segunda-feira, 31 de março de 2014

As reflexões de Alípio Dias

Tendo estado afastado das minhas rotinas durante alguns dias e de algumas das minhas fontes de informação habituais, só agora tive conhecimento da entrevista que Alípio Dias deu ao jornal i e que julgo ter sido publicada na edição do dia 22 de Março a propósito do 40º aniversário do 25 de Abril. O lead da notícia era um bocado enganador, pois a entrevista era muito mais substantiva: “Mandei fechar o Banco Borges às 10 da manhã. Já não tínhamos notas”.
Alípio Dias é uma personalidade relevante do nosso regime democrático: economista, docente universitário, deputado pelo PSD, Secretário de Estado das Finanças e do Orçamento em cinco governos constitucionais, vice-governador do Banco de Portugal, Presidente do Banco Totta & Açores e Administrador do BCP, entre outras funções desempenhadas. A sua entrevista é fluente, muito interessante e, sem comentários, dela destaco algumas passagens.
Sobre o serviço militar obrigatório: O governo ter acabado com o serviço militar obrigatório foi um erro gravíssimo. Não digo que durasse três anos e tal, mas 12 a 14 meses, sim […] porque se misturavam pessoas de norte a sul, gente que não tinha nada com gente que tinha tudo, havia uma miscigenação, uma amálgama, mas aproximava as pessoas, havia camaradagem. Digo-lhe uma coisa: se não fosse a Marinha, a minha vida tinha sido outra.
Sobre as negociações com a troika: Hoje há muita incompetência, é por isso que estamos na situação em que estamos. E é por isso que as negociações com a troika são o que são. Eu fiz as negociações com o FMI: havia coisas que eles não aceitavam, havia outras que não aceitávamos nós. Por isso digo que há incompetência e há desonestidade intelectual. Não é possível manter isto.
Sobre a geração que está hoje no poder: Falta-lhe ser educada. Education, no sentido inglês do termo. Esta geração não teve education, permitem-se fazer tudo, não respeitam constituições, não respeitam leis. Tenho muito respeito pelo Pedro, mas não pode ser. Ele não pode dizer o que disse ao Bloco de Esquerda na Assembleia da República, tem de responder. Mas sabem que estão a conduzir uma política errada […] Porque é que Vítor Gaspar saiu? Percebeu que esta política só nos conduzia à desgraça e não quis participar nisto, safou-se. […] Hoje há muita incompetência, é por isso que estamos na situação em que estamos. E é por isso que as negociações com a troika são o que são. 
É militante do PSD. Já explicou isso a Passos Coelho? Não posso não ser leal e tenho as quotas pagas até 2019. Enviei uma carta ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. Acho que estamos no limite, mas o Pedro está convencido de que o divino Espírito Santo o iluminou. Eu acho que estão a abusar. Há uma coisa que vem na Constituição: Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência, ao desenvolvimento, bem como o direito de insurreição contra todas as formas de opressão... Estamos a chegar a esta parte. Escrevi para chamar a atenção e dizer, cuidado, podemos chegar aqui.

sábado, 29 de março de 2014

A EDP e a falta de pudor e de vergonha

A EDP e os interesses que giram à sua volta são privados e não correspondem aos interesses do povo português. Não devia ser assim, mas foi isso que quiseram os que nos governam. Os seus lucros superam os mil milhões de euros anuais e são verdadeiramente obscenos, num país em que a desigualdade e a pobreza se agravam e são chocantes. A EDP e a sua gente engordam à nossa custa. No ano de 2013 as famílias portuguesas gastaram quase 6% do seu rendimento disponível na conta da eletricidade, o que corresponde à maior factura entre os países da União Europeia e, neste ano de 2014 será ainda maior, já que o preço da electricidade voltou a subir (2,8%) e os consumidores tiveram quebra dos seus rendimentos. Pagamos a quarta energia mais cara da União Europeia, em paridade de poder de compra, de acordo com um estudo elaborado pelo Eurostat com base nos preços referentes a Julho de 2013. Neste quadro de verdadeiro assalto às famílias portuguesas e de escandalosa protecção à EDP, há espaço para acomodar alguns amigalhaços, que nem precisam de tachos, nem percebem nada de electricidade. É gente que aceita estes lugares apenas por egoísmo, por vaidade e por ganância, sem pensar nos sacrifícios e nas incertezas por que passam os seus concidadãos. É gente sem pudor e sem vergonha. O Correio da Manhã divulgou hoje os seus nomes e os valores milionários que recebem. São catrogas e cardonas, são macedos e mateus. Ocorre-me o Manifesto Anti-Dantas de José de Almada-Negreiros, porque esta gente que está acantonada na EDP é a versão moderna do Dantas.
     O Dantas é o escárneo da consciência!
     Se o Dantas é portuguez eu quero ser hespanhol!

sexta-feira, 28 de março de 2014

Stiglitz e a dívida pública portuguesa

Joseph Stiglitz, o Prémio Nobel da Economia de 2001, esteve em Macau há alguns meses a convite da Autoridade Monetária e Cambial, mas regressou agora para participar no arranque do Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental (MIECF) e para proferir algumas palestras. O jornal Hoje Macau destaca na sua edição de hoje as principais linhas das intervenções de Stiglitz, em que defende o combate às desigualdades sociais e à corrupção, para além de apontar caminhos que o jornal sintetiza com a frase “morte aos cheques”, porque em sua opinião, mais importante do que dar cheques à população, é necessário o investimento na saúde e na educação, para que sejam áreas acessíveis a todos, uma vez que as desigualdades começam desde a infância.
Interrogado a respeito da situação portuguesa o Prémio Nobel da Economia preferiu não dizer se assinaria o manifesto assinado em Portugal por 74 personalidades em que pedem a reestruturação da dívida pública, mas defendeu que o país precisa de o fazer “de forma profunda” e acrescentou:
“Se essa reestruturação não for suficiente, voltarão a ter problemas dentro de três anos, tal como a Grécia teve”.
Joseph Stiglitz também chamou a atenção para a posição das estruturas europeias:
“Há uma resistência muito grande no Banco Central Europeu e na Alemanha à reestruturação da dívida. Representam os interesses dos credores que querem sempre estrangular o devedor. O que é pouco inteligente, porque estrangulando o devedor conseguem menos do que conseguiriam se o tratassem bem. Mas há uma propensão para estrangular”.
Bom seria que os nossos submissos e insensíveis governantes aprendessem com Stiglitz e, tivessem orgulho no nosso povo,  não se deixando humilhar pela troika, pelos seus funcionários e pelos seus mentores.

