domingo, 30 de março de 2025

Aí está a Espanha, as fiestas e as corridas

A temporada de touradas em Espanha vai começar e nos próximos meses vão acontecer centenas de corridas, que são a mais tradicional, mas também a mais controversa das fiestas espanholas. As touradas são uma tradição profundamente enraizada na cultura espanhola e realizam-se em quase todo o país mas, sobretudo, na Andaluzia (Sevilha, Córdoba, Málaga e Granada), Madrid, Castela-La Mancha, Castela e Leão, Comunidade Valenciana e Navarra.
A Feria de San Isidro em Madrid, na Plaza de Toros de Las Ventas, é a mais famosa feira taurina do mundo, mas também são muito apreciadas as corridas da Feria de Abril na Plaza de Toros de la Maestranza de Sevilha, das Fiestas de San Fermin na Plaza de Toros de Pamplona, onde ocorrem os famosos encierros, da Feria de Fallas na Plaza de Toros de Valencia, da Feria de Pedro Romero, ou corrida Goyesca, na Plaza de Toros de Ronda e da Feria de Malaga, na Plaza de Toros de La Malagueta.
A edição de hoje do Diario de Sevilla dedica a sua primeira página a Morante de la Puebla, o nome artístico de José António Mrante Camacho, um matador de toiros espanhol muito apreciado, que é natural de La Puebla del Rio, nos arredores de Sevilha.
A Feria de Abril de Sevilha começará no dia 5 de Maio e durará sete dias, mas as redacções dos jornais já começam a promover as corridas e as fiestas que se aproximam, bem como os diestros que vão emocionar os aficionados, como hoje acontece com Morante de la Puebla, o ídolo de Sevilha, com o seu "emotivo retorno a los ruedos". 
... e que viva la España!

A loucura e a surpresa nos apetites do DT

Donald Trump, ou simplesmente o DT, tomou posse há pouco mais de dois meses e a forma como tem conduzido a política interna e externa americana está a surpreender muita gente e a abalar o mundo. O DT já tinha ocupado a Casa Branca entre 2017 e 2021, eram conhecidas as suas extravagâncias e as suas posturas autoritárias, mas nada indicava que fosse possível fazer tanta maldade em tão pouco tempo. Muita gente, sobretudo na Europa, mas também nos Estados Unidos, está surpreendida e eu sou um deles. Igual surpresa foi a escolha para seu vice-presidente de J.D. Vance, um rapazola desbocado, arrogante e insensato, que vai fazendo o trabalho mais sujo da administração do DT, nos vários sítios por onde passa.
A forma como têm vindo a querer tomar conta da Gronelândia “de uma maneira ou de outra”, é chocante e de um atrevimento que não conhecíamos, mas os apetites do DT não se ficam apenas pela Gronelândia. A sua promessa de “acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas”, afinal não passou de uma forma de querer apossar-se das riquezas minerais e das centrais nucleares ucranianas e de, ao mesmo tempo, humilhar os europeus que, diga-se a verdade, bem se puseram a jeito.  
Na sua edição de ontem, o jornal francês Ouest-France que se publica em Rennes e é o principal diário da Bretanha, destaca uma fotografia do desbocado J.D. Vance em pose de conquistador num território que é dinamarquês, enquanto escolheu para título “l’apétit des États-Unis…”. É que, para além da Gronelândia e da Ucrânia, o DT ainda quer o canal do Panamá, a Faixa de Gaza e até o Canadá, a quem vem assediando para se tornar o 51º estado dos Estados Unidos. E sabe-se lá mais o quê. 
Como andam baralhados os comentadores profissionais que ocupam as televisões e que não previram que isto pudesse acontecer…

