quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Há Qatar e Qatar... há gastar e gastar

Na semana passada, quando a selecção nacional de futebol bateu a sua congénere da Nigéria por 4-0, um desmedido entusiasmo tomou conta daqueles que mais influenciam o nosso país, isto é, as televisões e os seus gatekeepers. O presidente da República associou-se a essa onda e logo tratou de anunciar que estaria no Qatar para apoiar a selecção, porque disse ser “de interesse nacional”, tendo essa intenção aqui sido criticada, mais por razões económicas do que por razões políticas.
Nos dias seguintes muitas vozes se levantaram contra aquela intenção do presidente da República, porque a sua deslocação iria caucionar o regime do Qatar, que viola os direitos humanos e discrimina as mulheres, mas que também iria dar cobertura ao duvidoso processo que levou à sua escolha para acolher o Mundial de Futebol. 
Inteligente e hábil, Marcelo Rebelo de Sousa desdobrou-se então em explicações e tratou de garantir que iria falar em direitos humanos aos qataris e que iria apenas para apoiar a selecção. Todos ficamos mais sossegados, embora sem saber se o presidente iria falar antes ou depois do jogo, mas também sem saber se só leva cachecol ou também leva uma bandeirinha, ou se usaria outros adereços próprios das claques...
Hoje o Expresso Curto publica um texto intitulado “Marcellum Falcon”, que nos esclarece sobre o Falcon que Marcelo tantas vezes utiliza e que já voa a caminho do Qatar. São cerca de 15.000 quilómetros de ida e volta a gastar combustível, para ver um jogo de futebol, em tempos que deveriam ser de contenção. E de bons exemplos. Por isso, a questão do custo para o erário público desta deslocação para apoiar a selecção num jogo de futebol contra a equipa do Gana, não pode ser ignorada. Quem integra a comitiva do Senhor Presidente? Onde ficará instalada a comitiva do Senhor Presidente? Quanto custa toda esta operação destinada a satisfazer a vontade pessoal do Senhor Presidente?
Todos os contribuintes deveriam conhecer as respostas a estas questões, devidamente discriminadas e quantificadas em euros. Ponto final.

Qatar 2022: don’t cry for me Argentina

Estão disputados os primeiros oito dos sessenta e quatro jogos do Mundial do Qatar e a primeira grande surpresa já aconteceu com a derrota da Argentina perante a Arábia Saudita. Em termos de lógica futebolística esse resultado era impensável e a imprensa argentina, mas também a de alguns outros países, relatou esse inesperado resultado de uma equipa que aspirava chegar à final (e pode continuar a aspirar). 
“De la euforia a la decepción” é o título mais comum da imprensa argentina e o suplemento desportivo El Hincha que se publica na cidade de Rosário, curiosamente a cidade natal do ídolo Leonel Messi, mas também do revolucionário Ernesto “Che” Guevara, publicou a fotografia de um Messi derrotado, triste e cabisbaixo, tendo escolhido como título a frase “Desilusión total”. Um jornal inglês destacou essa mesma notícia e escolheu como título “cry for me Argentina”, numa alusão à famosa canção de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice do musical “Evita”. As televisões mostraram as imagens da desilusão argentina e da euforia saudita e essa foi a única surpresa que aconteceu até agora no Qatar, porque todos os outros resultados eram esperados. Porém, uma derrota num jogo de futebol não pode ser motivo para que a nação argentina chore…
Nos dias de chuva e de algum frio que temos suportado, os adeptos do futebol, enquanto arte e espectáculo, estão em festa com as transmissões televisivas, embora todos continuemos a ser incomodados com as longas lengalengas dos comentadores e com o facto dos canais televisivos se terem esquecido que há mais notícias para além do futebol, ao mesmo tempo que passam de forma sublimar, a mensagem enganadora e mentirosa, de que o futebol é a coisa mais importante do mundo.