segunda-feira, 29 de junho de 2015

A martirizada Aleppo é a nova Sarajevo

A última edição do semanário Tempi, que se publica em Milão e cuja linha editorial é de orientação católica, destaca uma reportagem sobre Aleppo, a segunda maior cidade da Síria, que inclui uma entrevista com o Vigário Apostólico de Aleppo dos Latinos, Dom Georges Abou Khazen.
Aleppo que já foi motor económico da Síria é hoje "a Sarajevo do século XXI", como se lhe referiu o cardeal Angelo Scola. Desde o Verão de 2012 que a cidade está sob os efeitos da guerra e está dividida: na parte oeste que é controlada pelo governo sírio vivem cerca de dois milhões de pessoas, incluindo cerca de 25 mil cristãos, enquanto na parte leste que é dominada pelos jihadistas da Frente Al-Nusra, próxima da Al Qaeda, vivem 300 mil pessoas.
A parte oeste de Aleppo está realmente cercada e a população vive aterrorizada com água uma vez em cada cinco ou dez dias e electricidade apenas duas horas por dia. Os bombardeamentos são diários e são cada vez mais intensos.
O Papa e os bispos católicos lançaram um apelo à comunidade internacional para que intervenha para acabar com o conflito, mas o Vigário Apostólico de Aleppo afirma, na entrevista ao Tempi: “penso che l’opinione pubblica occidentale sia indifferente alla nostra sorte, al contrario dei governi occidentali, che hanno causato questo dramma”. Trata-se de uma declaração insuspeita, feita por alguém que vive o quotidiano da guerra em Aleppo oeste, que revela quem são os senhores da guerra e quem são os responsáveis por este drama. Dom Georges não hesita em nomeá-los - Estados Unidos, Arábia Saudita, Turquia, França. São estes os países que, segundo o Vigário Apostólico de Aleppo dos Latinos, fornecem “armas cada vez mais pesadas e letais, além de combatentes e treino militar e ideológico”.
Um caso triste que envergonha a Humanidade e, sobretudo, os dirigentes comprometidos neste drama como estão americanos, franceses e muitos outros falcões.

domingo, 28 de junho de 2015

Grécia: há sempre alguém que resiste

As relações entre a Grécia e as chamadas instituições credoras estão demasiado tensas e parece que já entramos “em águas nunca dantes navegadas”, como disse Mário Draghi. Ninguém quer assumir a ruptura mas, de facto, ela já aconteceu. As instituições não cedem e os gregos não aceitam repetir os mesmos caminhos que durante cinco anos lhes foram impostos e que os levaram à dramática situação em que se encontram, estando a dar um exemplo de luta contra a prepotência e a arrogância das instituições e dos seus burocratas. No entanto, é bom lembrar que os gregos têm uma longa tradição de resistência e recordemos que, há cerca de 25 séculos, os poderosos exércitos persas invadiram a Grécia mas foram derrotados por Milcíades na batalha de Maratona e que, alguns anos depois, os mesmos exércitos de Xerxes regressaram para conquistar toda a Grécia, mas foram derrotados no desfiladeiro das Termópilas pelo Rei Leónidas de Esparta. Significa que, desde então e ao longo da História, os gregos sempre deram provas de grande resistência aos invasores. Os tempos mudaram e agora os invasores têm comportamentos mais sofisticados, pois já não enviam exércitos como fez Adolfo Hitler durante a 2ª Guerra Mundial, mas actuam na clausura dos gabinetes e no secretismo das reuniões, só passando para o exterior aquilo que eles próprios entendem ser útil para manipular as opiniões públicas e para atingir os seus desígnios pessoais. Wolfgang Schäuble, Jeroen Dijsselbloem e Christine Lagarde, têm sido os rostos da intransigência dos credores e da prepotência dos mercados, cujo objectivo é humilhar a Grécia (e todas as outras “grécias” que queiram despontar) e impor-lhe mais austeridade, mais sacrifícios e mais empobrecimento, isto é, prosseguir as desastrosas políticas que conduziram à recessão económica, ao desemprego e à tragédia social que é hoje a situação grega. Ameaçam e chantageiam. Parecem uma alcateia de lobos esfomeados à volta de uma presa enfraquecida, endividada e humilhada. Nunca se tinha ido tão longe. Os governantes gregos reagiram democraticamente, não aceitaram o diktat das instituições, resistiram e decidiram interrogar o seu povo soberano, os seus eleitores. A sua coragem impressionou os burocratas, muito habituados aos “bons alunos” subservientes. Tsipras e Varoufakis são mesmo uns valentes e defendem os interesses da Grécia. Merecem o respeito, mesmo daqueles que não concordam com eles. Ocorre-nos a “Trova do Vento que Passa”, o poema de Manuel Alegre que nos inspirou contra a prepotência do Estado Novo e que bem se ajusta aos corajosos dirigentes gregos:
           “Mesmo na noite mais triste / Em tempos de servidão 
           Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não”.
 