quinta-feira, 27 de março de 2025

A excelente lição que nos chega do Brasil

Os brasileiros assistiram estupefactos aos acontecimentos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando milhares de pessoas invadiram e vandalizaram os edifícios monumentais que representam os três poderes da República Federativa do Brasil, respectivamente o Palácio do Planalto (poder executivo), o Congresso Nacional (poder legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (poder judicial). Uma multidão de bolsonaristas contestava com violência os resultados eleitorais que tinham dado a vitória presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva e rejeitavam a própria democracia.
A perturbação foi controlada no limite, mas de imediato foi divulgada pela imprensa a informação de que tinha sido montada uma organização criminosa com o objectivo de concretizar um golpe de estado e assegurar que Jair Bolsonaro continuasse no poder. Na altura escreveu-se que havia sólidas provas que mostravam que vários oficiais de alta patente tinham tido participação activa na tentativa antidemocrática.
O facto é que a Procuradoria-Geral da República (PGR) conduziu as averiguações contra o ex-presidente Bolsonaro e mais sete dos seus aliados, vindo o Supremo Tribunal Federal a proferir agora a sua decisão unânime, declarando-os réus.
A decisão é inédita no Brasil. Pela primeira vez na sua história, um ex-presidente e vários oficiais de alta patente das Forças Armadas foram declarados réus por crimes ligados a uma tentativa de golpe de estado. A imprensa brasileira, designadamente O Estado de S. Paulo, destacou esta notícia com muito sensacionalismo. Na política não vale tudo.
Evidentemente que o processo vai ser longo e, lá como cá, é prematuro condenar os réus antes de julgamento, pois todos têm direito à presunção de inocência, mas este exemplo que nos chega do Brasil bem pode servir para condenar todas as jogadas antidemocráticas que por cá acontecem, através da desinformação e do controlo da comunicação social e das redes sociais.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Um cessar-fogo que é um sinal animador

As conversações que têm sido realizadas em Riad entre russos e ucranianos com a mediação dos Estados Unidos, conduziram a um acordo de cessar-fogo parcial e à aceitação de uma trégua relativamente aos ataques às redes energéticas dos dois países e à navegação no mar Negro, embora os russos condicionem essa aceitação ao levantamento das sanções ocidentais impostas ao sector agrícola russo. Os Estados Unidos comprometeram-se a assegurar o cumprimento destes acordos e a ajudar a restabelecer as exportações russas de produtos agrícolas e fertilizantes.
Porém, um dos aspectos mais significativo deste acordo é que não é indicado que o cessar-fogo seja por 30 dias, como estava planeado inicialmente, o que pode indiciar que as partes podem ir mais longe nas suas negociações e que Putin e Zelensky já terão compreendido que ambos terão que fazer cedências, sem as quais não se resolve o complexo imbróglio ucraniano. Há que ter esperança que as negociações avancem.
Como hoje escrevia o El Pais, este cessar-fogo é “la primera señal que apunta a una salida negociada en tres años de guerra” e é mais um pequeno passo a caminho da paz. Esse mérito é dos americanos, sendo mais uma “bofetada de luva branca” nos líderes europeus, que nada fizeram pelo fim da guerra e que continuam a pavonear-se em sucessivas cimeiras, antes para ganhar a guerra e, agora, para ajudar Zelensky e o seu regime. Quase todos adoptaram a narrativa que tem sido propagandeada, que exige o rearmamento da Europa para fazer face à ameaça russa, embora ela pareça preocupar muito pouco os povos da Europa como vem mostrando o Eurostat.

A eficiência na captura de um submarino

A notícia foi divulgada pela Polícia Judiciária e informava que um submarino vindo da América do Sul, que transportava cerca de sete toneladas de cocaína, tinha sido interceptado e capturado a sul do arquipélago dos Açores. Nunca tal tinha acontecido na Zona Económica Exclusiva portuguesa e, por isso e pela importante captura efectuada, esta acção vai ficar como um exemplo da eficiência portuguesa no combate ao tráfico de droga.
A acção que recebeu o nome de Operação Nautilus desenvolveu-se durante alguns dias com a cooperação da Marinha e da Força Aérea portuguesas, tendo sido o resultado de uma investigação em que cooperaram várias entidades ou agências portuguesas, espanholas, americanas e britânicas.
A Polícia Judiciária também informou que o submarino interceptado pertencia a uma organização criminosa e que havia cinco tripulantes a bordo, sendo três de nacionalidade brasileira, um espanhol e um colombiano, que foram detidos e transportados para Ponta Delgada a bordo de um navio da Marinha Portuguesa. O submarino foi rebocado e também já se encontra no porto de Ponta Delgada.
A imprensa portuguesa, tanto continental como açoriana, destacaram esta notícia, mas foi o jornal galego Diario de Pontevedra que publicou a mais esclarecedora fotografia deste submarino que, embora utilizado em acções criminosas, não deixa de admirar aqueles que andam, ou andaram no mar, pela ousadia de atravessar o Atlântico em tão precárias condições.
Naturalmente, também aqui se saúda a eficiência da Polícia Judiciária e a boa cooperação que lhe foi prestada nesta importante operação.