VISÃO História e a operação Fim-Regime

A VISÃO História é uma revista especializada em temas de História que se publica trimestralmente desde 2008 e que é dirigida a um público generalista. As temáticas abordadas têm sido sempre muito interessantes e oportunas, com visões diferenciadas, abrangentes e muito bem ilustradas.
A sua mais recente edição tem o número 23 e trata do 25 de Abril de 1974 e da chamada Operação Fim-Regime, em que são descritas as principais acções desenvolvidas nesse dia, contadas pelos militares que as protagonizaram, mas também muitos aspectos da conjuntura política que determinou a criação e depois a acção do Movimento das Forças Armadas. Otelo e Salgueiro Maia lá estão para serem recordados como os principais protagonistas desse dia.
Dessa forma, a revista associa-se às comemorações do 40º aniversário dessa efeméride libertadora. Para quem participou ou acompanhou essa jornada que restituiu a liberdade ao povo português, até parecia que já estava tudo dito e tudo escrito sobre o assunto, mas esta edição da VISÃO História vem mostrar que há sempre novos factos e até alguns protagonistas que não eram do conhecimento público. Trata-se, portanto, de uma edição que se lê com muito agrado e com a qual aprendemos alguma coisa.
 

quarta-feira, 26 de março de 2014

Melhores navegações no mar dos Açores

No passado dia 21 de Março um novo navio iniciou a sua actividade operacional nas ligações marítimas entre as ilhas do grupo central do arquipélago dos Açores, tendo a sua base no porto da Horta. O novo navio tem linhas muito modernas e foi baptizado com o nome de Mestre Simão, em homenagem ao homem que durante muitos anos, com grande coragem e competência, comandou as históricas lanchas Calheta e Espalamaca nas duríssimas travessias do canal do Faial. Propriedade da empresa pública "Atlânticoline", o navio tem 40 metros de comprimento e capacidade para transportar 344 passageiros e 8 viaturas, devendo muito brevemente juntar-se-lhe o Gilberto Mariano, o segundo navio que a empresa vai colocar ao serviço do tráfego nas ilhas do grupo central. 
A entrada ao serviço deste novo navio é um grande acontecimento regional, um elemento de valorização económica e turística e, sobretudo, um importante benefício social para as populações das ilhas do grupo central, tantas vezes sujeitas aos perigos, às incertezas e ao desconforto das travessias feitas em pequenas lanchas e com mar tempestuoso, que preenchem o imaginário de muitas gerações de açoreanos e, em respecial, dos picoenses. Embora o “mau tempo no canal”, que Vitorino Nemésio imortalizou no seu famoso romance, vá continuar a fustigar aqueles que atravessam o canal do Faial, o facto é que o Mestre Simão vai tornar as ligações entre as ilhas do grupo central, especialmente entre o Faial e o Pico, menos problemáticas e mais confortáveis. Eu já experimentei e fiquei satisfeito. É um investimento avultado, mas é um caso de evidente progresso social. Os mares dos Açores são muito duros, mas por aqui as pessoas valem!

Os nossos jovens com vontade de emigrar

O jornal i destaca na sua edição de hoje que, metade dos alunos do 3º ciclo do ensino básico, isto é, jovens entre os 12 e os 15 anos, já pensam em emigar. Esta conclusão resulta de um inquérito e de um estudo promovidos pela associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS) que, segundo o jornal, terá sido apresentado hoje na Fundação Calouste Gulbenkian.
O estudo que avaliou expectativas, preferências e capacidades de estudantes de 18 concelhos, revela que 46% dos cerca de dois mil estudantes que participaram no inquérito estão convencidos de que terão de emigar para arranjar trabalho. O estudo mostra que, maioritariamente, os rapazes querem ser desportistas e as raparigas querem ser médicas, mas também tem algumas respostas para temas como o sucesso escolar, as carreiras profissionais, o desemprego, a aparência física e os hobbies, entre outros. Naturalmente que o estudo é importante para pais e professores, mas para a generalidade da população tem um sabor muito amargo. É caso para perguntar o que andam a fazer os nossos governantes que, obcecados pela obediência cega aos nossos credores – que são também nossos parceiros, nossos aliados e nossos amigos – antes sugeriram que uma geração emigrasse e agora deixam que uma outra geração já veja os caminhos da emigração como os caminhos do futuro. Que país é este que estamos a construir, onde tanta gente jovem já pensa em emigrar? Curiosamente e sem qualquer sentido das realidades, em vez de mostrarem preocupação por estarem a tirar a esperança a uma geração, os nossos governantes dizem que os sinais animadores da nossa economia já permitem inverter o ciclo emigratório. Será que acreditam no que dizem?
 

