quinta-feira, 4 de abril de 2024

Israel ignora todas as linhas vermelhas

Nos conflitos que actualmente estão a devastar a Ucrânia e a Faixa de Gaza têm acontecido alguns excessos que violam as leis da guerra e constituem violações dos direitos humanos, o que é de lamentar mas que é normal acontecer em todas as guerras. Daí que surjam as frequentes acusações de crimes de guerra, fundamentadas ou não fundamentadas, embora muitas delas se enquadrem nas políticas de propaganda para atacar o adversário. Porém, no caso do conflito da Ucrânia e apesar de até haver ameaças nucleares, parece haver alguma contenção, ou um quase acordo de cavalheiros, parecendo estar assumidas algumas linhas vermelhas pelos contendores. Em relação ao conflito na Faixa de Gaza a situação é bem diferente, com os israelitas a ser condenados universalmente pela violência com que estão a punir o povo palestiniano, com quotidianos massacres, com a destruição das suas cidades e com a política de genocídio que estão a conduzir.
Os israelitas nunca respeitaram as resoluções condenatórias das Nações Unidas e, nesta altura em que são governados por Benjamin Netanyahu e pelos seus aliados da extrema-direita radical, decidiram atacar o consulado do Irão em Damasco, a capital da Síria. Antes, já a aviação israelita voava sobre o Líbano e a Síria, atacando o grupo armado libanês Hezbollah e os Guardas da Revolução Iraniana, ambos aliados do presidente sírio Bashar al-Assad, o que nada prenunciava de bom.
O ataque israelita a uma instalação diplomática iraniana, tal como o ataque a trabalhadores humanitários em Gaza, foram demasiado graves e significam uma escalada na conflitualidade no Médio Oriente, pelo que o Irão tratou de anunciar que este ataque “não ficará sem resposta”. O caso é muito sério e poucos jornais o analisaram. O jornal londrino The Times foi uma excepção.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Chuva na Andaluzia e regressa a alegria

Desde meados da década passada que a escassez de chuva na região espanhola da Andaluzia se tornou um problema, que se agravou seriamente a partir de 2022, provocando um dos mais críticos períodos de seca desde que há registos. É uma consequência das alterações climáticas que condiciona fortemente o abastecimento público, pelo que a hipótese de trazer barcos-cisterna de outras regiões para minorar o problema da escassez de água era cada vez mais considerado, sobretudo para abastecer os meios urbanos. A falta de água já tinha levado o famoso Parque Natural de Doñana a uma situação-limite, provocando a morte de muitos animais e a seca de muitas árvores.
Porém, a passagem da depressão Nelson e as chuvas caídas durante a Semana Santa “han dado un pequeño respiro a este espacio protegido” e, como ontem anunciou o jornal Diario de Sevilla, “las lluvias dejan agua para un año más”.
O efeito das últimas chuvas também se sentiu noutras áreas andaluzas e o jornal el Día de Córdoba, também noticiava ontem em primeira página que “Córdoba tiene garantizada el agua de consumo para seis años tras la borrasca Nelson”.
Segundo as autoridades, os benefícios trazidos pelas chuvas da Semana Santa – que prejudicaram as celebrações religiosas e o turismo que lhe está associado – “no es suficiente y aún deberia llover mucho más en los próximos meses para resolver el problema de la sequía”.
Porém, depois de alguns anos de desespero por falta de água, a Andaluzia parece renascer com as chuvas e viver um ambiente de renovada alegria.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Há ou não há um risco de guerra global?

