quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

As inundações que os políticos ignoraram

Depois de alguns meses de seca extrema, com os rios a minguarem os seus caudais e as barragens a descer a níveis preocupantes, o território continental português foi servido por chuvas abundantes nos últimos dias. As barragens que no verão estavam praticamente vazias começaram a encher-se e, no norte e no centro, já estão com um nível de enchimento médio ou acima da média. Porém, esta é a face positiva de uma moeda que, na outra face, tem revelado aspectos catastróficos, sobretudo na região de Lisboa e em alguns municípios do Oeste e do Alentejo.
A intensidade das chuvas e a subida do nível das águas apanhou a população e as autoridades desprevenidas, como se não fosse uma situação que ciclicamente acontece. A água entrou em habitações e lojas, inundou ruas e bloqueou viaturas na área metropolitana de Lisboa, nomeadamente em Lisboa, Oeiras, Loures, Odivelas e Cascais, provocando avultados prejuízos que ainda estão por avaliar. Hoje o Diário de Notícias publica, com destaque de primeira página, uma fotografia de uma rua de Algés, em que se vê um bote de borracha da Marinha...
Já se estima que tenham sido afectados mais de cem mil pequenos negócios e mais de quatrocentos mil postos de trabalho. A televisão não se cansou de mostrar tudo o que as inundações fizeram, bem como as explicações dadas por tantos especialistas.
A primeira justificação avançada para explicar esta tragédia provocada pela meteorologia são as alterações climáticas, mas o excesso de chuva só explica uma parte do que aconteceu. O problema é, como toda a gente sabe, a falta de escoamento nas áreas urbanas, o entupimento de condutas, os excessos de impermeabilização urbana, a obstrução das ribeiras naturais e a construção desregrada em zonas de cheia, entre muitas outras razões. O falecido arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles explicou isso inúmeras vezes e parece que ninguém lhe deu ouvidos. Os decisores políticos parecem preocupar-se apenas com a navegação à vista de costa até às próximas eleições, para segurarem os seus lugares. Não ouviram quem deveriam ter ouvido e ignoraram este problema, porque o que é necessário fazer será sempre uma obra sem visibilidade e que não dá votos. Irresponsavelmente, desculpam-se com as alterações climáticas.

Qatar: a Argentina chega à sua sexta final

O futebol continua a suscitar o entusiasmo do planeta quando faltam apenas quatro dias para se conhecer o novo campeão do mundo a coroar no Qatar.
Ontem, a Argentina venceu a Croácia por 3-0 e foi apurada para a final. Nem a guerra na Ucrânia, nem as tensões fronteiriças entre a China e a Índia, nem o abalo por que passa o Parlamento Europeu ou as inundações em Portugal, têm hoje tanto destaque na imprensa mundial como a vitória argentina e a superior exibição de Lionel Messi. O diário Clarín que se publica em Buenos Aires e que se julga ser o maior jornal de língua espanhola, destaca com uma fotografia a toda a largura da sua primeira página, mais este passo “por el tercer Mundial”. De facto, a Argentina já venceu o Mundial por duas vezes, em 1978 e 1986, pelo que aspira a uma terceira vitória, embora também já tenha perdido três finais em 1930, 1990 e 2014. Hoje será conhecido o outro finalista no jogo que vai ser disputado entre a França, que é o actual campeão do Mundo, com a surpreendente equipa de Marrocos. Desde que os marroquinos derrotaram os portugueses e se tornaram a primeira equipa africana a atingir as meias-finais de um campeonato do mundo, que a tensão é enorme entre a comunidade marroquina em França. 
No jogo de hoje entre franceses e marroquinos vai estar em disputa muito mais do que o acesso à final, pois estarão em confronto relações históricas de dependência e de desigualdade, com o ex-oprimido a ter a oportunidade de lutar em igualdade com o ex-opressor, mas também as tensões herdadas do domínio colonial e da emigração marroquina. O futebol já não é apenas uma actividade desportiva, um grande espectáculo e um poderoso negócio de contornos pouco conhecidos, mas tornou-se numa expressão do prestígio das nações, das suas ambições e das suas reivindicações por verdadeiros estatutos de igualdade.