domingo, 23 de outubro de 2016

O regresso da política da canhoneira

Nos tempos em que vivemos há grande interdependência entre os países, daí resultando a boa cooperação mas também algumas rivalidades e choques de interesses políticos, económicos e religiosos, que se traduzem em frequentes tensões no plano internacional. A política externa dos países está, portanto, com um nível alto de atenção e sucedem-se cimeiras e reuniões para resolver os inúmeros contenciosos que hoje atormentam o mundo.
A política externa de um país visa a defesa dos chamados interesses nacionais, sejam da paz ou da guerra, do comércio externo, da promoção cultural ou da defesa dos seus nacionais residindo fora do país. Os seus instrumentos de actuação passam pela diplomacia e incluem embaixadas, consulados e centros culturais, mas também outras formas de representação, onde até se incluem visitas de Estado, delegações desportivas, missões militares e visitas de navios, entre outras.
No século XIX muitos países adoptaram a política ou a diplomacia da canhoneira, em que se procuravam resultados políticos e submissões de povos através da exibição de poder militar e, sobretudo, pela apresentação das canhoneiras nas costas ou nos rios do território a dominar. A ocupação dos territórios africanos pelos europeus ao longo da segunda metade do século XIX, com as canhoneiras a disparar sobre as margens dos rios, tornou-se a imagem de marca da política ou diplomacia da canhoneira.
Passou mais de um século e a edição de hoje do The Scotsman veio relembrar a gunboat diplomacy, agora com os porta-aviões em vez de canhoneiras. Agora já não se dispara para as margens a impor respeito às populações, mas exibem-se os porta-aviões e os seus aviões para impressionar e mostrar o poder de cada um aos outros poderes. De facto, há notícias de porta-aviões americanos, russos e franceses no Mediterrâneo Oriental e no Golfo Pérsico, mas também de outros países, o que provavelmente não facilita a chegada da paz àquelas regiões.

O caos líbio está às portas da Europa

O mundo está a passar por situações que estão a gerar muita angústia e muita incerteza. O aumento da tensão internacional é uma realidade de que já ninguém tem dúvidas e o clima dos tempos da guerra fria começa a estar expresso nos jornais e nas declarações de alguns dirigentes mundiais. Há demasiados conflitos onde as grandes potências estão envolvidas e, na Europa ou na periferia da Europa, os próprios europeus parece terem deixado de ser uma voz activa. As batalhas de Allepo ou de Mossul fazem parte desse cenário de confrontação e dessa enorme incerteza. Todos os dias há acusações de crimes de guerra vindas de todos os lados.
Na Líbia a situação não é menos dramática e centenas de grupos armados vagueiam pelo país, enquanto na última semana a aviação americana executou mais de três dezenas de ataques contra a cidade de Sirte, dominada pelos jihadistas do Daech. O jornal católico francês La Croix veio alertar para essa crítica situação, que é pouco falada, talvez para não lembrar as graves culpas ocidentais neste drama aqui às portas da Europa.
Tudo isto acontece cinco anos depois da morte de Muammar Kadafi e da intervenção militar da NATO na Líbia que teve o aval das Nações Unidas e que, supostamente, pretendeu travar (por razões humanitárias) a ofensiva das tropas governamentais contra a revoltada cidade de Bengasi. Essa intervenção foi apenas uma das várias intervenções americanas ou aliadas para apoiar as Primaveras Árabes de que, quase sempre, resultaram resultados catastróficos.
Porém, as esperanças ocidentais associadas à queda de Kadafi, para construir uma sociedade livre e democrática na Líbia, não resultaram, sobretudo por ignorância dos falcões ocidentais que desconheciam a realidade sociológica do país. Tudo tem corrido exactamente ao contrário e a Líbia está afundada no caos. Não há um governo funcional e, em vez disso, há vários governos paralelos que lutam pelo comando do país. Centenas de grupos armados rivais deambulam pelo país e confrontam-se. As condições de vida dos líbios deterioraram-se depois da queda de Kadafi e os seus antigos arsenais abastecem agora os terroristas nigerianos do Boko Haram.
O caos na Líbia tem responsáveis e, entre eles, estão certamente Nicolas Sarkozy, David Cameron e Barack Obama.