sábado, 27 de junho de 2015

Jorge Sampaio foi distinguido pela ONU

Um comité de selecção das Nações Unidas decidiu atribuir ao antigo Presidente Jorge Sampaio e à médica namibiana Helena Ndume o The 2015 United Nations Nelson Rolihlahla Mandela Prize, um prémio atribuído pela Assembleia Geral da ONU apenas de cinco em cinco anos para distinguir duas personalidades, uma masculina e outra feminina de diferentes continentes, que "dedicaram as suas vidas ao serviço da Humanidade, promovendo as finalidades e os princípios das Nações Unidas". O prémio foi estabelecido em 2014 e foi atribuído este ano pela primeira vez.
A vida política de Jorge Sampaio é exemplar, desde os seus tempos de dirigente estudantil em que lutou contra a ditadura do Estado Novo, até aos seus tempos pós-presidenciais em que foi designado como o Alto Representante da ONU para a Aliança entre Civilizações, por nomeação directa do Secretário-geral da ONU. Entre essas duas balizas da sua vida política, Jorge Sampaio foi Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e Presidente da República, tendo apoiado muitas causas de grande relevância internacional como a independência de Timor-Leste e, mais recentemente, a chamada Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios.
É, naturalmente, uma distinção de grande prestígio para Jorge Sampaio e para o nosso país que muito nos devia orgulhar, mas os nossos jornais e as nossas televisões quase não falaram neste assunto. A notícia não mereceu uma primeira página de jornal, nem tão pouco uma abertura de telejornal. Uma tristeza! Um exemplo da mediocridade e do sectarismo que tomou conta da comunicação social portuguesa.
Homens como este são raros e deviam ser mostrados à sociedade como um exemplo, num tempo em que faltam referenciais de altruísmo, de generosidade e de ética no serviço público. E fico-me por aqui...
 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Os filhos e os enteados do luso-desporto

