
descontentamento tem resultado a progressiva radicalização no terreno, com
ideologias e práticas jihadistas inspiradas pelas suas ligações à umma regional e global. Por outro lado,
a riqueza local em gás natural e outros recursos é também uma variável
importante neste conflito e o Estado Islâmico, que inicialmente não se terá
envolvido na insurgência, parece que desde há alguns meses passou a dominar a actuação
dos grupos armados insurgentes.
As Nações Unidas
e o Papa têm referido as suas preocupações, sobretudo em relação aos
deslocados, calculando-se que na cidade de Pemba se encontrem cerca de 150 mil
pessoas deslocadas e em deficientes condições humanitárias. É nesse contexto
que D. Luiz Fernando Lisboa, o missionário brasileiro que é Bispo de Pemba, se
tem erguido com uma das vozes mais críticas do governo moçambicano pela sua
inoperância na abordagem deste conflito, na denúncia do radicalismo e das
violações de direitos humanos que ocorrem no terreno e pelo seu trabalho na
ajuda e protecção dos deslocados que fugiram do mato.
Há uma semana o Bispo de Pemba foi recebido em prolongada audiência pelo Papa Francisco e agora o semanário
independente Savana, que se publica em Maputo, escolheu-o como
“a nossa figura do ano”, por ser “a voz da tragédia de Cabo Delgado”. Daqui de muito longe, recordamos a antiga cidade de Porto Amélia, achamos que o semanário escolheu bem e daí o nosso
aplauso.