sábado, 22 de março de 2025

Os estragos da depressão Martinho

Durante vários dias desta semana a depressão Martinho perturbou a região ocidental da península Ibérica, em terra e no mar, tendo provocado vento muito forte, chuva intensa e forte ondulação. Metade do território continental português esteve sob aviso amarelo ou laranja, houve muitas inundações, foram derrubadas centenas de árvores, muitas infraestruturas e telhados foram danificados e houve cortes de estradas. As rajadas de vento ciclónico foram frequentes, tendo a mais forte que foi registada acontecido na serra de Monchique e atingido 158,9 km/hora. Os prejuízos foram enormes e as televisões mostraram muitas das perturbações e estragos que o Martinho causou.
Porém, a edição de hoje do jornal Faro de Vigo destaca uma fotografia em primeira página do porta-contentores MSC Houston V com a legenda “Martinho noquea a un gigante”. Este porta-contentores que está registado na ilha da Madeira e usa bandeira portuguesa, tem um comprimento de 267 metros, uma largura de 35 metros, uma arqueação bruta de 44.768 toneladas e uma capacidade para transportar 4.432 contentores. No passado dia 20, o navio dirigia-se do Pireu para Liverpool e navegava ao largo da costa portuguesa, nas proximidades do cabo de S. Vicente, quando foi “visitado” pelo Martinho e por ventos da ordem dos 100 km/hora, que deixaram marcas.
Pelo menos 15 contentores caíram ao mar, enquanto muitos dos que permaneceram a bordo colapsaram para estibordo, perto da popa, conforme mostra a fotografia publicada. O navio procurou abrigo em Vigo e foi aí que o Faro de Vigo colheu a sensacional fotografia que hoje publicou na sua primeira página.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Uma quase aventura digna de Júlio Verne

Os astronautas americanos Sunita Williams e Barry Wilmore partiram no dia 5 de Junho de 2024 a bordo da cápsula Startliner, construída pela Boeing, com destino à Estação Espacial Internacional (ISS). Era uma simples missão de rotina com duração de uma semana, mas verificaram-se problemas no sistema de propulsão, considerados pela NASA demasiado perigosos para uma viagem de regresso dos astronautas à Terra.
Assim, a missão que deveria durar oito dias, estendeu-se por nove meses, ou 286 dias, devido aos referidos problemas técnicos. O resgate dos astronautas aconteceu no passado dia 18 de Março, quando uma cápsula Crew Dragon Freedom da construtora SpaceX, tripulada por Nick Hague da NASA e Alekandr Gorbunov da Rússia, que tinha partido com dois lugares vazios, trouxe de volta à Terra os astronautas Williams e Wilmore. Após 17 horas de viagem, a cápsula com os quatro astronautas amarou no golfo do México (nenhuma notícia lhe chamou golfo da América como “decretou” o DT), tendo os astronautas sido recolhidos em segurança.
O jornal New York Post foi um dos vários jornais que destacaram esta proeza da NASA e da indústria espacial americana, em que os rivais Boeing e SpaceX cooperaram com sucesso nesta missão de resgate. Esta “aventura” de recuperação de astronautas conduzida por Hague e Gorbunov é verdadeiramente exemplar, até no pormenor da tripulação ter sido constituída por um americano e por um russo, para salvar uma astronauta de origem indiana e um americano.
Parece mesmo uma aventura retirada dos livros de Júlio Verne, o visionário francês que no século XIX imaginou os avanços da ciência e da tecnologia e ainda é o escritor cuja obra foi mais traduzida em toda a História!

