terça-feira, 18 de março de 2014

Prosperidade virtual ou pura vaidade?

A ACAP – Associação Automóvel de Portugal divulgou as suas estatísticas de vendas de veículos automóveis ligeiros e pesados, tanto de passageiros como de mercadorias e, surpreendentemente, verifica-se que nos primeiros dois meses de 2014 o mercado automóvel português cresceu 38,3% relativamente ao período homólogo de 2013. Estes números constituem um indicador de que a confiança parece estar a regressar aos consumidores e que, portanto, a economia tem essa condição essencial para entrar num novo ciclo, a juntar à retoma que se começa a verificar na Europa. Apesar de já estarmos a assistir a uma campanha de propaganda para fins eleitorais, com análises irrealistas quanto à situação económica, não há dúvidas que o mercado automóvel está a dar sinais positivos: a venda de veículos ligeiros de passageiros atingiu 19.801 unidades (crescimento de 36,2%), enquanto a venda de veículos comerciais ligeiros se cifrou em 3320 unidades (crescimento de 54,1%).
A análise das vendas por marcas também é surpreendente. Apesar da Renault e da Peugeot serem as marcas mais vendidas em Portugal, seguem-se no respectivo ranking a Volkswagen, a BMW, a Mercedes e a Audi, com a particularidade de nos dois primeiros meses do ano de 2014, as marcas BMW e Mercedes terem registado aumentos de vendas superiores a 50%, relativamente ao período homólogo de 2013. Porém, a surpresa não se fica por aí. A marca Porsche também vendeu 43 unidades, o que corresponde a um aumento de 53,6% relativamente ao período homólogo de 2013, enquanto a Ferrari que nos dois primeiros meses de 2013 não vendera quaisquer unidades, surge com 3 unidades vendidas nos dois primeiros meses de 2014. É caso para nos interrogarmos sobre o que é que está de volta: a prosperidade ou a vaidade dos portugueses?

O ataque aos benefícios fiscais

Um relatório de 82 páginas intitulado Despesa fiscal 2014 que o governo tornou público e que alguma imprensa comentou, salienta que os benefícios fiscais concedidos pelo Estado em sede de IRS — como as deduções à colecta de despesas com saúde, habitação, educação e protecção social — têm vindo a encolher de ano para ano desde a chegada da troika. O relatório constitui um bom documento de esclarecimento público sobre a despesa fiscal, um conceito que agrupa o conjunto de medidas vulgarmente conhecidas por benefícios fiscais e que são destinadas a incentivar determinados comportamentos ou actividades económicas.
O relatório revela a dureza das políticas adoptadas pelo governo/troika ou pela troika/governo, ao mostrar que entre 2011 e 2014 se verificou uma redução de 35% das despesas fiscais das Administrações Públicas, resultante das políticas restritivas impostas no âmbito do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro. Essa redução correspondeu a uma diminuição de cerca de 4,81 mil milhões de euros, sendo que essa “poupança governamental” representou uma redução na despesa fiscal global das Administrações Públicas de cerca de 2,6% do PIB. O relatório enumera e descreve as diferentes modalidades da despesa fiscal e, relativamente às deduções à colecta em sede de IRS, revela que estas passaram de 3743 milhões de euros em 2011, para 2728 milhões de euros em 2014.
Como titula o Jornal de Notícias, as “Famílias perdem mil milhões no IRS”, como consequência da redução dos limites nas deduções à colecta e, em termos médios, só com os cortes nas deduções nas despesas de educação, saúde e habitação, a factura do IRS custou mais de 250 euros a cada agregado familiar. O corte mais substancial verifica-se na saúde que conta agora com menos 433 milhões de euros do que em 2011, isto é, menos 67% da verba disponível há quatro anos. Logo atrás encontam-se as verbas previstas para o crédito à habitação que no mesmo período caíram 376 milhões de euros (62%) e para a educação em que a redução das despesas foi de 32 milhões de euros (11%). Assim, o reembolso de IRS, que até há pouco tempo era sinónimo de alívio para as Famílias e que muitas vezes era utilizado para ajudar a pagar seguros ou créditos à habitação, está cada vez mais curto. Naturalmente que esta quebra no rendimento das pessoas, a juntar aos enormes impostos directos e indirectos, tem inúmeras consequências negativas para a sociedade e é um factor de empobrecimento.