No dia 1 de
fevereiro de 1954 – há 70 anos – um padre francês chamado Henri Grouès, nascido
em Lyon em 1912 e que, enquanto membro da Resistência Francesa, tinha adoptado
o nome de Abbé Pierre, impressionado pela situação de falta de alojamentos que
se seguiu ao pós-guerra e à onda de frio que então assolava a França, que em
Paris atingiu 17 graus negativos e que estava a causar muitas mortes em todo o
país, lançou um apelo na Radio Luxembourg: “Viens m’aider à aider”. Este seu
apelo veio a ser popularizado como “l’insurretion de la bonté” e visava
socorrer os mais necessitados e, em especial, os sem-abrigo, pois o Abbé Pierre
dizia que “o primeiro dever de um governo era alojar o seu povo”.
Passaram-se
setenta anos e, tal como acontece um pouco por toda a Europa, também a França
vive um grave problema de carência de alojamentos, estimando-se que em 2023
tenha havido 2,6 milhões de franceses que requereram uma habitação social. O
jornal l’Humanité evocou o legado do Abbé Pierre e anunciou, com
destaque de primeira página, que a França tem cerca de 330.000 pessoas
sem-abrigo, enquanto salientava que a Association Droit Au Logement (DAL), tem
criticado duramente as políticas do presidente Macron sobre esta matéria. A
França é um país grande e rico, pelo que é impressionante a existência de um
tão elevado número de sem-abrigo, pois é um sinal de forte desigualdade social
e uma violação de direitos humanos.
Em Portugal é
evidente que há cada vez mais pessoas a viver nas ruas, em tendas e cartões,
empurradas pela crise da habitação, pela imigração e pela pobreza. Segundo os
estudos mais conhecidos, em 2022 viviam como sem-abrigo em Portugal mais de
10.700 pessoas, entre homens, mulheres, jovens, idosos, estrangeiros e famílias
inteiras, sendo que 5975 viviam na rua e na condição de sem-tecto, enquanto
cerca de 4800 viviam num alojamento temporário. Isto era em 2022, mas o
problema agravou-se.
Em França ou em
Portugal, o drama dos sem-abrigo é uma violação dos direitos humanos, mas
parece despertar pouco interesse nos poderes públicos, cujo primeiro dever não tem sido alojar o povo, como defendia o Abbé Pierre. Enquanto isto, a maioria de nós olha para o lado e assobia...