domingo, 23 de março de 2014

As portas que o Paulo abriu

A notícia apareceu na maioria dos jornais portugueses e o Jornal de Notícias destacou-a ontem na sua primeira página: “um burlão chinês com visto dourado”. Trata-se de um caso realmente interessante, mas que não é surpreendente nem inesperado, pois era evidente que o visto gold - um programa lançado no início do ano passado com grande entusiasmo e muita propaganda pelo irrevogável ministro Portas que, dessa maneira, esperava atrair investimento estrangeiro - poderia ter aspectos positivos, mas também ia ser um cavalo de Tróia onde se iriam esconder actividades criminosas de ordem diversa. Agora, quando a Polícia Judiciária deteve um indivíduo chinês que era procurado no seu país e tinha um mandado de detenção internacional por burla, a face obscura do problema surgiu com mais clareza pois o burlão tinha obtido recentemente uma autorização de residência em Portugal ao abrigo dos vistos gold.
Até ao final de 2013 o Estado atribuiu 417 vistos gold que, segundo foi divulgado, representaram um “investimento” total de 316 milhões de euros, dos quais 90% se referiam à aquisição de imóveis. Para quem estudou muitos anos na Rua do Quelhas, o conceito de investimento não é exactamente a aquisição de imóveis com dinheiro que não se sabe de onde vem, mas o conceito foi apropriado e desvirtuado por quem não tem habilitação académica nessa matéria, mas até chegou a ministro. Nessa ganância governamental por dinheiro, até a nacionalidade passou a ter preço!
Por cá foram poucas as vozes que têm mostrado preocupação peloo descrédito que é a venda da nacionalidade, mas o mesmo não aconteceu no Parlamento Europeu, onde foi vivamente criticada a atribuição dos vistos gold por poderem permitir a permanência e a circulação pelo espaço Schengen a todo o tipo de gente. Este caso vem provar que, na sua ânsia de protagonismo, o irrevogável abriu portas a quem não devia. Afinal, como era de esperar, deu mais um tiro no pé.

O protesto da Espanha aqui tão perto

As manifestações de protesto são uma forma de intervenção muito frequente em Espanha e, nos últimos dias, a cidade de Madrid sido palco de muitas, com destaque para a que ocorreu no passado sábado em que participaram milhares de pessoas vindas de todas as regiões de Espanha, convocadas pelas Marchas da Dignidade, um movimento que reúne 300 organizações que protestam contra a situação de "emergência social" que atravessa o país, onde o desemprego está nos 26%. A saúde, educação, o desemprego, a corrupção e os despejos foram os principais temas do manifesto que esteve na base desta convocatória que até exigiu o não pagamento da dívida pública espanhola. “Marchamos pela dignidade” e "nem desemprego, nem exílio, nem precaridade”, foram as palavras de ordem mais ouvidas numa “marcha cidadã que encheu a capital de dignidade”. Porém, desta vez aconteceram confrontos entre os manifestantes e a polícia, com lançamento de petardos e cargas policiais, daí resultando 101 feridos ligeiros, entre os quais 67 polícias e, ainda, 29 detidos por actos de vandalismo, como apedrejamentos e destruição de montras de entidades bancárias. Nos últimos anos, o desespero tomou conta de milhões de espanhóis porque o governo impôs um violento programa de austeridade que cortou muitos milhões de euros nos orçamentos da saúde e da educação, ao mesmo tempo que, só em 2013, mais de 35 mil famílias foram despejadas das suas casas por não conseguirem continuar a pagar as hipotecas aos bancos.
Sempre me pareceu que a situação económica e social espanhola é bem mais complicada do que a situação portuguesa, mas enquanto eles souberam defender a sua soberania e rejeitaram a humilhação da troika, aqui no rectângulo bem sabemos quem chamou e se deixou humilhar pela troika. O título do El Mundo é esclarecedor.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Os veleiros ao serviço da diplomacia

O navio-escola BAE Guayas, da Marinha do Equador, passou ontem o mítico Cabo Horn, quando navegava do Atlântico para o Pacífico e a imprensa equatoriana destacou esse acontecimento, especialmente o jornal El Universo que, na sua primeira página,  reproduziu uma fotografia do veleiro a navegar e a exibir uma gigantesca bandeira nacional.
O navio participa na regata “Velas America 2014”, uma iniciativa em que também participam os veleiros Libertad (Argentina), Cisne Branco (Brasil), Esmeralda (Chile), Gloria (Colômbia) e Simón Bolívar (Venezuela) e que tem por objectivo o estreitamento e o fortalecimento dos laços de amizade e de cooperação entre as Marinhas latino-americanas. A ideia surgiu em 2010 por ocasião do “Velas Sudamérica 2010”, realizado no Rio de Janeiro, tendo então ficado acordado que esse encontro de veleiros se realizaria de quatro em quatro anos.
Este ano, o encontro/regata iniciou-se em Itajai (Brasil) no dia 11 de Fevereiro, já escalou Punta del Este, Mar del Plata, Ushuaia e, ontem, chegou ao porto chileno de Punta Arenas. Depois, os navios iniciarão a “subida” da costa oeste do continente sul-americano em direcção ao canal do Panamá, passarão para as águas atlânticas e visitarão Cartagena das Indias, La Guaira e Santo Domingo, terminando no porto mexicano de Veracruz no dia 18 de Junho, depois de 134 dias de missão em que, para além do treino de mar dos cadetes, os navios mostram a sua bandeira e representam os seus países nos portos visitados, cumprindo dessa forma uma missão diplomática.
Por cá, a imprensa não dá a mesma importância a este tipo de acontecimentos, pois geralmente está mais vocacionada para o futebol, a pequena política, o fait divers e o sensacionalismo.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Uma edição exemplar: ‘Visão Entrevistas’