Está a decorrer em Baku, no Azerbaijão, a primeira edição dos Jogos Europeus, uma competição desportiva que se disputa de 12 a 28 de Junho e que se destina a atletas europeus. O evento reproduz os Jogos Olímpicos a uma escala europeia e nele estão presentes cerca de seis mil atletas que representam cinquenta Comités Olímpicos que competem em vinte modalidades. Como se tem visto pela televisão, a organização tem sido muito eficiente e muito profissional, o que contribui para a promoção deste país do Cáucaso, cuja principal riqueza é... o petróleo.
Até ao momento, os atletas portugueses conquistaram 9 medalhas, das quais três de ouro, o que posiciona o nosso país no 16º lugar no ranking das medalhas. É um resultado muito satisfatório, até porque a nossa tradição desportiva nas chamadas modalidades olímpicas é pouco competitiva. A última dessas medalhas foi obtida pela judoca Telma Monteiro, que ganhou a sua prova de -57 Kg e que, dessa forma, se tornou pentacampeã europeia de judo.
Antes desta vitória de Telma Monteiro, os portugueses já tinham ganho 2 medalhas de ouro no ténis de mesa e no taekwondo, 4 medalhas de prata no tiro, no triatlo e na canoagem e 2 medalhas de cobre no taekwondo e nos saltos de trampolim. A comunicação social portuguesa noticiou estes resultados mas não lhes deu qualquer destaque, pelo que os atletas que eram desconhecidos do público continuaram a ser desconhecidos, até porque os jornais desportivos se interessam apenas por treinadores e jogadores de futebol. Inversamente, os jornais portugueses de referência destacaram hoje a vitória de Telma Monteiro, talvez por ter boa notoriedade desportiva, ou por ser "atleta de alta competição", ou por ser do Benfica ou porque beneficia dos favores do jornalismo. Acho bem, mas pergunto porque não fizeram isso ao Rui Bragança, ao João Geraldo, ao Marcos Freitas e ao Tiago Apolónia que também ganharam ouro? E ao Fernando Pimenta, ao João Silva e ao João Costa que conquistaram medalhas de prata? E à Beatriz Martins, à Ana Rente e ao Júlio Ferreira que trouxeram medalhas de cobre? É que, até no desporto, uns são filhos e outros são enteados, isto é, os nossos jornais e os nossos jornalistas estão quase sempre ao lado dos mais poderosos, dos mais fortes, dos mais conhecidos e dos mais populares.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Moçambique: 40 anos de independência

Lourenço Marques, Estádio da Machava, 25 de Julho de 1975
Foi há 40 anos que, numa noite de chuva torrencial, um marinheiro português arriou a bandeira nacional no Estádio da Machava na cidade de Lourenço Marques,  sendo içada depois a bandeira da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Passados 477 anos sobre os primeiros contactos de Vasco da Gama com a “terra da boa gente” (Inhambane) e com o “rio dos bons sinais” (Quelimane), estava consumada a independência da República Popular de Moçambique.
A guerra em Moçambique que tantos de nós conhecemos, tinha sido muito dura, mas não foi longa. O dia 25 de Setembro de 1964 é considerado como a data de início da luta armada de libertação nacional com o ataque ao posto administrativo do Chai (província de Cabo Delgado) e o dia 7 de Setembro de 1974 é considerado como a data do fim da guerra com a assinatura em Lusaca de um acordo de cessar-fogo.
No dia 12 de Setembro de 1974 chegou a Moçambique o novo Alto-Comissário Vítor Crespo como representante da soberania portuguesa e, poucos dias depois, foi formado um Governo de Transição chefiado por Joaquim Chissano, que incluia ministros designados por Portugal e por Moçambique. A formalização da independência ficou acordada para o dia 25 de Junho de 1975, a data do 13º aniversário da fundação da Frelimo.
E assim sucedeu. A cerimónia de declaração da independência moçambicana realizou-se no Estádio da Machava na data prevista, com toda a dignidade e com a presença das autoridades portuguesas, como o Alto-Comissário, o Primeiro-Ministro de Portugal e os responsáveis máximos dos partidos políticos portugueses de então (Mário Soares pelo PS, Magalhães Mota pelo PPD, Álvaro Cunhal pelo PCP e Pereira de Moura pelo MDP/CDE). Samora Machel, o Presidente da Frelimo e futuro Primeiro-Ministro de Moçambique, fez então uma declaração, entusiasticamente recebida pela população:
“Moçambicanas! Moçambicanos! Operários! Camponeses! Combatentes! Povo Moçambicano! Em vosso nome, às zero horas de hoje, 25 de Junho de 1975, o Comité Central da Frelimo proclama solenemente a independência total e completa de Moçambique e a sua constituição como República Popular de Moçambique”.
Assim se iniciou a nova vida de Moçambique que, 40 anos depois, aqui se evoca!

terça-feira, 23 de junho de 2015

Tempestade política na Carolina do Sul?