quarta-feira, 19 de março de 2025

“Il primo passo” para a paz que se saúda

Na guerra que tem arrasado parte da Ucrânia e provocado centenas de milhares de mortos, os líderes europeus não quiseram e continuam a não querer, ser os mediadores de um conflito entre eslavos, com raízes históricas muito antigas. Ignorando o que tinha sido combinado com Mikhail Gorbachev quando da reunificação alemã, os falcões da NATO avançaram para oriente e incorporaram mais de uma dúzia de países, incluindo os estados bálticos, a Bulgária e a Roménia, a Albânia e o Montenegro. Faltava a Ucrânia. Os russos sentiram-se ameaçados, tal como Kennedy se sentiu ameaçado com a crise dos mísseis de Cuba em 1962. A fricção russo-ucraniana intensificou-se em 2014 com a anexação da Crimeia e com a agitação no Donbass (Donetsk e Luhansk). Depois, tudo se complicou e logo se tratou de vender a narrativa de haver santos e diabos, quando afinal os ucranianos e os russos são primos uns dos outros. Neste grande imbróglio, em Fevereiro de 2022 houve realmente um agressor e um agredido, mas antes houve demasiadas provocações feitas por gente que nunca procurou a paz nem a mediação. Hoje as narrativas da ameaça russa fazem lembrar as aparições de Fátima de 1917 e, sem que as populações europeias tenham sido ouvidas, já está decidido o rearmamento que vai abalar os alicerces, os orçamentos e o modo de vida da União Europeia.
Por tudo isto e, independentemente das motivações pessoais de Donald Trump e dos interesses estratégicos americanos, há que saudar os esforços que estão a ser feitos para negociar um cessar-fogo e a paz.
Hoje, o jornal romano Secolo d’Italia diz que os telefonemas de Donald Trump para Putin e para Zelensky são il primo passo e eu concordo, embora lamente profundamente que os europeus não tenham sido capazes de fazer telefonemas e se limitassem a acusar Putin, mas sem que usem a mesma condenação contra Benjamin Netanyahu pelo genocídio que está a fazer em Gaza.

domingo, 16 de março de 2025

A economia mundial está sob turbulência

A política internacional americana conduzida pela extravagância de Donald Trump tem procurado, em diferentes domínios, justificar a sua doutrina do MAGA, isto é, do Make America Great Again mas, em menos de dois meses, o mundo está confuso com o que se está a passar. Segundo a mais recente edição do The Economist, durante várias décadas os Estados Unidos apoiaram os seus amigos e aliados, dissuadindo os seus rivais e adversários, mas agora parece que tudo mudou, pois estão a afrontar os seus amigos e a fortalecer os seus adversários, sobretudo no que respeita ao comércio internacional.
Donald Trump começou por impor tarifas aduaneiras de 25% ao Canadá e ao México, designadamente nas importações do aço e do alumínio, a que se seguiu a passagem de 10 para 20% das tarifas sobre as importações chinesas. Depois virou-se para a União Europeia e “atacou” os automóveis, mas já está a ameaçar com tarifas de 200% sobre vinhos e outras bebidas alcoólicas.
Em termos económicos esta fórmula de protecionismo é altamente arriscada e já está a provocar muita turbulência e a prenunciar uma guerra comercial. A Economia é um sistema complexo em que a produção, o consumo e o emprego, tal como a poupança e o investimento, ou as importações e as exportações, se articulam num modelo que tem formulação matemática. Quando se alteram algumas das variáveis desse modelo, as outras também são alteradas, podendo levar a que os efeitos provocados sejam exactamente contrários aos que se desejavam.
Há duzentos anos o inglês David Ricardo apresentou a sua Teoria das Vantagens Comparativas do Comércio Internacional, demonstrando que com o comércio internacional todos ganhavam. Talvez a equipa económica do DT ganhasse com a releitura da teoria de David Ricardo e que não secundarizasse os seus amigos, porque os efeitos que pretende podem ser bem diferentes do que aqueles que pretende.

sexta-feira, 14 de março de 2025

O cessar-fogo e a paz para a Ucrânia...