A revista Visão celebrou o seu 21º aniversário com uma iniciativa editorial que tem tanto de inédito como de inovador –  uma edição especial  intitulada Visão Entrevistas – que inclui uma centena de páginas de entrevistas a personalidades nacionais e internacionais que se destacaram no último ano. São quase quatro dezenas de entrevistas, quase sempre muito bem ilustradas fotograficamente, que nos dão a conhecer algumas facetas menos conhecidas de personalidades do mundo da política, economia, cultura, ciência, justiça, moda, jornalismo, entre outras. A edição adoptou quatro capas diferentes, numa inovadora estratégia de marketing destinada a despertar a curiosidade de diferentes públicos, embora o seu conteúdo seja exactamente o mesmo. Assim, a mesma edição pode exibir na capa a fotografia do Papa Francisco, do humorista Ricardo Araújo Pereira, da modelo Sara Sampaio ou dos Presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto, isto é, cada capa à vontade do freguês!
Para além desta “oferta especial" que tem o número 1098, a edição inclui todas as suas secções habituais e, muito justificadamente, homenageia duas personalidades recentemente falecidas e que, cada qual no seu campo específico de intervenção social, nos deixaram um importante legado: o Cardeal Dom José Policarpo (1936-2014) e o Professor José Medeiros Ferreira (1942-2014).   
A excelente ideia que foi materializada com a Visão Entrevistas merece ser elogiada e o seu Editorial tem razão quando refere que “é uma revista inesquecível, para ler, reler... e voltar a ler”. O meu aplauso.

 

A (in)sustentabilidade da nossa dívida

O jornal Público divulgou hoje a notícia de que um grupo de 74 economistas de duas dezenas de nacionalidades, muitos deles com cargos de relevo em instituições internacionais, professores universitários, editores de revistas científicas de economia e autores de livros e ensaios de referência na área económica, decidiram juntar-se às 74 personalidades portuguesas que, na semana passada, publicaram um manifesto a defender a reestruturação da nossa dívida pública. Esses economistas dizem apoiar “os esforços dos que em Portugal propõem a reestruturação da dívida pública global, no sentido de se obterem menores taxas de juro e prazos mais amplos, de modo a que o esforço de pagamento seja compatível com uma estratégia de crescimento, de investimento e de criação de emprego”. O documento subscrito por estes economistas tem um conteúdo muito semelhante ao manifesto intitulado “Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade”, que uniu um alargado leque de personalidades portuguesas a que, lamentavelmente, o primeiro-ministro se referiu como “essa gente”, para além de criticar duramente o documento, que classificou de irrealista e de pôr em causa o financiamento do país. Para este grupo de economistas internacionais, os resultados do programa de austeridade imposto a Portugal são claros: “a austeridade orçamental reduziu a procura agregada, agravou a recessão, aumentou o nível da dívida pública e impôs sofrimento social à medida que as pensões e salários foram reduzidos, os impostos foram aumentados e a protecção social foi degradada". Este documento é um apoio inesperado ao manifesto dos notáveis portugueses que, entre outras, teve a virtude provocar o debate nacional sobre a dívida e a sua (in)sustentabilidade, para além de ter revelado o fanatismo ideológico e a insensibilidade económico-social do primeiro-ministro e do núcleo duro que o apoia.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Melilla simboliza a distracção europeia

Todos os jornais espanhóis escolheram os acontecimentos verificados ontem na cidade autónoma espanhola de Melilla para ilustrar fotograficamente as suas primeiras páginas e para destacar a notícia da entrada de uma verdadeira avalancha humana que tomou de assalto a fronteira, numa das maiores ações do género dos últimos anos. Até agora, o maior "salto" deste tipo tinha acontecido em Outubro de 2005, quando 350 pessoas conseguiram alcançar o território espanhol. Ontem, terão sido cerca de mil imigrantes provenientes sobretudo do Mali e do Senegal, que tentaram entrar no enclave de Melilla, embora metade não tivesse conseguido devido à acção da polícia dos dois lados da fronteira. As cinco centenas de imigrantes foram recolhidas no Centro de Estância Temporária de Imigrantes (CETI) de Melilla que, neste momento, alberga mais de 1300 pessoas, apesar de ter uma lotação apenas para 480. Entre os imigrantes encontravam-se algumas dezenas de feridos que apresentavam cortes nas mãos e nos pés por causa do arame farpado da vedação fronteiriça. Entretanto, as autoridades espanholas estimam que possam estar em Marrocos, à espera de poder entrar em Melilla e Ceuta, mais de 80 mil imigrantes. Embora seja altamente preocupante o caso das cidades autónomas de Ceuta e Melilla, o problema ainda não tem a dimensão da que se verifica na ilha de Lampedusa e no sul da Itália, sobre os quais até o Papa se interessou e onde nos últimos meses as autoridades italianas resgataram mais de dez mil pessoas que tentavam alcançar o seu território. Esta pressão migratória que se verifica na margem sul da Europa e, em especial na Espanha e na Itália, constitui um grave problema a que a União Europeia não tem dado a devida resposta, ou seja, os dirigentes europeus, entre os quais se encontra o Presidente da Comissão Europeia, não têm dado a devida atenção aos problemas humanitários e às questões da solidariedade a que a Europa se devia obrigar por razões históricas e humanitárias, preferindo dedicar-se à protecção dos grandes interesses económicos e financeiros.

terça-feira, 18 de março de 2014

Prosperidade virtual ou pura vaidade?

