sexta-feira, 7 de março de 2014

Como eles ameaçam as nossas poupanças

Aqui há dias houve um indivíduo - por acaso bem instalado na vida, que até é Conselheiro de Estado e que tem estado sempre ao lado dos poderes dominantes - que esteve em audiência na Assembleia da República na qualidade de presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS), a entidade que congrega todos os bancos que operam em Portugal e que gere todo o sistema de cartões de débito (Multibanco).
O dr. Vítor Brinquete Bento, assim se chama a referida personagem, tem um percurso de vida que parece respeitável, mas deve andar transtornado com as desgraças por que passa a gananciosa banca e, vai daí, quis ajudar os apetites insaciáveis dos seus patrões e sugeriu que o levantamento de dinheiro nas caixas Multibanco pagasse imposto de selo, o que constituiria uma fonte de receita para o Estado e um proveito adicional para a banca sob a forma de comissão. Mais uma vez, comiam o Estado e a banca, enquanto o mexilhão pagava.
Segundo revela a escassa imprensa que pegou neste assunto, os partidos políticos foram unânimes na condenação desta sugestão contabilística do dr. Briquete, o que mostra como é possível estabelecer consensos políticos sobre muitas matérias. Esta ideia do Dr. Brinquete é um absurdo que nem ao diabo lembra, pois seria mais um confisco ilegal e fraudulento feito aos depositantes, que são os únicos donos do dinheiro. É grave que esta lógica se esteja a instalar no cérebro de “gente que se fez a pulso” e que esquece tudo o que passou para chegar onde chegou. Amanhã ainda se vão lembrar de criar um imposto para quem tenha a ousadia de se manter vivo depois da idade da reforma ou para quem apenas quiser ter o direito de respirar ou de sonhar com uma sociedade mais justa.

Uma obra para ver - Ode Marítima

A apresentação em Lisboa da Ode Marítima de Álvaro de Campos - um dos heterónimos de Fernando Pessoa  - que está em cena desde o dia 6 até ao dia 16 de Março no Teatro Municipal de São Luiz, é um acontecimento cultural relevante que assinala o centenário da criação desta obra.
Frequentemente considerada como uma das maiores obras poéticas da literatura portuguesa, a Ode Marítima tem uma excelente interpretação de Diogo Infante, música original de João Gil e direcção cénica de Natália Luiza, estando a despertar o interesse do público, atraído pela oportunidade de “conhecer ao vivo” uma das mais belas obras literárias de Fernando Pessoa. É um poema futurista, mas é sobretudo uma história que entusiasma pelo seu ritmo e diversidade, que trata de marinheiros e de navios, de viagens e de faróis, de portos e de cais...
Relembrando:

     Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
     Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido,
     Olho e contenta-me ver,
     Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
     ...
     Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
     E quando o navio larga do cais
     E se repara de repente que se abriu um espaço
     Entre o cais e o navio,
     ...
     As viagens agora são tão belas como eram dantes
     E um navio será sempre belo, só porque é um navio.
     ...
     O olhar humanitário dos faróis na distância da noite...

Numa época em que o teatro tem vindo a perder público relativamente a outras artes do palco, é encorajador verificar como Fernando Pessoa e um dos textos mais clássicos da literatura portuguesa sobem ao palco e atraem o interesse do público jovem e menos jovem.