Na última cimeira europeia o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez pediu para “rebajar el tono bélico” utilizado por alguns estados-membros, mas a resposta veio do primeiro-ministro polaco Donald Tusk numa entrevista hoje publicada pelo diário espanhol El País. Donald Tusk afirmou que “estamos en una época de preguerra”, acrescentando que “no exagero” e que “nuestro deber no es discutir, sino prepararnos para defendernos”, alertando que “el conflicto en Ucrania puede alargarse”.
Hoje, também a edição do jornal francês La Dépêche du Midi destaca em manchete o título “Economie de guerre: la France se prépare”, na sequência de uma afirmação do seu Ministro do Armamento em que não excluia o recurso de impor à industria francesa a satisfação prioritária das necessidades militares, porque “les stocks de l’armée française étaient adaptés au temps de paix et nous en avons donné une grande partie aux Ukrainieens”.
Há dias foi Lloyd Austin, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, que numa reunião com os seus homónimos de quase cinquenta países declarou que “no nos engañemos, Putin no se detendrá en Ucrania”, enquanto Scholz, Macron e Tusk decidiram reforçar o seu apoio militar à Ucrânia através da aquisição imediata de mais armamento, perante a ameaça de uma nova ofensiva russa.
Não há dúvida que Pedro Sánchez tem razão ao pedir para “rebajar el tono bélico”. Há um discurso de guerra que persiste e preocupa, como se a guerra fosse a solução para a conflitualidade entre países. Não é preciso recorrer às lições da História para saber que as guerras modernas não têm vencedores e que todos saem derrotados. Basta ver as imagens televisivas da morte, do sofrimento e da destruição para condenarmos o “tono bélico” que anda no ar.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Invulgar acidente marítimo em Baltimore

Quando na madrugada de ontem largava do porto de Baltimore com destino ao Sri Lanka, o navio porta-contentores Dali que tem 300 metros de comprimento e hasteava a bandeira de Singapura, perdeu capacidade de manobra e colidiu com um pilar da ponte Francis Scott Key. A colisão provocou a imediata queda do seu principal tabuleiro e, numa reacção em cadeia, originou o colapso de outros tabuleiros da mesma ponte, que tem um comprimento de 2,6 quilómetros. Muitos jornais do mundo inteiro, incluindo o The New York Times, publicaram impressionantes fotografias do Dali, carregado com milhares de contentores - 4700 segundo foi depois divulgado - e com uma parte do pavimento da ponte sobre o seu convés.
O navio tinha largado do cais do porto de Baltimore menos de trinta minutos antes com 22 tripulantes e tinha a bordo dois experientes pilotos locais, mas foram detectadas anomalias eléctricas e foi verificado que os seus movimentos estavam descontrolados, pelo que a tripulação emitiu um pedido de socorro que permitiu que as autoridades portuárias ainda tivessem travado o tráfego de veículos na ponte. Além disso, o navio ainda adoptou procedimentos de emergência ao largar âncoras para travar o seu deslocamento descontrolado, mas essa medida que era adequada não produziu qualquer efeito.
O porto de Baltimore é um dos maiores dos Estados Unidos e o colapso da ponte vai afectar a vida económica do estado de Maryland, porque vai obrigar à paralização do tráfego portuário, tanto de carga como de passageiros, mas também afectará toda a Costa Leste dos Estados Unidos. Por isso e porque este ano há eleições nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden considerou que se tratou de um “terrível acidente” e determinou que se inicie a imediata reconstrução da ponte Francis Scott Key.