A ACAP – Associação Automóvel de Portugal divulgou as suas estatísticas de vendas de veículos automóveis ligeiros e pesados, tanto de passageiros como de mercadorias e, surpreendentemente, verifica-se que nos primeiros dois meses de 2014 o mercado automóvel português cresceu 38,3% relativamente ao período homólogo de 2013. Estes números constituem um indicador de que a confiança parece estar a regressar aos consumidores e que, portanto, a economia tem essa condição essencial para entrar num novo ciclo, a juntar à retoma que se começa a verificar na Europa. Apesar de já estarmos a assistir a uma campanha de propaganda para fins eleitorais, com análises irrealistas quanto à situação económica, não há dúvidas que o mercado automóvel está a dar sinais positivos: a venda de veículos ligeiros de passageiros atingiu 19.801 unidades (crescimento de 36,2%), enquanto a venda de veículos comerciais ligeiros se cifrou em 3320 unidades (crescimento de 54,1%).
A análise das vendas por marcas também é surpreendente. Apesar da Renault e da Peugeot serem as marcas mais vendidas em Portugal, seguem-se no respectivo ranking a Volkswagen, a BMW, a Mercedes e a Audi, com a particularidade de nos dois primeiros meses do ano de 2014, as marcas BMW e Mercedes terem registado aumentos de vendas superiores a 50%, relativamente ao período homólogo de 2013. Porém, a surpresa não se fica por aí. A marca Porsche também vendeu 43 unidades, o que corresponde a um aumento de 53,6% relativamente ao período homólogo de 2013, enquanto a Ferrari que nos dois primeiros meses de 2013 não vendera quaisquer unidades, surge com 3 unidades vendidas nos dois primeiros meses de 2014. É caso para nos interrogarmos sobre o que é que está de volta: a prosperidade ou a vaidade dos portugueses?

O ataque aos benefícios fiscais

Um relatório de 82 páginas intitulado Despesa fiscal 2014 que o governo tornou público e que alguma imprensa comentou, salienta que os benefícios fiscais concedidos pelo Estado em sede de IRS — como as deduções à colecta de despesas com saúde, habitação, educação e protecção social — têm vindo a encolher de ano para ano desde a chegada da troika. O relatório constitui um bom documento de esclarecimento público sobre a despesa fiscal, um conceito que agrupa o conjunto de medidas vulgarmente conhecidas por benefícios fiscais e que são destinadas a incentivar determinados comportamentos ou actividades económicas.
O relatório revela a dureza das políticas adoptadas pelo governo/troika ou pela troika/governo, ao mostrar que entre 2011 e 2014 se verificou uma redução de 35% das despesas fiscais das Administrações Públicas, resultante das políticas restritivas impostas no âmbito do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro. Essa redução correspondeu a uma diminuição de cerca de 4,81 mil milhões de euros, sendo que essa “poupança governamental” representou uma redução na despesa fiscal global das Administrações Públicas de cerca de 2,6% do PIB. O relatório enumera e descreve as diferentes modalidades da despesa fiscal e, relativamente às deduções à colecta em sede de IRS, revela que estas passaram de 3743 milhões de euros em 2011, para 2728 milhões de euros em 2014.
Como titula o Jornal de Notícias, as “Famílias perdem mil milhões no IRS”, como consequência da redução dos limites nas deduções à colecta e, em termos médios, só com os cortes nas deduções nas despesas de educação, saúde e habitação, a factura do IRS custou mais de 250 euros a cada agregado familiar. O corte mais substancial verifica-se na saúde que conta agora com menos 433 milhões de euros do que em 2011, isto é, menos 67% da verba disponível há quatro anos. Logo atrás encontam-se as verbas previstas para o crédito à habitação que no mesmo período caíram 376 milhões de euros (62%) e para a educação em que a redução das despesas foi de 32 milhões de euros (11%). Assim, o reembolso de IRS, que até há pouco tempo era sinónimo de alívio para as Famílias e que muitas vezes era utilizado para ajudar a pagar seguros ou créditos à habitação, está cada vez mais curto. Naturalmente que esta quebra no rendimento das pessoas, a juntar aos enormes impostos directos e indirectos, tem inúmeras consequências negativas para a sociedade e é um factor de empobrecimento.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Ucrânia: ainda a procissão vai no adro

Com mais de 96% dos votos, os habitantes da península e região autónoma da Crimeia aprovaram ontem a sua integração na Rússia, num referendo considerado ilegal pelas novas autoridades de Kiev e pela maioria da comunidade internacional. A população da Crimeia, que é maioritariamente de origem russa e que representa apenas 4,3% da população total da Ucrânia, festejou o acontecimento que abre o caminho para o seu regresso à “grande mãe”. De imediato, o Parlamento da Crimeia aprovou por unanimidade a independência do território, que representa apenas 4,3% da superfície total da Ucrânia, assim como a sua integração na Federação Russa.
A partir de agora, nem a União Europeia nem os Estados Unidos têm hipóteses de impedir a integração da Crimeia na Rússia, mesmo que venham a impor sanções económicas ou diplomáticas, que sabemos serem de duvidosa eficácia. Muitos dos relatos que nos chegam de Simferopol, a capital da Crimeia, revelam que o território está sob o domínio de milícias pró-russas e de tropas russas, com o expresso propósito de proteger as populações etnicamente de origem russa, mas essa demonstração de força apenas revela a determinação russa para garantir o seu domínio sobre a Crimeia. Putin tinha a lição estudada e os russos anteciparam-se para assegurar o controlo da estratégica cidade de Sebastopol, onde a sua frota do Mar Negro tem a sua base desde há duzentos anos. Tudo isto é, apenas, a realpolitik. Entretanto, em diversas cidades no leste da Ucrânia, de forte tendência pró-russa, estão a acontecer novos protestos contra o poder instalado em Kiev, onde se inclui o assalto e a ocupação de edifícios públicos, a reivindicação pelo regresso do presidente eleito Viktor Yanukovitch e, até mesmo, a exigência da realização de outros referendos nos moldes daquele que foi realizado na Crimeia. Nesta disputa ucraniana e como diz o povo, ainda a procissão vai no adro.
 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Dá Deus nozes a quem não tem dentes

