A revista Sábado
inclui na sua última edição uma interessante e bem documentada reportagem
assinada por Marco Alves sobre a rede de cunhas
e favores de Salazar que, como é sabido, foi o “dono disto tudo” durante a
vigência do regime do Estado Novo (1926-1974). Os mais
desatentos poderão pensar que a cunha foi
um pecado criado pelo salazarismo, mas há que lembrar que a cunha é uma instituição nacional que,
embora tenha florescido com Salazar e o seu regime, sempre foi uma marca poderosa
da nossa sociedade e da nossa história. Porém, a reportagem da revista é sobre
as cunhas no tempo de Salazar e o seu
autor escreveu:
Os
pobres pediam-lhe dinheiro, mas as elites (médicos, engenheiros, deputados,
juízes, militares, empresários, padres e condes) queriam colocações em bancos,
aumentos, cargos e comendas.
Durante 36 anos o ditador acedeu a centenas de
cunhas. Os mais velhos
recordam-se bem dessa realidade e das voltas que era preciso dar para ser
servidor do Estado pois, como refere o historiador Fernando Rosas, o Estado
Novo vivia assente numa pirâmide de
cunhas de que Salazar era o topo.
“Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades” escreveu Camões no século XVI, mas depois de Salazar
mudaram-se os tempos, mudaram-se muitas vontades, mas a cunha continuou, embora “tomando sempre novas qualidades”. Hoje já
não se mandam cartões ou se escrevem cartas a Salazar, nem aos dignitários do
Estado Novo. Hoje usa-se o cartão partidário e outras redes de relações muito
diversas, com as quais se alimentam teias de interesses, se arranjam empregos, se
obtém diplomas, se assinam contratos, se forjam carreiras e se progride na vida. O mérito parece ser, cada vez mais, um aspecto secundário. Como se costuma dizer, o que é preciso é ter um bom padrinho.
Portanto, o meu desejo é que o autor Marco Alves possa agora estudar a rede de cunhas e favores dos tempos pós-Salazar,
para que os seus leitores possam ver quão importante têm sido para construir
carreiras de esferovite e ajudar carreiristas, preguiçosos, atrevidos e outros oportunistas. Será um
grande serviço à comunidade e ao esclarecimento público, mas também a possibilidade de vermos como
funciona uma boa parte da nossa sociedade.