terça-feira, 26 de março de 2024

A gestão lucrativa mas anti-social da CGD

Os bancos portugueses obtiveram no ano de 2023 os maiores lucros da sua história e, há alguns dias atrás, a imprensa registava que esses lucros atingiram quase 12 milhões de euros diários. O contributo da banca pública para esses resultados foi significativo, pois a Caixa Geral de Depósitos (CGD) apresentou um lucro líquido de 1.291 milhões de euros, correspondentes a cerca de 3,5 milhões de euros diários, o que tem sido assinalado como um enorme sucesso e como um marco histórico, pois vai permitir que, para além dos impostos legais, o Estado ainda venha a arrecadar 525 milhões de euros de dividendos.
Estes lucros que muito boa gente considera escandalosos, foram impulsionados pela principal fonte de receitas que é a margem financeira, isto é, a diferença entre os juros cobrados no crédito e os juros pagos nos depósitos, a que se junta a abusiva e injusta cobrança de vários serviços, como por exemplo a manutenção de contas bancárias. Chama-se a isto esmifrar ou extorquir a clientela.
Acontece que a gestão da CGD alinha numa lógica de competição com os outros bancos comerciais e, muitas vezes, ignora a sua função social, actuando no mercado segundo a mesma lógica mercantil e de maximização de resultados. Segundo refere a edição de hoje do jornal i que dedicou aos “ricos bancos”, a CGD procurou modernizar-se e reestruturar-se através das novas tecnologias e da redução de balcões e de trabalhadores. Assim, segundo o jornal, entre os anos de 2010 e 2023, a CGD passou de 9672 para 6423 trabalhadores (menos 35%) e de 869 para 515 agências (menos 40%).
Estes números falam por si e mostram como a CGD tem adoptado uma gestão contrária ao interesse nacional em vários aspectos, designadamente com o encerramento de balcões em zonas remotas, o que viola a sua obrigação de prestar um serviço social às populações, sobretudo as mais envelhecidas.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Os portugueses orgulham-se do 25 de Abril

Na sua edição de hoje, o jornal Público divulga as primeiras conclusões de um estudo académico sobre as atitudes face ao 25 de Abril de 1974, que tem por base um inquérito por questionário que foi dirigido à população portuguesa.
O estudo conclui que 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, cerca de 69% dos portugueses fazem uma avaliação muito positiva do legado desse “dia inicial, inteiro e limpo”, com a particularidade dos jovens dos 16 aos 24 anos serem o grupo etário com maior índice de aprovação, que é de cerca de 76%. Depois, há cerca de 24% de portugueses que consideram que o 25 de Abril teve tanto de positivo como de negativo e, finalmente, há cerca de 7% de portugueses que entendem que o 25 de Abril foi mais negativo do que positivo, isto é, os portugueses têm uma diversidade de atitudes em relação àquele histórico acontecimento que, em si mesma, é a expressão da Liberdade que o 25 de Abril lhes proporcionou.
A comparação entre o que se passava em Portugal antes e depois do 25 de Abril de 1974, mostra que, para os portugueses, a Saúde e a Educação foram as áreas que mais melhoraram, mas que também melhoraram muito a Habitação, a Economia, a Integração Regional, a Igualdade Social e até a Justiça, enquanto mais de dois terços dos portugueses acham que a corrupção piorou depois de 1974.
A Democracia que, depois de 48 anos de Ditadura, foi reconquistada pelos portugueses através do 25 de Abril, está a cumprir 50 anos de vida e está viva, como mostrou o inquérito antes referido, tendo sido o ideal inspirador da chamada “terceira vaga da democratização europeia” que chegou à Grécia em 1974 e à Espanha em 1975.

O massacre de Moscovo e o comentariado

Poucos dias depois das eleições presidenciais russas que confirmaram Vladimir Putin no poder, o terror regressou a Moscovo na passada sexta-feira quando um grupo armado de armas automáticas, granadas e bombas incendiárias atacou o Crocus City Hall, o maior teatro da cidade, pouco antes do início de um espectáculo e quando na sala se encontravam alguns milhares de pessoas. Tratou-se de um ataque terrorista de grande violência, de que resultaram 137 mortos e 182 feridos, entre homens, mulheres e crianças. Três dias depois deste massacre de civis inocentes, de que resultou um generalizado envio de condolências às autoridades russas, o enigma persiste quanto à autoria deste massacre, apesar de ter sido reivindicado pelo Isis-K (Islamic State Khorasan), o ramo afegão do Estado Islâmico.
Nos jornais internacionais surgiram as mais diversas interpretações sobre esta acção e o jornal francês Libération refere “o regresso do Estado Islâmico”, embora a questão de se saber quem planeou e apoiou esta acção esteja a gerar alguma controvérsia, com os russos a procurar implicar a Ucrânia nesta acção, eventualmente para justificar acções retaliatórias no contexto da guerra que estão a travar. O aparelho de propaganda russa entrou imediatamente em acção no sentido de mobilizar a seu favor a opinião pública nacional e internacional, através da desvalorização do jihadismo afegão e da repetida insinuação da cumplicidade ucraniana nesta acção terrorista.
O facto é que o Estado Islâmico (ISIS) foi declarado derrotado em 2019 e expulso da Síria e do Iraque, depois de uma campanha militar que até coligou russos e americanos, mas também alguns países europeus e árabes, mas em boa verdade não foi eliminado e reapareceu em Moscovo. Curiosamente, alguns dos nossos comentadores televisivos são tão vesgos e tão fanáticos, que até acusaram Putin de ser o autor do massacre de Moscovo, isto é, quando o mundo ainda procura saber o que se passou, já o comentariado lusitano se tinha apressado a avançar explicações e a identificar responsáveis.