Um grupo de 70 personalidades, publicamente reconhecidas pela diversidade do seu pensamento político e pela sua idoneidade cívica, subscreveu um manifesto em que apela à reestruturação honrada e responsável da dívida pública portuguesa, porque sem ela continuará a imperar a política da austeridade, a ausência de um crescimento sustentado, o agravamento das desigualdades, a desagregação social  e um contínuo défice na criação de emprego. Esse grupo inclui vários políticos, alguns dos quais antigos ministros, mas também académicos, constitucionalistas, empresários, patrões e sindicalistas, isto é, gente muito qualificada e com assinaláveis serviços prestados ao país.  
Segundo o manifesto, a actual dívida pública directa atinge cerca de 129% do PIB e os respectivos juros absorvem 4,5% do PIB, o que torna insustentável qualquer solução para este magno problema sem um crescimento económico sustentado e robusto, forjado num quadro de coesão social e de solidariedade nacional. Por isso, o manifesto defende o abaixamento da taxa média de juro, a extensão das maturidades da dívida para 40 ou mais anos e a reestruturação de, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB. Não é nada que não tenha sido antes praticado. De resto, o manifesto recorda o Acordo de Londres sobre a Dívida Externa Alemã, de 27 de Fevereiro de 1953, que perdoou 46% da dívida externa alemã anterior à II Guerra Mundial e 51,2% da dívida posterior à Guerra, sendo que 17% do remanescente ficaram a juro zero e 38% ficaram a juro de 2,5%. Naturalmente, o manifesto foi assinado por 70 personalidades e, se eu fosse uma personalidade, obviamente que lá estaria a minha assinatura, porque o manifesto abre uma janela de oportunidade para discutir novos caminhos e mostra que há alternativas a esta austeridade a “esta economia que mata”. Por issso, o meu obrigado aos 70! Para espanto de muita gente, o manifesto gerou um inesperado nervosismo nos obedientes governantes que temos, mas também naqueles que, aparentemente, defendem e querem "uma cultura política de compromisso".  Em vez de mostrarem entusiasmo e gratidão por este contributo qualificado, os "orgulhosamente sós" que por aí andam perderam a cabeça e exibiram a sua face muito pouco democrática. Como diz o povo, dá Deus nozes a quem não tem dentes...




 

terça-feira, 11 de março de 2014

O homem que nos avisa, avisa, avisa!

O Venerando Chefe do Estado (VCE) junta anualmente os seus escritos num livro chamado Roteiros e, no dia em completou dois anos do seu segundo mandato, decidiu divulgar o prefácio do seu Roteiros VIII. É um texto que está disponível na internet, que ocupa 10 páginas e que utiliza 5611 caracteres. É um texto bem pensado por alguém que parece ser assessor do governo, mas é um texto frustacional, como diria a nossa parlamentar inconseguida.
De facto, no momento em que continuamos a atravessar uma grave crise - ao fim de três anos de troika e de arrogância política da dupla passos-portas, aumentou a dívida, o desemprego, o desespero, a pobreza, a emigração, a insegurança e as falências – era de esperar e era necessário que o VCE produzisse um texto mobilizador das nossas energias mas, em vez disso, aparece-nos um texto economicista, narcísico e autojustificativo de um homem que tem estado no poder desde há muitos anos, mas que parece viver noutro país. Acena-nos com austeridade e sacrifícios até 2035 para satisfazer as exigências dos abutres, com a desculpa  das novas regras europeias da disciplina orçamental. Assume-se como um mero espectador na triste realidade que nos é imposta por um grupo de fanáticos internos e externos, quando todos desejaríamos que fosse um referencial de esperança ou o provedor dos mais desfavorecidos. Foi ele que em tempos anunciou a sua oposição ao corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos porque, dizia, “há limites ao sacrifício que se pode pedir às pessoas", mas é ele que fica indiferente aos cortes das pensões e das reformas. Ele convive sem pestanejar com um governo que é forte com os fracos e fraco com os fortes. Ele convive com o discurso da austeridade. Por isso, é apupado na rua e os seus índices de popularidade são escandalosamente baixos porque não actua na defesa dos que precisam, limitando-se a avisar e a lembrar que avisou. E repete e repete. E mastiga e mastiga. E pode perguntar-se o que fez o VCE durante os últimos sete anos, quando aprovou sete orçamentos do Estado? Então não viu o défice e o endividamento que lá estavam? E que magistratura de influência exerceu para assegurar os consensos políticos e sociais de que a sociedade precisa? Apela à cultura política do compromisso, mas não vê que os seus protegidos usam a cultura política do insulto? Ele diz que tem a estabilidade política "como o seu valor primeiro", mas talvez fosse melhor que adoptasse os portugueses como o seu primeiro  valor.

domingo, 9 de março de 2014

As Javieradas de Navarra 2014

Iniciam-se hoje em Xavier  Javier em castelhano e Xabier em basco – uma localidade da comunidade foral de Navarra, situada a cerca de 50 quilómetros de Pamplona e que tem pouco mais de uma centena de habitantes, as Javieradas de Navarra 2014.
O Diário de Navarra destaca estas peregrinações em honra de São Francisco Xavier que partem de diferentes localidades do território navarro, convergindo para o imponente castelo de Xavier. Nasceram em 1940 para “perpetuar o espírito da cruzada”, isto é, o espírito dos vencedores da guerra civil espanhola a que o então arcebispo de Pamplona chamara “cruzada”, mas rapidamente perderam esse cariz de cruzada nacionalista e se tornaram numa festa religiosa muito concorrida em que participam muitos milhares de peregrinos que se dirigem para Xavier e “ocupam” o seu castelo.
São Francisco Xavier (1506-1552) nasceu em Xavier e foi um dos fundadores da Companhia de Jesus. Em 1540 veio para Portugal, mas seguiu logo para Goa onde chegou em 1542. A sua acção missionária foi intensa e estendeu-se da Índia a Malaca e ao Japão. Foi canonizado em 1622 e, desde 1637, os seus restos mortais repousam na Basílica do Bom Jesus em Goa.
São Francisco Xavier é o santo patrono dos missionários, o Padroeiro de Macau mas, sobretudo, é o Santo Padroeiro de Goa e dos goeses, que tanto se identificam e veneram este santo que, em língua concani, é conhecido por Gõycho Saib, o rei e protector de Goa. O seu dia festivo é o dia 3 de Dezembro, quando o campo arqueológico de Velha Goa e a Basílica do Bom Jesus atraem muitas centenas de milhar de pessoas de todas as religiões.

