Na sua edição de hoje o diário conservador espanhol ABC dedica uma grande reportagem à polémica criada em torno da autoria ou co-autoria da primeira viagem de circumnavegação iniciada por Fernão de Magalhães em 1519 e concluída por Sebastião de Elcano em 1522. Foi uma grande viagem e quando se aproximam os 500 anos da sua realização, há quem considere que essa histórica viagem ibérica foi exclusivamente espanhola e há quem defenda que também foi portuguesa. O jornal ABC, depois de ter consultado a Real Academia de la Historia, recebeu um parecer que foi hoje divulgado, em que aquela instituição conclui que essa viagem foi “plena y exclusivamente española” e fundamenta-a em 13 pontos. Todos esses pontos estão apoiados em documentos, mas a interpretação desses documentos dá argumentos para todas as versões, até porque Magalhães era português e levava consigo “trinta e tantos portugueses”.
Os portugueses tomaram a iniciativa de comemorar a efeméride e associaram-se aos espanhóis, tendo apresentado conjuntamente na UNESCO uma proposta para que a Rota de Magalhães seja inscrita como Património da Humanidade. Os espanhóis distraíram-se com outras coisas e, agora que o assunto está na ordem do dia, não estão a gostar nada do que está a acontecer. O jornal ABC acusa os políticos socialistas espanhóis e refere “as mentiras de Portugal para se apropriar da gesta de Magalhães e Elcano”, ridiculariza “um historiador português que acusa Elcano por ter dado a volta ao mundo ilegalmente” e acusa “a diplomacia portuguesa de ter perdido o respeito pela Espanha”.
Ninguém tem dúvidas de que a principal quota-parte dessa viagem é espanhola, mas não é verdade que seja “incontestable la plena y exclusiva españolidad dela empresa”. A Real Academia de la Historia deve estar cheia de fantasmas franquistas. Quando se pensava que a integração europeia acabava com todas as rivalidades ibéricas do passado, temos um jornal da direita franquista e tramontana espanhola a desenterrar o machado de guerra.