domingo, 24 de março de 2024

Os franceses e o seu forte "apelo do mar"

Na comuna francesa de La Ciotat, localizada na costa mediterrânica entre Toulon e Marselha, está a realizar-se o seu importante salão náutico que sempre desperta o interesse das populações da Provença e ao qual o jornal La Provence, que se publica na cidade francesa de Marselha, dedica uma interessante reportagem na sua última edição.
Essa reportagem que o jornal intitulou “l’appel du large” e que ilustrou com uma sugestiva fotografia de uma regata com várias embarcações de vela, afirma que “o interesse dos provençais pelo mar continua inabalável”.
O jornal apresenta vários tipos de embarcações destinadas à prática da navegação de recreio, mas reconhece que a compra e a manutenção de um qualquer veleiro “é um luxo para muitos velejadores”, pelo que o aluguer de embarcações, sob diversos tipos de contrato, se tornou uma moda nos portos de recreio franceses. Por isso, o salão náutico de La Ciotat, atrai milhares de franceses entusiastas da vela que procuram assegurar atempadamente e a melhor preço, o aluguer das embarcações com que esperam navegar nos meses de Verão. Na costa atlântica e em especial nos portos de La Rochelle, Saint Malo, Cherbourg, Carcassone, entre outros, também a procura de embarcações para alugar é cada vez mais a solução daqueles que sentem “o apelo do mar”.
Curiosamente, o aluguer de embarcações de recreio também já entrou nos hábitos de alguns portugueses, embora muitas vezes esse aluguer não signifique que o objectivo seja a prática desportiva da vela porque, muitas vezes, se trata apenas de um acto de exibicionismo social e uma pretensa afirmação de estatuto económico.

sábado, 23 de março de 2024

O regresso do independentismo catalão

No próximo dia 12 de maio realizam-se eleições antecipadas na Região Autónoma da Catalunha, depois do governo de Pere Aragonès ter visto o parlamento regional rejeitar o seu orçamento para 2024.
Nas últimas eleições realizadas em 2021, o Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC) foi o mais votado, mas uma coligação pós-eleitoral entre os partidos independentistas – a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) de Pere Aragonès e o Juntos pela Catalunha (JxCat) de Carles Puigdemont – permitiu que Aragonès liderasse a Generalitat. Porém, os dois partidos independentistas (a ERC mais à esquerda e mais moderada e o JxCat mais à direita) assumiram a ruptura em outubro de 2022, com o JxCat a abandonar o governo e com a ERC a governar só e sem apoio parlamentar. 
A rejeição do orçamento para 2024 determinou a realização das próximas eleições e o retorno de um cenário de confronto generalizado entre “espanhóis e catalães” é cada vez mais provável, sobretudo depois do eurodeputado e antigo presidente da Generalitat Carles Puigdemont, que continua foragido à Justiça, ter apresentado a sua candidatura com o objectivo de conseguir “a restituição da presidência da Generalitat, de onde foi afastado em 2017”, ao mesmo tempo que já prometeu “concluir com sucesso o processo de independência iniciado em outubro de 2017”.
A ERC já recusou qualquer tipo de aliança com a JxCat e as primeiras sondagens indicam que o favorito é o socialista Salvador Illa, mas o que nesta altura é mais previsível é um aumento da luta política e da instabilidade social resultantes do reacendimento da luta independentista catalã, ou como titulava hoje o jornal El Mundo, o regresso de el ‘procés’, que é a designação simplificada por que é conhecido o processo independentista da Catalunha.

segunda-feira, 18 de março de 2024

Ucrânia: Can Europe Fight Alone?