sábado, 8 de março de 2014

Um país dominado pelo pessimismo

O Parlamento Europeu encomenda periodicamente estudos de opinião pública nos estados-membros para melhor conhecer a percepção e as expectativas dos cidadãos sobre as suas actividades e as da União Europeia (UE) no seu conjunto. O mais conhecido desses estudos é o Standard Eurobarometer, vulgarmente conhecido por Eurobarómetro que, desde 1973,  se publica duas vezes por ano.
O Eurobarómetro 79 (Primavera de 2013) tinha mostrado que, tanto a nível europeu como nacional, a confiança nas instituições era bastante baixa e que, no caso de Portugal, havia 71% da população sem confiança nas instituições da UE, enquanto 81% não acredita no seu Parlamento e 88% não confia no seu Governo.
Agora foi divulgado o Eurobarómetro 80 (Outono de 2013) que revela que Portugal se situa “sempre entre os três países mais pessimistas da UE” e que “a maioria dos portugueses pensa que a situação económica e em termos de emprego irá piorar no próximo ano", além de que "uma elevada proporção considera que o mesmo irá acontecer à sua situação profissional pessoal e às condições financeiras do seu agregado familiar”. Em termos políticos, a situação é ainda mais pessimista, pois Portugal é o país da UE que tem o mais elevado nível de insatisfação com o funcionamento da sua democracia, sendo de 85% a percentagem de inquiridos que se declaram insatisfeitos, quando a média europeia é de 52%. Este resultado é o mais baixo de sempre no nível de satisfação com a democracia em Portugal e, obviamente, está relacionada com a crise e com a forma como é gerida. Perante este triste quadro de pessimismo e desta ausência de ânimo e de confiança, como é possível que andem por aí tão eufóricos alguns dirigentes políticos e alguns dos seus fiéis lambe-botas. São uns mentirosos e desonestos!

sexta-feira, 7 de março de 2014

Como eles ameaçam as nossas poupanças

Aqui há dias houve um indivíduo - por acaso bem instalado na vida, que até é Conselheiro de Estado e que tem estado sempre ao lado dos poderes dominantes - que esteve em audiência na Assembleia da República na qualidade de presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS), a entidade que congrega todos os bancos que operam em Portugal e que gere todo o sistema de cartões de débito (Multibanco).
O dr. Vítor Brinquete Bento, assim se chama a referida personagem, tem um percurso de vida que parece respeitável, mas deve andar transtornado com as desgraças por que passa a gananciosa banca e, vai daí, quis ajudar os apetites insaciáveis dos seus patrões e sugeriu que o levantamento de dinheiro nas caixas Multibanco pagasse imposto de selo, o que constituiria uma fonte de receita para o Estado e um proveito adicional para a banca sob a forma de comissão. Mais uma vez, comiam o Estado e a banca, enquanto o mexilhão pagava.
Segundo revela a escassa imprensa que pegou neste assunto, os partidos políticos foram unânimes na condenação desta sugestão contabilística do dr. Briquete, o que mostra como é possível estabelecer consensos políticos sobre muitas matérias. Esta ideia do Dr. Brinquete é um absurdo que nem ao diabo lembra, pois seria mais um confisco ilegal e fraudulento feito aos depositantes, que são os únicos donos do dinheiro. É grave que esta lógica se esteja a instalar no cérebro de “gente que se fez a pulso” e que esquece tudo o que passou para chegar onde chegou. Amanhã ainda se vão lembrar de criar um imposto para quem tenha a ousadia de se manter vivo depois da idade da reforma ou para quem apenas quiser ter o direito de respirar ou de sonhar com uma sociedade mais justa.

Uma obra para ver - Ode Marítima

A apresentação em Lisboa da Ode Marítima de Álvaro de Campos - um dos heterónimos de Fernando Pessoa  - que está em cena desde o dia 6 até ao dia 16 de Março no Teatro Municipal de São Luiz, é um acontecimento cultural relevante que assinala o centenário da criação desta obra.
Frequentemente considerada como uma das maiores obras poéticas da literatura portuguesa, a Ode Marítima tem uma excelente interpretação de Diogo Infante, música original de João Gil e direcção cénica de Natália Luiza, estando a despertar o interesse do público, atraído pela oportunidade de “conhecer ao vivo” uma das mais belas obras literárias de Fernando Pessoa. É um poema futurista, mas é sobretudo uma história que entusiasma pelo seu ritmo e diversidade, que trata de marinheiros e de navios, de viagens e de faróis, de portos e de cais...
Relembrando:

     Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
     Olho prò lado da barra, olho prò Indefinido,
     Olho e contenta-me ver,
     Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
     ...
     Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
     E quando o navio larga do cais
     E se repara de repente que se abriu um espaço
     Entre o cais e o navio,
     ...
     As viagens agora são tão belas como eram dantes
     E um navio será sempre belo, só porque é um navio.
     ...
     O olhar humanitário dos faróis na distância da noite...

