quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Bodrum e a má consciência da Europa

Bodrum é uma cidade turca situada nas margens do mar Egeu que nos últimos anos se tornou numa das mais atraentes estâncias balneares, para onde se dirige a sociedade turca mais ocidentalizada e mais próspera. Ontem, nas areias de uma das suas praias mais procuradas apareceu o cadáver de Aylan Kurdi, uma criança síria de três anos de idade, cuja família fugia da guerra no seu país e procurava atingir a ilha grega de Kos, numa pequena embarcação que naufragou. A generalidade da imprensa mundial publicou nas suas primeiras páginas uma fotografia em que um militar turco recolhe o corpo de Aylan Kurdi. A imagem daquele menino tornou-se o símbolo da grave crise migratória que já provocou milhares de mortos entre a multidão de refugiados que foge à guerra e essa fotografia fez tremer a consciência de uma Europa que se tem mostrado incapaz de promover a paz no mundo e, em especial, nas suas fonteiras mediterrânicas. É a maior e mais grave crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial e o influente jornal The Washington Post classificou aquela imagem como "o mais trágico símbolo da crise de refugiados do Mediterrâneo". No caso da Síria, mas não só, as grandes potências têm enormes responsabilidades nas tragédias humanitárias que estão a acontecer, pois foram elas que promoveram a instabilidade regional e que têm alimentado a guerra. Espera-se agora que, perante o dramatismo do que se viu no areal de Bodrum, a imprensa influencie, as opiniões públicas reajam e os dirigentes das grandes potências arrepiem caminho em nome dos ideais humanitários que os deveriam nortear, quando muitas das más memórias de um passado recente ainda estão vivas. A tragédia de Bodrum alerta-nos para os nossos deveres morais de apoiar os refugiados e exige que se ponha fim da guerra.
Nesta Europa tão egoísta e a revelar tanta falta de valores e tão má consciência, há entidades públicas e muitas organizações da nossa sociedade civil a dar mostras de grande solidariedade e humanidade e, desta forma, a honrar a tradição portuguesa de acolhimento a refugiados e, também, a memória de Aristides de Sousa Mendes.

É evidente que vamos pagar o Novo Banco

Todos nos lembramos do famoso diktat do homem do leme que em Julho de 2014, durante uma visita à Coreia do Sul, garantiu a partir de Seul que “os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, acrescentando que “o Banco de Portugal tem sido peremptório e categórico a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”. Duas semanas depois a bomba estoirou. Cavaco enganara os portugueses. No dia 3 de Agosto o Banco de Portugal anunciou uma injecção de capital de 4.900 milhões de euros e a criação de um "banco mau" e de um "banco bom", que passou a chamar-se Novo Banco. Nesse mesmo dia, através da ministra das Finanças, o governo garantiu que os contribuintes não teriam de suportar os custos relacionados com o financiamento do BES e que a nova instituição seria detida integralmente pelo Fundo de Resolução, uma pessoa coletiva de direito público criada em 2012, que funciona junto do Banco de Portugal.
Passou um ano e está tudo na mesma ou pior. Entre Agosto e Dezembro do ano passado o Novo Banco registou prejuízos de 467 milhões de euros e, no primeiro semestre de 2015, o prejuízo foi de 252 milhões de euros. É obra! Entretanto, o Banco de Portugal que, como alguém disse, sabe tanto da venda de bancos como o Jorge Jesus de literatura portuguesa, tratou de contratar assessores e consultores por ajuste directo e a respectiva factura já atinge 20 milhões de euros. Um regabofe!
Mesmo a poucas semanas das eleições legislativas, o governo quer vender tudo e depressa mas, como diz o ditado popular, “depressa e bem não há quem”. Além disso, nem a Anbang, nem a Fosun, nem a Apollo estão realmente interessadas num negócio em que são imprevisíveis os custos das litigâncias e das imparidades. Apesar da confidencialidade do processo de venda, é hoje evidente que o Estado não vai recuperar os 4.900 milhões de euros que, obviamente, serão pagos pelos contribuintes através das mais diversas formas. Ninguém tem dúvidas disso. Aqueles que disseram o contrário mentiram ou são absolutamente incompetentes. Alguns deles ainda têm o atrevimento de aparecer na televisão a embrulhar as suas responsabilidades. Que impunidade e que grande farsa!