Um pouco por toda a parte fala-se muito do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mas muito poucos falam da necessidade de acabar com as suas catastróficas consequências e de encontrar uma solução honrosa para as duas partes. A equação é difícil, até porque a guerra tem sido alimentada por um discurso belicista dos meios de comunicação e dos poderes que os dominam, apresentando-a como inevitável, enquanto se acentua a prosperidade de algumas indústrias do armamento, a mostrar que há quem ganhe com esta guerra. Essas posições também têm sido sustentadas por alguns estrategas especializados em data recente e até por alguns dirigentes com interesses políticos particulares.
Porém, há países que começam a sentir o custo demasiado elevado desta guerra e a pressão das opiniões públicas, que exigem que a Diplomacia pare com a guerra, faça negociações e alcance a paz.
Uma outra importante variável nesta equação é a eleição presidencial americana que ocorrerá em Novembro e que, por razões diversas, parece estar a preparar a progressiva saída dos Estados Unidos deste conflito, porque o país tem presente os traumas do Vietnam, do Iraque e do Afeganistão. Assim, tem sido Emmanuel Macron a procurar apresentar-se como um pequeno Napoleão do século XXI, através de iniciativas que supostamente tendem a resistir ao eventual expansionismo russo, havendo vários estados-membros da NATO e da União Europeia que consideram a hipótese de enviar tropas para a Ucrânia, o que representaria o aumento da escalada belicista e, possivelmente, o início de uma confrontação numa escala incontrolável que as opiniões públicas europeias já afirmaram não desejar. Neste perturbador quadro, a questão levantada pela mais recente edição da revista Newsweek, na sua habitual linha belicista, é muito pertinente: Can Europe Fight Alone? Porém, talvez a pergunta devesse ser outra: Can Europe Stop the War?

domingo, 17 de março de 2024

Os lucros escandalosos da banca lusitana

Entre as novidades que nos últimos dias preencheram os nossos noticiários destacou-se a informação de que os “grandes bancos lucram quase 12 milhões por dia em 2023”, que serviu de título à edição de ontem do Diário de Notícias. Segundo foi divulgado, os seis maiores bancos a operar em Portugal – CGD, BPI, Millennium BCP, Montepio, Novobanco e Santander – tiveram lucros de 4,33 mil milhões de euros, o que significa um aumento de cerca de 69% em relação ao ano anterior, com a CGD que é o banco do Estado, a ultrapassar tudo e todos com um lucro de 1,29 mil milhões de euros. É difícil de entender, em tempos de tanta incerteza interna e internacional, como é possível este “assalto” aos depositantes, patrocinado pelo BCE, pelo BP e, naturalmente, pelo governo da República.
Os valores que têm sido apresentados como um exemplo de excelência na gestão, não são mais do que um escandaloso exemplo de extorsão, porque assentam na prática de uma margem financeira – diferença entre os juros cobrados nos empréstimos e os juros pagos nos depósitos – que permitiu que, só com essa injusta prática, aqueles bancos encaixassem 9,68 mil milhões de euros. Porém, o “assalto” aos depositantes tem outras vertentes, de que se destaca a escandalosa prática da cobrança de despesas de manutenção das contas bancárias.
Ao anunciar estes resultados pudemos ouvir um gestor a dizer-se orgulhoso com este escândalo, em que os bancos se enchem à custa de quem precisa de crédito para habitação, para compra de carro, para uma intervenção cirúrgica ou para estudar.
Vem-nos à memória o Poemarma escrito em 1964 por Manuel Alegre:
                    Que o poema assalte esta desordem ordenada
                    Que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!