Numa época em que o teatro tem vindo a perder público relativamente a outras artes do palco, é encorajador verificar como Fernando Pessoa e um dos textos mais clássicos da literatura portuguesa sobem ao palco e atraem o interesse do público jovem e menos jovem.

terça-feira, 4 de março de 2014

As incertezas do imbróglio ucraniano

A Europa e, de certo modo, o mundo têm acompanhado com muita apreensão o que está a acontecer na Ucrânia. Aparentemente, o que se passou em Kiev foi uma espécie de 25 de Abril, em que uma coligação alargada de interesses derrubou um poder autocrático e muito corrupto, personalizado na figura do Presidente Viktor Yanukovich.
Um sentimento de libertação alastrou por todo o território, revelando que há duas matrizes culturais, duas concepções políticas, dois tipos de aliança preferencial ou, simplesmente, duas ucrânias, cada qual com a sua língua – o ucraniano e o russo. É uma situação muito preocupante, porque há inúmeros factores de conflitualidade presentes no terreno, embora a situação se enquadre no conceito de “Europa das Pátrias”, isto é, um continente de múltiplas identidades e culturas, a fazer lembrar os recentes desmembramentos da Checoslováquia e da Jugoslávia.
A Ucrânia nasceu há vinte anos como resultado do desmoronamento da União Soviética e nunca se libertou da sua relação umbilical com a Rússia. Tem uma superfície superior a 600 mil km2 e é o maior país da Europa, tendo cerca de 45 milhões de habitantes. O seu território tem fronteiras com 7 países e inclui a Crimeia, uma península com 26 mil km2 que é uma república autónoma da Ucrânia, situada na costa setentrional do Mar Negro e que alberga a frota russa na cidade portuária de Sebastopol.
A Ucrânia e, em especial a Crimeia, são estrategicamente importantes para a Rússia, existindo receios de desagregação do país e de separatismo imediato da Crimeia que, demograficamente, é de maioria russa. Nesse quadro, Vladimir Putin não perdeu tempo, “passou ao ataque” e “ocupou” a Crimeia, sem quaisquer hesitações quanto à protecção dos seus interesses vitais ou das suas fronteiras naturais. O Ocidente reagiu a esta prova de força e a crise está a subir de tom. A imprensa internacional dá grande relevo aos acontecimentos e, muitos jornais, reproduzem hoje a imagem de Putin numa visita a um campo militar russo, enquanto a imprensa portuguesa se dedica a assuntos menores e parece ignorar o que se passa.
O imbróglio ucraniano é uma situação muito complexa e de muita incerteza. É preocupante e está para durar, porque estas mudanças revolucionárias são como as marés, isto é, têm fluxos e refluxos. Tal como se faz no totobola nos jogos de grande dificuldade, é melhor utilizar uma resposta tripla: 1x2.

domingo, 2 de março de 2014

A falsa euforia do irrevogável ministro

O irrevogável ministro Portas tem sido o porta-voz do governo para as coisas positivas, como lembrou recentemente o comentador Marcelo e, quando as notícias não são boas, ele trata de as embrulhar para parecerem outra coisa e iludir o povo. Isso aconteceu mais uma vez na sexta-feira e, com meias verdades e muitas omissões, procurou fazer passar uma mensagem mentirosa e nem sequer aceitou ser interrogado pelos jornalistas, depois de anunciar a conclusão da 11ª avaliação do programa de ajustamento. “Esta lebre está corrida”, disse ele, acrescentando que a troika considera que Portugal vive "um ambiente de crescimento económico bastante mais forte" suportado pelo investimento e pelas exportações. Ora aí está um ambiente que eu ainda não tinha visto, nem na cidade nem no campo, nem no litoral nem no interior.
Com base nessa análise da troika, o governo corrigiu as previsões para 2014  apontando agora para um crescimento do produto interno bruto de 1,2% e não de 0,8%, enquanto a taxa de desemprego de 16,8% foi agora estimada em 15,7%. Uma mudança entusiasmante! As exportações devem manter um crescimento de 5,5%, enquanto o investimento deverá passar de um crescimento negativo de 6,5% para uma expansão de 3,1%. Outra mudança entusiasmante! Com estas previsões, o irrevogável ministro puxou de um pincel e pintou um quadro cor de rosa: "a revisão do cenário aponta para um ano com mais crescimento, mais emprego, mais exportações e mais investimento". Porém, a verdade pode não ser essa e, por isso, a troika exigiu a apresentação de mais medidas para concluir a 11ª avaliação, incluindo mais cortes e a manutenção de impostos, enquanto o FMI já avisou que só sairá em Junho, obrigando o irrevogável ministro a substituir o relógio com contagem decrescente que ridiculamente inaugurara nas instalações do seu partido. Assim, esta euforia só pode ser falsa.

sábado, 1 de março de 2014

A EDP é mesmo um negócio da China!

Vem-me acontecendo, tal como a muitos milhares dos meus concidadãos, o confisco da pensão a que temos direito por termos confiado à guarda do Estado uma parte das remunerações, auferidas ao longo de uma vida de trabalho. Como o dinheiro é meu, o Estado tem vindo a roubar-me. Numa fase inicial de emergência financeira por que passamos, esse roubo poderia eventualmente aceitar-se a título excepcional. Porém, esta rapaziada que nos governa e que obedece cegamente à troika, insiste no roubo e continua a revelar a mesma falta de pudor e safadez, ao atacar os fracos e pondo-se de cócoras perante os fortes.
O que se passou com a privatização da EDP é mais uma história de poucas vergonhas. Ficou agora a saber-se que em 2013, a EDP de Catroga, Mexia e muitos mais barões, pagou 188 milhões de euros de IRC e impostos diferidos, um encargo que traduz uma diminuição de 95 milhões de euros relativamente a 2012, o que fez baixar a taxa efectiva de imposto da EDP de 19% para 14%. Desde 2005 que a factura fiscal da EDP não era tão baixa e, desta forma, a poupança fiscal conseguida em 2013 ajudou a empresa a manter um resultado líquido acima de mil milhões de euros, pelo sexto ano consecutivo, enquanto o consumidor português continua a ser explorado. Como se vê, o Catroga e o Mexia são amigos dos chineses e, naturalmente, fazem-se pagar por isso. A privatização da EDP foi mesmo um negócio da China e não só para os chineses da China Three Gorges Corporation!