Há cerca de uma semana, na cidade americana de Charleston, um jovem de 21 anos de idade de nome Dylann Storm Roof entrou numa igreja metodista episcopal africana e assassinou nove pessoas a tiro. A América ficou em estado de choque e Nikki Haley, a governadora do Estado da Carolina do Sul, apressou-se a condenar este acto e a declarar que “este é o pior crime de ódio que o país viu desde há muitos anos”. No mesmo sentido se pronunciou o presidente Barack Obama.
Tudo isto aconteceu no estado que na guerra da Secessão de 1861-1865 liderou os Confederate States of America, uma coligação de Estados que tinha proclamado a sua secessão dos Estados Unidos e que tinha a sua própria bandeira – a chamada Cruz de Santo André ou “cruz sulista”, com treze estrelas correspondentes aos treze estados confederados. Passado um século e meio sobre o fim da guerra e a derrota confederada, a bandeira confederada parece ter renascido, havendo muita gente que a utiliza como argumento para a preservação da sua própria história. Assim, a bandeira é vista, frequentemente, nos mastros de muitas residências particulares, em automóveis, em T-shirts e em merchandising diverso. Porém, a bandeira confederada tem uma conotação política que ultrapassa o seu simbolismo histórico, pois está associada à supremacia branca e à defesa da escravatura, sendo também um símbolo de contestação e rebeldia e, por vezes, até aparece conotada com a suástica nazi.
Quando foram divulgadas as fotografias do autor confesso do crime de Charleston com a bandeira confederada e se soube que soltou gritos racistas durante o seu criminoso acto, a opinião pública local reagiu. Acontece que nos jardins do palácio do governo na cidade de Columbia, por decisão do parlamento estadual, está desfraldada desde 1962 uma bandeira confederada que agora pode transmitir uma mensagem errada à população. A governadora Haley exige a retirada da bandeira, mas terão que ser o Senado e a Câmara dos Representantes estaduais a tomar essa decisão, com uma maioria de 2/3 em ambas as câmaras. Em tempo de eleições presidenciais, a bandeira confederada pode estar no meio de uma tempestade política como hoje adverte o USA Today.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Grécia e a não-solidariedade europeia

Parece que hoje se irá definir o futuro da Grécia e que vai terminar o braço de ferro que tem sido mantido entre o governo grego de Alexis Tsipras e a troika, agora designada por instituições. É tudo muito imprevisível, mas espera-se que a razão do pequeno David resista à agressividade de Golias.
A intervenção da troika na Grécia foi um desastre. A dívida grega aumentou, a economia regrediu, o rendimento nacional caiu cerca de 25% e a situação social é de quase calamidade. A dívida grega equivale actualmente a cerca de 177% do PIB e é evidente que é insustentável, pois a sua economia não consegue gerar os rendimentos necessários para cumprir com o pagamento de juros e de amortizações. A vitória do Syriza e de Alexis Tsipras em 26 de Janeiro de 2015 resultou de uma reacção do eleitorado às medidas de austeridade que as instituições têm imposto desde há cinco anos e do seu programa para reestruturar a dívida como forma de enfrentar a situação. Embora com algumas cedências pontuais, os principais falcões das instituições exigem mais austeridade à Grécia como contrapartida do seu financiamento e não hesitam em humilhar um país que é o berço da democracia e da nossa civilização, enquanto o governo grego entende não ceder às suas exigências porque é esse o seu mandato eleitoral, isto é, uns estão ao lado dos abutres da finança especulativa e outros ao lado dos seus eleitores. É um problema muito complexo e era bom que todos lessem a exortação apostólica do Papa Francisco sobre "esta economia que mata", porque haviam de aprender com a Evangelii Gaudium. A solução passa por decisões de políticos corajosos e não por burocratas irresponsáveis e gananciosos, que encontraram nesta crise um modelo para enriquecer rapidamente, mas sobre esse tema estão publicadas centenas de entrevistas, artigos de opinião e comentários que dizem tudo e o seu contrário.
Muita gente tem feito acusações ao Syriza, esquecendo que foi o governo da Nova Democracia de Antónis Samarás que governou a Grécia desde 20 de Junho de 2012 até 25 de Janeiro de 2015 e que esse governo foi incapaz de travar a espiral da dívida grega e de relançar a economia e o emprego, exactamente porque aceitou as políticas erradas da troika. E quando o grande líder, o homem que veio de Boliqueime e se instalou em Belém, estando em Sofia, nos disse que a situação da Grécia é preocupante mas não podem ser abertas excepções, ficamos estarrecidos. Mais uma vez, tal como quando assegurou em Seul que podíamos confiar no BES. É que, factos são factos e, depois da Grécia, os países europeus mais endividados são a Itália (132,1% do PIB) e Portugal (130,2% do PIB). O que acontecer na Grécia, mais tarde ou mais cedo também passará por cá. Os credores costumam ser implacáveis e, nessas matérias, os portugueses serão tratados como gregos.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Em Waterloo com Napoleão (1815-2015)

