segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

MRS: personalidade portuguesa do ano

Como é habitual, a comunicação social está a fazer um balanço do ano que hoje termina, escolhendo os acontecimentos internos e internacionais mais relevantes e elegendo as personalidades que no seu entendimento mais se destacaram. São coisas subjectivas, mas no que respeita à personalidade portuguesa do ano parece haver uma unanimidade em torno da figura de Marcelo Rebelo de Sousa.
O jornal i fez um curioso estudo que intitulou “por onde andou Marcelo em 2018” e publicou-o com uma infografia apropriada e sugestiva.
O actual Presidente da República é conhecido por estar em todo o lado e, de facto, ele tem sido uma presença assídua e frenética nos locais e circunstâncias mais ou menos difíceis, como na tragédia de Borba, nos incêndios de Monchique ou nos funerais das vítimas do acidente com o helicóptero do INEM. Fala com Trump e com Putin, recebe Xi Jimping e abraça João Lourenço e Filipe VI. Visita escolas, hospitais e centros de terceira idade, vai a concertos, passa férias no interior do país e é uma presença diária na televisão, onde fala de tudo como se ainda fosse comentador. Está-lhe no sangue e não consegue resistir quando vê um microfone à sua frente, mas por vezes fala demais e embaraça o governo, com o qual deveria ser solidário. É certo que Marcelo Rebelo de Sousa diz sempre o que o povo gosta de ouvir e que é cada vez mais o seu provedor, mas também é verdade que com as selfies, os abraços e os beijos que distribui por todos, é cada vez mais um caso raro de popularidade ou talvez mesmo de populismo, sobretudo quando as câmaras e os microfones estão por perto. 
Se em relação à nomeação da procuradora-geral da República ou no caso de Tancos conseguiu vencer a ondulação social e os ventos que sopravam, a sua recente espécie de veto ao orçamento do Estado, por causa das reivindicações dos professores, é um desafio ao governo. Esperemos que “o caldo não se entorne” porque, no nosso sistema constitucional, o governo e o presidente não têm que estar de acordo... mas não podem estar em desacordo.  
Em suma, eu também elejo Marcelo Rebelo de Sousa como personalidade portuguesa do ano e até lhe dou uma boa nota, não só por mérito dele, mas também por contraste com o traste que o antecedeu.

As televisões são as gazetas das aldeias

Na próxima noite o nosso calendário vai deixar cair o ano de 2018 e abre a página do novo ano de 2019. Como sempre, as nossas televisões irão mostrar o fogo de artifício em Sydney, mais algumas corridas de São Silvestre e tratarão de mandar os seus estagiários para a porta do Hospital de São José para saber o nome da primeira criança que vai nascer no novo ano. Há dias, esses mesmos estagiários ao serviço das suas televisões, andaram pela estação de Santa Apolónia a entrevistar emigrantes que tinham vindo passar o Natal a Portugal para saber das suas emoções ou andaram pelas ruas de Coimbra a interrogar os transeuntes que tinham deixado as compras de Natal para a última hora. Tudo notícias bem dignas de uma renascida Gazeta das Aldeias, desta vez em formato televisivo.
É realmente lamentável o estado de decadência a que, no campo da sua função noticiosa, chegaram as nossas televisões, porque simplesmente não dão notícias e estão instrumentalizadas pela mediocridade e pelo provincianismo. Todas, sem excepção, alinham no mesmo grau de vulgaridade e ninguém percebe o que fazem aqueles que nas redacções se dizem jornalistas. Os directos são fantasias de estagiários sem qualquer interesse, em que não há respeito pela privacidade de ninguém e vale tudo em nome do espectáculo. As discussões sobre futebol são uma verdadeira obscenidade televisiva, tal como as ridículas conferências de imprensa dos treinadores de futebol. Os debates políticos com os comentadores residentes parecem combinados e são uma tortura para o telespectador. Os comissários políticos estão cada vez mais infiltrados na programação televisiva, por vezes disfarçados de pivots de telejornais. O noticiário internacional quase não existe ou aparece como informação marginal, enquanto o noticiário cultural ou científico desapareceu. É triste e desmoralizante ver e ouvir os longos noticiários destas gazetas das aldeias e o seu rol de banalidades, alimentadas por redacções que não querem investigar, em que as pseudo-notícias são repetidas dezenas de vezes ao longo do dia e que são lidas por papagaios como se fossem novidade. As nossas televisões são, cada vez mais, uma tragédia cultural. E, como dizia o outro, mais não digo...