No cenário de muita propaganda e muita desinformação que tem rodeado o conflito na Ucrânia, são regularmente divulgadas as mais desencontradas informações quanto ao número de baixas de ambos os lados. Há quatro dias, um jornal de Barcelona destacava em título de primeira página, que “Rusia sufre 1.500 muertos y heridos diarios en Ucrania”, enquanto outras notícias indicam algumas centenas de milhares de baixas de ambos os lados.
Por tudo isto, sejam russos ou ucranianos, ou mesmo de outras nacionalidades, é necessário acabar com esta mortandade muito trágica e com esta permanente ameaça à paz na Europa e no mundo. Embora com controversos objectivos pessoais, o facto é que Donald Trump já conseguiu qualquer coisa que os europeus não conseguiram, pois fez uma proposta de cessar-fogo por 30 dias, que é um passo em frente muito positivo no sentido do fim das hostilidades e que, até agora, não foi rejeitado pelas partes. É um sinal de esperança, muito ténue como hoje sugere o jornal Libération, mas tem que se começar por qualquer lado. 
A situação é muito complexa porque as partes se extremaram. Existe uma resolução das Nações Unidas que exige a retirada das tropas russas da Ucrânia, há a ocupação ilegal da Crimeia desde 2014 e há cerca de 20% do território ucraniano que está ocupado pelos russos, que se sentem ameaçados se a Ucrânia for admitida na NATO. Por outro lado, apesar da ideia que tem sido posta a circular sobre a necessidade do rearmamento da Europa, sem que os europeus até agora se tenham pronunciado sobre isso, o apoio militar à Ucrânia tende a diminuir apesar das declarações em contrário.
Ao fim de mil dias de guerra, enganaram-se aqueles que pensaram que haveria um vencedor no terreno, embora alguns deles – de ambos os lados – continuem a insistir nessa tese, talvez impulsionados pela indústria do armamento. Donald Trump tem procurado a paz, enquanto a Europa está cada vez mais insignificante. O que se deseja é que o cessar-fogo seja aceite, que comecem as negociações e que se possa caminhar para a paz. 

quarta-feira, 12 de março de 2025

História e Memória do 11 de Março de 1975

Há cinquenta anos ocorreram diversos acontecimentos em Portugal que procuraram alterar o rumo político que vinha sendo seguido desde o dia 25 de Abril de 1974, para restaurar a Liberdade, a Democracia e o Estado de Direito.
Apesar do generalizado apoio popular que o movimento do 25 de Abril e o Programa que tinha sido apresentado ao país tinham recebido e de se estar a caminhar seguramente para uma sociedade democrática, as diversas forças políticas e sociais vinham expressando as suas tendências, umas mais progressistas e outras mais conservadoras. Depois de tantos anos vergados ao peso da autocracia salazarista, à vigilância da Pide e à guerra colonial, os portugueses viviam um tempo de liberdade e discutiam os seus problemas nas ruas e nas escolas, nas fábricas e nos quartéis. O entusiasmo era geral e alguns portugueses entusiasmaram-se demasiado.
Foi nesse contexto que, no dia 11 de Março de 1975, certamente movidos por bons ideais, alguns militares inspirados no projecto de poder pessoal do general António de Spínola, procuraram alterar o rumo democrático que estava a ser seguido. Mobilizaram aviões e páraquedistas, atacaram o RAL 1 e outros objectivos, quase conduzindo a um confronto armado que felizmente se evitou.
Em poucas horas a situação normalizou-se e aquele dia, que podia ter sido de má memória, entrou na nossa história como uma das várias tentativas de desvio ao programa anunciado ao país no “dia inicial, inteiro e limpo”.
A revista Visão, com grande oportunidade, dedicou uma alargada reportagem à ”memória do dia que quase mudou Portugal”, para que cada leitor “veja como tudo aconteceu”.