Foi há 200 anos que nos campos de Waterloo se desenrolou uma das mais famosas batalhas da história mundial, de que resultou a derrota do imperador Napoleão Bonaparte.
O imperador dos franceses tinha sido derrotado em 1814 por uma coligação europeia e tinha sido mandado para o exílio na ilha de Elba, enquanto o rei Luís XVIII foi colocado no trono da França e os aliados se reuniram em Viena para redesenhar o mapa da Europa depois do abalo provocado pela aventura napoleónica que, entre outras coisas, até provocara a retirada da Família Real portuguesa para o Brasil em 1807. Porém, Napoleão evadiu-se da ilha de Elba, regressou a França e, no dia 20 de Março de 1815, entrou em Paris onde foi recebido em apoteose e onde recuperou o poder.
No dia 15 de Junho, à frente de um exército de 73 mil homens, decidiu invadir os campos da actual Bélgica, então pertencentes ao Reino Unido dos Países Baixos, com o objectivo de bater o exército chefiado pelo Duque de Wellington, constituído por 93 mil ingleses e o exército prussiano do general Blücher, com 117 mil homens. Prevendo a chegada próxima de reforços austríacos e russos e, apesar da desvantagem numérica, Napoleão atacou os exércitos de Wellington e de Blücher nos campos de Waterloo . O confronto iniciou-se no dia 16 de Junho e teve o seu dia decisivo no dia 18 de Junho de 1815, quando Napoleão foi derrotado e retirou do campo de batalha. Depois, abdicou, rendeu-se aos ingleses e foi exilado para a ilha de Santa Helena, onde morreu em 1821.
O campo militar de Waterloo, que fica a cerca de 12 quilómetros de Bruxelas, foi preservado museologicamente e é exactamente nesse local que, hoje e nos próximos dias, se realizam reconstituições da famosa batalha. Muitos jornais belgas, franceses e ingleses evocam hoje nas suas edições a histórica batalha que ditou o fim da era napoleónica.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Lisboa é a cidade dos jacarandás

Lisboa: avenida 24 de Julho
Desde os fins de Maio até quase ao fim de Junho, muitas ruas e praças da cidade de Lisboa são tomadas pelo azul aroxeado das flores dos jacarandás (jacarandá mimosifolia), uma árvore exótica cujo nome tupi-guarani revela a sua origem sul-americana. A árvore foi introduzida em Portugal pelo botânico Félix de Avelar Brotero quando dirigiu o Jardim Botânico no primeiro quartel do século XIX, tendo sido aclimatizado e depois plantado por toda a cidade de Lisboa e, em menor escala, em outras localidades. Dizem os livros que o jacarandá tem o tronco um pouco retorcido e a copa arredondada, irregular, arejada e rala, perdendo a folhagem no inverno e que tem raízes aprumadas e profundas que não danificam os pisos das calçadas lisboetas, razão porque que passou a ser muito utilizada na ornamentação das ruas, praças e parques da cidade.
Porém, o que verdadeiramente destaca o jacarandá é o seu florescimento a partir de Maio, que constitui um fascinante espectáculo de azul aroxeado que alastra um pouco por todo o lado e que, com a luminosidade característica da cidade de Lisboa, lhe dá um ar tropical único que não é atlântico, nem é mediterrânico. Por isso, os jacarandás são um prazer  para a vista, ao mesmo tempo que insinuam as paragens brasileiras e inspiram muitos lisboetas a fotografar e a escrever sobre este quase ex-libris da cidade de Lisboa, que tanto encanta os lisboetas (excepção feita aos automobilistas que estacionam junto das floridas árvores) e os turistas. Seguramente que, aos elementos que formam o eixo dominante da identidade lisboeta, como o estuário do Tejo, os monumentos e as igrejas, a memória histórica, o fado, as marchas populares, os cacilheiros, o SLB e o SCP, o pastel de Belém, a Tendinha, o João do Grão e tantas outras coisas boas da nossa cidade, teremos que acrescentar o nosso amigo jacarandá. Com toda a justiça!