sábado, 16 de março de 2024

Evocação de precursores do 25 de Abril

Perfazem-se hoje 50 anos sobre a operação, protagonizada por alguns militares do Regimento de Infantaria Nº 5 (R.I. 5), sedeado nas Caldas da Rainha, cujo objectivo era a mudança do regime autoritário que dominava o país desde 1926. Viviam-se tempos de grande insatisfação na sociedade portuguesa devido à repressão e à intolerância política, às dificuldades económicas e ao subdesenvolvimento, à guerra e ao isolamento internacional e, sobretudo, à intransigência do regime na procura de soluções para a problema colonial com que o país se confrontava desde 1961.
Nos meios militares, onde o problema da guerra era mais sensível, pelo cansaço e pela convicção crescente de que a solução era política e não militar, surgiram sinais de contestação protagonizados por oficiais do Exército congregados em torno de um “Movimento dos Capitães”, que se foram acumulando e que geraram a necessidade de uma intervenção militar para mudar o regime. No dia 5 de março de 1974, numa reunião realizada em Cascais, esse movimento deu origem a um Movimento das Forças Armadas (MFA), tendo sido aprovado o documento intitulado “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, que salientava que a guerra “é uma questão gravíssima e está na base de uma crise geral do regime, já incontrolável pelo poder” e que “sem democratização do país não é possível pensar em qualquer solução válida para os gravíssimos problemas que se abatem sobre nós”. O regime reagiu e no dia 9 de março destacou compulsivamente vários oficiais tidos como agitadores, pensando que dessa forma calava a contestação. No dia 13 de março, mais de uma centena de oficiais da Marinha solidarizaram-se com os seus camaradas do Exército e, no dia seguinte, o regime destituiu os generais Costa Gomes e António de Spínola, tidos por aliados dos oficiais contestatários. 
No dia 16 de março de 1974, os militares do R.I. 5 sairam das Caldas da Rainha e avançaram sobre Lisboa. Reagiram emocionalmente e não tiveram sucesso. Hoje o jornal Público evoca essa jornada protagonizada por homens generosos e muito corajosos, mas a sua iniciativa foi um bom ensaio geral, como se verificou cerca de quarenta dias depois, naquele que foi o "dia inicial, inteiro e limpo".

sexta-feira, 15 de março de 2024

A viagem de um Concorde-peça-de-museu

Um avião Concorde com as cores da British Airways percorreu nos dois últimos dias o rio Hudson sobre uma barcaça, desde os estaleiros navais GMD em Brooklyn até ao Intrepid Sea, Air and Space Museum, situado no Pier 86 em Manhattan, na cidade de Nova Iorque. Por razões de segurança, a viagem foi feita em duas etapas, o que permitiu a captura de interessantes fotografias do famoso avião a passar pela Estátua da Liberdade e pelo World Trade Center, além de outros edifícios marcantes do West Side, uma das quais foi publicada em primeira página na edição de hoje do jornal londrino The Times.
O Concorde foi o avião comercial mais rápido do mundo, tendo realizado a mais rápida viagem entre os aeroportos JFK (Nova Iorque) e Heathrow (Londres) em 2 horas, 52 minutos e 59 segundos. No ano de 2003 um Concorde chegou ao Intrepid Museum, um museu instalado a bordo do navio-museu USS Intrepid, um porta-aviões da época da 2ª Guerra Mundial que se encontra no Pier 86, no West Side de Manhattan. 
Neste museu, o Concorde tornou-se a sua principal atracção, mas no passado mês de Agosto foi retirado da sua exposição permanente para ser sujeito a uma demorada operação de restauro nos estaleiros de Brooklyn. Como então se escreveu, o avião que voara à supersónica velocidade de 2.160 km/h, fez uma viagem subsónica para Brooklyn numa barcaça a 9,2 km/h.
Agora, depois de concluídos os trabalhos de restauro e repintura, o British Airways Concorde regressou a casa para recuperar a sua condição de atracção maior.

