terça-feira, 4 de agosto de 2020

O jornal do homem que vai "arrasar"


Ninguém tem dúvidas que a comunicação social portuguesa atravessa uma grave crise de ausência de qualidade e de credibilidade. Ler jornais ou ver televisão é um exercício doloroso para o leitor ou para o telespectador, que são confrontados com uma informação sensacionalista e até inverdadeira, desproporcionada, repetitiva, desinteressante, servindo interesses particulares e que, por vezes, é escandalosamente mentirosa. Naturalmente, há algumas excepções mas isso são raridades, porque ab initio os meios de comunicação estão alinhados com interesses, mais ou menos escondidos, além de lutarem pelas audiências e pelo bolo publicitário.
Numa altura em que muita coisa importante acontece e em que há uma grande incerteza no mundo, a futebolite voltou a tomar conta da nossa comunicação social, não para assinalar qualquer acontecimento desportivo relevante, mas apenas para promover a chegada de um treinador de futebol arvorado em messias e da sua enervante vaidade pessoal. A cobertura mediática deste vulgar episódio, que até talvez merecesse uma notícia de rodapé numa página par do jornal, foi intensiva e extensiva, transformando-se numa acção de propaganda que teve a cumplicidade dos jornais e das televisões. Nem A Bola resistiu a esta loucura mediática.   
Durante muitos anos, o prestígio de Cândido de Oliveira fez daquele jornal uma referência da imprensa desportiva e o jornal português de maior difusão. Era considerado como a bíblia do futebol e as suas edições chegavam a todo o mundo, parecendo que por vezes até serviam para que os leitores aprendessem português. Porém, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, como escreveu Camões. Esquecendo aquilo a que o próprio jornal no domingo chamou “domínio azul”, tratou de se submeter servilmente à onda mediática dominante e assumir-se como porta-voz de um homem que é treinador de futebol e que nem sequer é benfiquista, destacando-lhe os seus disparatados dislates como aquele “vamos arrasar”. Qual é a seriedade de A Bola, agora escandalosamente alinhada com um treinador que promete arrasar? Arrasar o quê ou arrasar quem? Os benfiquistas que se cuidem porque, mesmo com os favores que A Bola faz a este treinador, cuja arrogância faz lembrar uma espécie de Trump ou de Bolsonaro do futebol, vão ter uma caminhada difícil pela frente. Ou será que acreditam neste malabarista e nesta orquestração?