terça-feira, 16 de junho de 2015

O jogo da TAP e os jogadores em off-side

A questão da privatização da TAP tem suscitado muita controvérsia e não tem deixado ninguém indiferente.
Os argumentos de quem a defende são de natureza financeira e ideológica, enquanto os argumentos de quem discorda são sobretudo de ordem económica e emocional. O debate tem sido apaixonante e mostrou que os portugueses estão muito divididos em relação ao assunto. Na sua ânsia privatizadora, o governo não procurou consensos nem soluções alternativas, tratando de construir uma narrativa que servia os seus propósitos, sem atender ao valor simbólico que a TAP tem para os portugueses, nem ao serviço que presta à economia nacional e às comunidades portuguesas, nem ao emprego directo e indirecto que assegura. A privatização da TAP, tal como acontecera com os Correios e com outras empresas estratégicas, não representa uma mera desnacionalização empresarial e um acto de gestão governativa, mas constitui uma desnacionalização do nosso património, da nossa memória, da nossa identidade e do nosso orgulho nacional. Ao actuar como actuou em relação à TAP, à pressa, com sigilo, com uma intensa campanha de propaganda e a poucos meses de eleições legislativas, o governo prestou um mau serviço ao país, com o apoio de alguns obcecados jornalistas que arregimentou para a sua causa.
Porém, a cereja no topo do bolo, veio de outro lado. Continuando sem perceber que a sua função presidencial é promover a união e a coesão entre os portugueses e de ser um árbitro prudente em questões sensíveis como estas, o homem que veio de Boliqueime e se instalou em Belém, colocou-se uma vez mais em off-side ao afirmar, exactamente a bordo de um avião da TAP e em total informalidade, que estava “mais aliviado” relativamente à privatização da TAP. Que tristeza! Está ele preocupado com a pobreza e o desemprego? É ele o presidente de todos os portugueses? Certamente que não. É mais um cartão amarelo e já são demasiados. É uma pena que nestes jogos não haja cartões vermelhos por acumulação de amarelos!