quarta-feira, 13 de março de 2024

A dívida pública em Portugal e na França

Depois da dívida pública portuguesa, interna e externa, ter atingido um pico de 131,5% do PIB em 2016 e um máximo histórico de 134,9% em 2020, quando houve que dar resposta à crise pandémica, em finais de 2023 baixou para 98,7% e fixou-se em 263 mil milhões de euros. É a primeira vez, desde 2009, que a dívida pública portuguesa se situa abaixo dos 100% e, embora o Eurostat ainda não tenha divulgado as estatísticas relativas a 2023, com base nos últimos resultados conhecidos é possível estimar que Portugal esteja melhor do que a Grécia (166,5%), a Itália (142,4%), a França (111,9%), a Espanha (111,2%) e a Bélgica (106,0%).
A Moody’s reconheceu a forma positiva como evoluiu a dívida pública portuguesa e elevou a respectiva notação de risco para o nível A, o que significa juros mais baixos para o Estado e para a economia portuguesa. Apesar desta evolução muito positiva, em 2024 ainda estão previstos 7,1 mil milhões de euros com juros da dívida pública portuguesa.
Inversamente ao que se passa em Portugal, a França passa por um período de derrapagem das contas públicas que está a gerar inquietação, como revela a imprensa francesa, designadamente a edição de hoje do diário La Croix.
A dívida pública francesa tem aumentado a uma média anual de mais de 100 mil milhões de euros e em 2024 excederá 3.200 mil milhões de euros (12 vezes maior que a dívida portuguesa), como consequência de défices públicos da ordem dos 5% e de um nível de despesa pública superior à média europeia, “sem satisfação equivalente do cidadão quanto à qualidade dos serviços públicos”.
Portugal a melhorar e a França a piorar. Comparando as duas realidades face à gestáo da dívida pública, encontra-se a prova da qualidade e da competência com que as autoridades portuguesas, no Governo e no Banco de Portugal, dirigiram nos anos mais recentes a actividade financeira do Estado Português. O meu aplauso,

segunda-feira, 11 de março de 2024

Uma vitória frágil, um país partido

Com absoluta normalidade democrática realizaram-se ontem as eleições para a Assembleia da República, de que resultará o futuro XXIV Governo Constitucional de Portugal. Embora ainda não estejam apurados os votos dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa que elegem quatro deputados, os resultados apurados nos 308 concelhos e 3092 freguesias continentais e insulares indiciam a vitória da Aliança Democrática (AD) e o segundo lugar para o Partido Socialista (PS), separados apenas por alguns milhares de votos, que representam menos de um por cento dos cerca de três milhões e meio de votos que ambos receberam. Estão já assegurados 79 deputados para a AD e 77 deputados para o PS, o que significa que, no limite e em termos teóricos, o PS ainda pode vir a ter mais deputados do que a AD. Os deputados destas duas forças políticas representam cerca de 70% do total de deputados e, depois de alguns anos de governos do PS, a alternância democrática funcionou e agora será a AD a governar, embora não se saiba se só, ou se acompanhada. O novo governo não tem maioria parlamentar e terá que fazer negociações e concessões, mas também não se sabe a quem, se à esquerda ou à sua direita, com a qual repetidamente recusou alianças.
Os tempos não vão ser fáceis para quem muito prometeu e vai ter as corporações à porta a cobrar essas mesmas promessas. A herança que vai receber é relativamente confortável em termos económicos e financeiros, mas há muitas questões pendentes e sensíveis a aguardar resposta, como o Serviço Nacional de Saúde ou o Novo Aeroporto de Lisboa. O que parece não haver dúvidas é que não se justificava a decisão presidencial de convocar eleições e que os próximos tempos vão ser muito instáveis, o que naturalmente não se deseja, pois já basta a enorme turbulência internacional em que vivemos. A capa da edição de hoje do Jornal de Notícias destaca a percentagem de votos da AD (29,52%), do PS (28,66%) e do partido que mais corporiza o protesto (18,08%), escrevendo, simplesmente: “uma vitória frágil, um país partido”.