sábado, 8 de março de 2025

“Missão de resgate” para salvar Zelensky

O doloroso conflito que vem destruindo a Ucrânia desde Fevereiro de 2022, ou mesmo desde 2014, já vai longo e, tanto o invasor como o invadido, devem estar cansados e ansiosos para que termine aquela mortandade e destruição, que são características comuns a todas as guerras.
Volodymyr Zelensky e o seu regime tiveram desde sempre o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, mas também da NATO, pelo que puderam resistir à invasão russa. Entretanto os tempos mudaram desde que Donald Trump se instalou na Casa Branca e os Estados Unidos diminuíram ou ameaçaram cancelar todo o seu apoio à Ucrânia. Essa decisão, ou essa ameaça, não só alteraram completamente os contextos da guerra, como vieram mostrar a fraqueza militar de uma Europa que, em questões de Segurança e Defesa, tem vivido sob a protecção americana. O infeliz encontro de Washington entre Trump e Zelensky agravou a situação e, a partir de então, os europeus perceberam que era necessário envolverem-se ainda mais no apoio à Ucrânia. Daí que agora se pergunte se a Europa pode salvar a Ucrânia sem o apoio dos Estados Unidos, até como reforço à sua própria Defesa e Segurança.
Fizeram-se muitas reuniões e emitiram-se muitos comunicados, mas foram as iniciativas de Emmanuel Macron e de Keir Starmer que se destacaram, ao liderarem uma “rescue mission”, conforme satiriza a última edição da revista americana The Week: a sua primeira página exibe uma ilustração que mostra Macron e Starmer, com as bandeiras da União Europeia e do Reino Unido, a navegar numa pequena embarcação em mar encapelado, que procura resgatar o náufrago Zelensky, isto é, mesmo em tempos de incerteza há espaço para algum humor, embora aqui também haja uma crítica americana à debilidade militar da Europa.

Haverá mesmo um novo 'eixo do mal'?

A sucessão de acontecimentos que nas últimas semanas estão a ocorrer na Europa e à volta da Europa começa a ser desesperante, porque os cidadãos estão a ficar muito confusos, interrogando-se sobre este tempo, que já não se sabe se é tempo de paz, ou se é tempo de preparação para mais guerra. O que está a acontecer é um verdadeiro e preocupante tsunami. Com o Papa doente e com António Guterres escondido sem se saber de quê, não há vozes que apelem à moderação e à sensatez. Ninguém esperaria isto, mas depois de 80 anos de paz na Europa, renasceu o turbulento discurso da guerra. Só se fala de guerra. Quase todos os dias há reuniões de alto nível e quase todos os dias se afirma uma coisa e o seu contrário. O amigo de ontem é o adversário de hoje. Parece que ninguém se entende.
A popular revista Stern, que se publica semanalmente em Hamburgo, na sua edição de ontem trata exactamente desta confusão e para ilustrar a sua capa escolheu uma imagem de Donald Trump e de Vladimir Putin, trocando vénias sobre uma Ucrânia estendida e com o título Die Achse der Bösen, cuja tradução é O Eixo do Mal.
O Eixo do Mal foi uma expressão utilizada em 2002 pelo presidente George W. Bush para se referir aos inimigos dos Estados Unidos – Iraque, Irão e Coreia do Norte – os quais acusava de apoiarem o terrorismo e de possuírem armas de destruição maciça.
A imagem das vénias de Trump e Putin vale mais que mil palavras, pois mostra como na política internacional os interesses se sobrepõem aos princípios. Porém, a referência a um eixo do mal inimigo da Europa, ou desta Europa, é um exagero jornalístico para estimular as vendas da revista, embora tenha subjacente a ideia da irrelevância de António Costa, von der Leyen, Macron, Mark Rutte e tantos outros guerreiros, mesmo após o anunciado rearmamento europeu, que o tempo mostrará como aconteceu, ou não aconteceu.

quarta-feira, 5 de março de 2025

São 800 mil milhões de euros, para quê?