domingo, 14 de junho de 2015

O mito Robin Hood e o discurso de Hillary

No dia 8 de Novembro de 2016 realizar-se-ão as eleições presidenciais americanas. Ainda faltam mais de 16 meses, mas já estão oficialmente anunciadas 14 candidaturas, sendo dez por parte de apoiantes do Partido Republicano e quatro por parte de apoiantes do Partido Democrata. Este elevado número de candidaturas resulta em boa medida do facto de Barack Obama, o actual Presidente, não ser elegível para um terceiro mandato, o que aumenta a probabilidade de vir a acontecer uma mudança de ciclo dos Democratas para os Republicanos.
Um dos candidatos democratas já anunciados é Hillary Rodham Clinton, a antiga Primeira Dama (1993-2001) e Secretária de Estado (2009-2013), que ontem fez o lançamento oficial da sua campanha presidencial na ilha Roosevelt, no East Side de Nova Yorque, com um discurso de 40 minutos perante alguns milhares de apoiantes, tendo a seu lado o marido Bill Clinton, a filha Chelsea e o genro Marc Mezvinsky. Respondendo aos que apontam os seus 67 anos de idade como um handicap, ela disse que “posso não ser o candidato mais jovem na corrida presidencial, mas vou ser a mais jovem mulher a ser Presidente dos Estados Unidos”. Porém, o que despertou mais interesse no discurso de Hillary Clinton foi a sua declaração anti-Wall Street e de grande hostilidade ao poder especulativo e ganancioso dos bancos, dos fundos financeiros e das grandes empresas, tendo afirmado que “iria tirar aos ricos para dar aos pobres”. O diário sensacionalista New York Post, que é o sétimo jornal americano em termos de circulação, destacou hoje essa declaração de ataque aos ricos para tratar Hillary Clinton como Rodham Hood, isto é, uma moderna versão no feminino do simbólico Robin Hood, o herói mítico dos ingleses que roubava aos ricos para dar aos pobres.

A exposição da obra de Josefa de Óbidos

Josefa de Óbidos e a invenção do Barroco Português é uma grande exposição patente no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, com mais de 130 peças de pintura, escultura e artes decorativas, provenientes das colecções de várias instituições nacionais e estrangeiras, em que se destacam os museus do Prado e de Bellas Artes de Sevilha e o Mosteiro do Escorial, além de muitas obras cedidas por colecionadores particulares. Destacam-se, também, algumas importantes pinturas e retábulos provenientes de algumas igrejas e paróquias da região Oeste, nomeadamente Cascais, Peniche e Torres Vedras, para as quais a pintora trabalhou.
Josefa de Ayala Figueira, conhecida em Portugal por Josefa de Óbidos, era filha do pintor português Baltazar Gomes Figueira, natural de Óbidos, e de mãe espanhola, tendo nascido em Sevilha em 1630, mas os seus pais fixaram-se em Óbidos quando ela tinha 4 anos de idade. Seguiu as pisadas artísticas do pai desde a adolescência e viveu em Óbidos até 1684, sendo considerada uma especialista na pintura de temas religiosos  e de naturezas mortas, onde incluia flores, frutos, aves de caça e objectos inanimados.
A exposição dispersa-se por oito núcleos e constitui, também, um suporte para revelar os méritos e a originalidade do Barroco Português nos anos que se seguiram à restauração da independência portuguesa. Trata-se de uma exposição muito bem estruturada e muito pedagógica que nos revela uma grande pintora e a sua época,  estando patente no Museu Nacional de Arte Antiga até ao dia 6 de Setembro.

A nova face do poder local em Espanha

Havia uma grande expectativa quanto aos arranjos políticos que iriam concretizar-se depois das eleições autárquicas espanholas de 24 de Maio.
Ontem, realizou-se a tomada de posse dos novos alcaides e de mais de oito mil novos autarcas, depois de terem sido negociados muitos pactos pactos e alianças entre as “forças da mudança”. O mapa político espanhol foi muito alterado, com a esquerda (PSOE, Podemos e outras formações nacionalistas e independentes) a garantir o poder em 37 das 54 capitais de província do país e a acabar com domínio do PP no poder local, que agora governa apenas 17 das 43 capitais que antes governava. Como salienta o jornal madrileno El Mundo, foi a “revolución en los ayuntamientos”.
O facto mais saliente aconteceu nos dois maiores municípios espanhóis e teve duas mulheres independentes como protagonistas: em Madrid foi empossada Manuela Carmena, juiza reformada que foi eleita pela lista cidadã “Ahora Madrid” e que garantiu o apoio do PSOE para governar a capital com maioria absoluta e, em Barcelona, tomou posse a activista política e social Ada Colau, que assumiu o cargo após a vitória da sua coligação “Barcelona en Comú”. A generalidade das lideranças agora empossadas tem um ideário político que se afasta claramente das práticas partidárias habituais e defende o governo das cidades com uma política anti-austeridade e ao serviço da maioria empobrecida, a criação de emprego, o reforço da coesão social, uma maior equidade económica e social, uma participação efectiva dos cidadãos e a eficiência nas despesas públicas.
Em Espanha, as expectativas são muito altas mas, naturalmente, o que acontecer no país vizinho também nos interessa.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

