domingo, 19 de outubro de 2014

Espanha: o outro olhar sobre a corrupção

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Apesar de termos muitas afinidades culturais com nuestros hermanos, há que reconhecer que em muitas coisas, somos bem diferentes, provavelmente porque os portugueses são mais temperados pelo mar e os espanhóis são mais moldados por uma certa continentalidade. É fácil encontrar diferenças culturais entre os povos peninsulares e uma delas está na percepção do fenómeno da corrupção, que é encarado de forma diversa em Espanha e em Portugal.
Em Portugal há um conjunto de factores sociológicos, políticos e jurídicos que bloqueiam o tratamento deste tema no espaço público e, talvez por isso, as condenações por corrupção são raríssimas e o “processo Face Oculta”, que o Tribunal de Aveiro recentemente julgou, foi a excepção à regra. Todos “vemos, ouvimos e lemos” situações de pequena e grande corrupção, incluindo casos de enriquecimento ilícito ou de favorecimento ilegal, mas os jornais quase nunca falam deles, muitas vezes a coberto do “segredo de justiça”. Assim, os casos de corrupção de que o público tem notícia são raros e quase sempre ficam esquecidos nas gavetas ou absolvidos nos tribunais por falta de provas. Assim aconteceu ou está a acontecer com os casos Expo 98, Euro 2004, fundos comunitários, submarinos, PPP, privatizações, BPN, BPP e BES, entre outros. Em Espanha as coisas correm de forma diferente e os jornais tomam parte activa na denúncia dos casos de corrupção que envolvem políticos, banqueiros, empresários, sindicalistas, desportistas e muitos outras pessoas ditas famosas, não branqueando personalidades como Jordi Pujol, Rodrigo Rato ou Inaki Urdangarin. Calcula-se que a corrupção custa 10.000 milhões de euros anuais “robados cada año” aos espanhóis, isto é, cerca de 1% do PIB mas, actualmente, há cerca de 1.700 processos em curso e estão constituidos mais de cinco centenas de arguidos por crimes de corrupção.
De facto, os espanhóis assistem estupefactos e indignados ao frequente aparecimento de casos de corrupção que são transversais a toda a sociedade, mas vêem os seus nomes e as suas caras nas capas dos jornais, como hoje aconteceu com o El Correo de Bilbau e com o Las Provincias de Valência.  

A ignorância marítima dos governantes

O título da edição de hoje do Jornal de Notícias é curioso mas muito perturbador, sobretudo porque aparece num país de marinheiros, que deu novos mundos ao mundo e que tantos poetas portugueses têm cantado. Recordo Fernando Pessoa (Mar Português e Ode Marítima), António Gedeão (Poema da malta das naus), Manuel Alegre (Trova do amor lusíada), Sophia de Melo Breyner (Marinheiro Real) ou António Nobre (Lusitânia no Bairro Latino) e tantos outros poetas e poemas que agora não me ocorrem. O mar faz parte da identidade portuguesa e devia ser um capítulo importante de um conceito estratégico nacional que continua por definir. Foi o mar que nos levou a terras distantes e nos projectou no mundo. Cantamos os “Heróis do mar” deste “Nobre povo” e desta “Nação valente, imortal”.
Porém, aquele título do jornal é um valente soco no estômago, pois revela que o mar, que é um dos nossos mais importantes e promissores recursos, tem sido sistematicamente descurado e, naturalmente, como tem sido secundarizado o interesse pelas profissões marítimas. O mar e a economia do mar têm sido apenas um pretexto para propaganda em seminários e conferências. Os nossos governantes não têm interesse nem conhecimento e, portanto, não há motivação nem investimento. O Jornal de Notícias refere que actualmente só a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, que se localiza em Paço de Arcos, está apta a formar marinheiros, mas que está com muitas vagas por preencher. Este paradoxo acontece quando as profissões marítimas têm um elevado grau de empregabilidade, designadamente na Marinha Mercante, nos navios de cruzeiro e nas pescas, o que revela a enorme ignorância marítima de quantos nos têm dirigido desde há muitos anos.