O anúncio feito por Ursula von der Leyen a respeito do plano de rearmamento da Europa, que representa um investimento de 800 mil milhões de euros ao longo da próxima década, bem como a forma como foi divulgado, sem qualquer envolvimento da opinião pública e à revelia da vontade das populações, impressionou e está a ser questionado em muitos estados-membros. De facto, os assuntos nacionais de Segurança e Defesa não são do âmbito da Comissão Europeia e, portanto, este anúncio majestático vindo da Comissão Europeia é um atentado a um dos principais pilares das soberanias nacionais. A Europa não é uma federação de Estados.
Hoje, a edição do jornal Le Parisien pergunta, simplesmente: 800 mil milhões, para quê?
Com esta intenção da senhora von der Leyen, a que certamente se vão opor muitas forças sociais europeias, a União Europeia parece mais empenhada em fazer da Europa um gigantesco paiol de armas, com metralhadoras, drones, misseis, aviões de combate e carros blindados, subalternizando o bem-estar dos europeus, os problemas do combate às alterações climáticas, o envelhecimento demográfico das populações, as migrações incontroladas que já alteraram o tecido social de muitas cidades e regiões, as desigualdades nacionais e tantos outros problemas que preocupam os europeus e afectam o seu futuro.
Agora que temos muitas vozes a afirmar que os Estados Unidos deixaram de ser um aliado da Europa, talvez se possa perguntar quais são as ameaças a que o plano de Ursula von der Leyen pretende responder...
Lamentavelmente, o grupo de líderes que se tem reunido nas últimas semanas para enfrentar Donald Trump e apoiar Zelensky, tratou este problema europeu da Segurança e Defesa de uma forma bastante leviana e nem pensou que, com tanto rearmamento, “tudo isto” vai acabar por estimular os nacionalismos e as rivalidades que, historicamente, fizeram esta Europa de Pátrias e de paz, em que hoje vivemos. O plano “ReArm Europe” parece ser um caso de utopia, de fanatismo, de leviandade e até de ignorância. Porém, nem eu, nem Ursula von der Leyen, nem ninguém, tem certezas. São tudo palpites.,,

terça-feira, 4 de março de 2025

A Europa unida, desunida ou confundida?

A política internacional está a desenvolver-se a um ritmo alucinante e, todos os dias, somos confrontados com novas narrativas e novos episódios que confundem os cidadãos comuns, que é a categoria em que nos situamos. O triste encontro da Sala Oval entre Trump e Zelensky, que aconteceu apenas há quatro dias, produziu efeitos demolidores e afectou seriamente os caminhos que conduzirão à paz na Ucrânia, mas também mostrou que os interesses económicos estão acima de todas as considerações.Alguns líderes europeus reuniram-se imediatamente em Londres, agora sob a liderança de Keir Starmer, que parece ser bem mais capaz do que o excêntrico Boris Johnson, daí tendo nascido um plano para levar ao reencontro de Trump e Zelensky, de forma a garantir uma paz justa e duradoura na Ucrânia. Uma parte da imprensa europeia, como sucedeu com o jornal holandês Algemeen Dagblad (AD) que se publica em Roterdão, tratou de mostrar a “fotografia de família” desses líderes e anunciar que, no apoio à Ucrânia, a Europa estava unida. Porém, as declarações produzidas pelos diferentes líderes que estiveram em Londres, mostram que não há unanimidade e que uns apoiam a Ucrânia como podem e outros como lhe convém. De entre essas declarações destaca-se o que diz Ursula von der Leyen que reafirma que “temos que rearmar a Europa” e que “a Europa deve estar preparada para investir mais em armamento”, avançando-se com um plano de 800 mil milhões de euros. A ser assim, o projecto europeu nascido em Roma em 1957, parece ser de guerra e não ser de paz, além de ser demasiado irrealista em termos financeiros. É mesmo um paradoxo que, tendo a União Europeia sido criada para que não houvesse mais guerras na Europa, seja a actual presidente da Comissão Europeia que se apresente, não como defensora da paz, mas como uma persistente defensora do investimento em armas. Provavelmente, como mostra o Eurobarómetro, os europeus não querem perder os seus direitos sociais ou, como diria Paul Samuelson, não querem trocar manteiga por canhões. Recorde-se que, no corrente ano de 2025, o Orçamento da Comissão Europeia é de 193 mil milhões de euros e que o Orçamento do Estado em Portugal é de 133 mil milhões de euros, mas que a senhora von der Leyen quer dispor de 800 mil milhões de euros!
Os tempos estão realmente difíceis e o cidadão comum anda cada vez mais desorientado e confundido com o que dizem e fazem muitos dirigentes políticos.