As grandes festas da cidade de Lisboa

Hoje é a grande noite das Festas de Lisboa de 2015!
Embora o programa das festas se estenda desde o dia 30 de Maio até ao dia 4 de Julho, contemplando inúmeras iniciativas culturais, incluindo os concertos, as exposições, festivais de cinema e teatro, algumas competições desportivas e outros eventos, o facto é que a noite de Santo António é a rainha da festa, com uma singular animação nas ruas, com o cheiro da sardinha assada a impor-se nos recantos mais típicos da cidade e com o desfile das marchas populares. Será assim por toda a cidade, especialmente na Alfama, na Mouraria, no Castelo e na Madragoa. Os característicos aromas dos manjericos andarão no ar e são acompanhados por um cravo de papel e de uma quadra alusiva a Santo António. Os bairros populares já estão engalanados com grinaldas e globos coloridos e as suas ruas já se animam com a música popular. Os restaurantes e as tabernas já instalaram as suas mesas, os barris de cerveja estão prontos e os assadores estão preparados para a noite da sardinha assada. A meteorologia está a ajudar e a cidade está cheia de turistas. Respira-se um ambiente de festa. Lisboa e os lisboetas bem precisam dele.
Na grande Avenida da Liberdade vão desfilar as marchas populares e, ao longo da avenida, estarão milhares de pessoas a assistir ao desfile e a apoiar os marchantes. A televisão dedica sempre grandes espaços às festas da cidade e todo o país vai ter a possibilidade de ver a alegria e a cor das grandes festas da cidade de Lisboa.
Camões tinha razão quando em 1572 escreveu:
                              E tu, nobre Lisboa, que no mundo
                              Facilmente das outras és princesa.
                              (Os Lusíadas, Canto III, Estância 57)
Lisboa grande cidade, Lisboa a minha cidade!

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Foi apenas música no coração

A generalidade da imprensa internacional de referência ilustrou as suas edições de ontem com uma fotografia alusiva à reunião do G7 – Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão, Reino Unido, Itália e França – que se realizou em Elmau, nos  Alpes da Baviera. Essa fotografia mostra Angela Merkel e Barack Obama a conversar descontraidamente num cenário campestre que tem como pano de fundo as montanhas alpinas ainda cobertas de neve. Muitos dos relatos e das legendas que acompanharam essa fotografia na imprensa internacional aludiam à semelhança com o cenário do filme “Música no coração”, rodado em 1965 sob a direcção de Robert Wise e tendo Julie Andrews como protagonista.
Sabe-se pouco a respeito dos assuntos tratados nestas reuniões do G7, mas parece que as preocupações se centraram nos problemas financeiros da Grécia e no nervosismo por que passam os seus credores, na forte crítica ao envolvimento russo no separatismo ucraniano e, ainda, no problema das alterações climáticas. A ter sido assim, significa que os sete países mais industrializados do mundo estiveram reunidos para que alguns deles tratassem das suas agendas próprias, enquanto outros se limitaram a fazer-lhes companhia. A ter sido assim, os mais preocupantes problemas mundiais da actualidade não foram tratados na reunião, caso da fome e da desigualdade no mundo, do terrorismo, do declínio demográfico da Europa, da proliferação de guerras e da instabilidade no Médio Oriente, da ameaça jihadista e das maciças migrações do Mediterrâneo e do Sueste asiático, entre tantos outros problemas que afligem o mundo.
A fotografia de Obama e Merkel que se tornou famosa, parece traduzir o que realmente se passou em Elmau, isto é, um encontro cordial de amigos que se limitou a ameaçar a Grécia e a insistir nas sanções à Rússia ou, como foi escrito, não foi mais do que música no coração.