sábado, 8 de março de 2025

“Missão de resgate” para salvar Zelensky

O doloroso conflito que vem destruindo a Ucrânia desde Fevereiro de 2022, ou mesmo desde 2014, já vai longo e, tanto o invasor como o invadido, devem estar cansados e ansiosos para que termine aquela mortandade e destruição, que são características comuns a todas as guerras.
Volodymyr Zelensky e o seu regime tiveram desde sempre o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, mas também da NATO, pelo que puderam resistir à invasão russa. Entretanto os tempos mudaram desde que Donald Trump se instalou na Casa Branca e os Estados Unidos diminuíram ou ameaçaram cancelar todo o seu apoio à Ucrânia. Essa decisão, ou essa ameaça, não só alteraram completamente os contextos da guerra, como vieram mostrar a fraqueza militar de uma Europa que, em questões de Segurança e Defesa, tem vivido sob a protecção americana. O infeliz encontro de Washington entre Trump e Zelensky agravou a situação e, a partir daí, os europeus perceberam que era necessário envolverem-se ainda mais no apoio à Ucrânia, Daí que se pergunte se a Europa pode salvar a Ucrânia sem o apoio dos Estados Unidos, agora também como reforço à sua própria Defesa e Segurança.
Fizeram-se muitas reuniões e emitiram-se muitos comunicados, mas foram as iniciativas de Emmanuel Macron e de Keir Starmer que se destacaram, ao liderarem uma “rescue mission”, conforme satiriza a última edição da revista americana The Week: a sua primeira página exibe uma ilustração que mostra Macron e Starmer, com as bandeiras da União Europeia e do Reino Unido em mar encapelado, a navegar numa pequena embarcação que procura resgatar o náufrago Zelensky, isto é, mesmo em tempos de incerteza há espaço para algum humor, embora aqui também haja uma crítica americana à debilidade militar da Europa.

Haverá mesmo um novo 'eixo do mal'?

A sucessão de acontecimentos que nas últimas semanas estão a ocorrer na Europa e à volta da Europa começa a ser desesperante, porque os cidadãos estão a ficar muito confusos, interrogando-se sobre este tempo, que já não se sabe se é tempo de paz, ou se é tempo de preparação para mais guerra. O que está a acontecer é um verdadeiro e preocupante tsunami. Com o Papa doente e com António Guterres escondido sem se saber de quê, não há vozes que apelem à moderação e à sensatez. Ninguém esperaria isto, mas depois de 80 anos de paz na Europa, renasceu o turbulento discurso da guerra. Só se fala de guerra. Quase todos os dias há reuniões de alto nível e quase todos os dias se afirma uma coisa e o seu contrário. O amigo de ontem é o adversário de hoje. Parece que ninguém se entende.
A popular revista Stern, que se publica semanalmente em Hamburgo, na sua edição de ontem trata exactamente desta confusão e para ilustrar a sua capa escolheu uma imagem de Donald Trump e de Vladimir Putin, trocando vénias sobre uma Ucrânia estendida e com o título Die Achse der Bösen, cuja tradução é O Eixo do Mal.
O Eixo do Mal foi uma expressão utilizada em 2002 pelo presidente George W. Bush para se referir aos inimigos dos Estados Unidos – Iraque, Irão e Coreia do Norte – os quais acusava de apoiarem o terrorismo e de possuírem armas de destruição maciça.
A imagem das vénias de Trump e Putin vale mais que mil palavras, pois mostra como na política internacional os interesses se sobrepõem aos princípios. Porém, a referência a um eixo do mal inimigo da Europa, ou desta Europa, é um exagero jornalístico para estimular as vendas da revista, embora tenha subjacente a ideia da irrelevância de António Costa, von der Leyen, Macron, Mark Rutte e tantos outros guerreiros, mesmo após o anunciado rearmamento europeu, que o tempo mostrará como aconteceu, ou não aconteceu.

quarta-feira, 5 de março de 2025

São 800 mil milhões de euros, para quê?

O anúncio feito por Ursula von der Leyen a respeito do plano de rearmamento da Europa, que representa um investimento de 800 mil milhões de euros ao longo da próxima década, bem como a forma como foi divulgado, sem qualquer envolvimento da opinião pública e à revelia da vontade das populações, impressionou e está a ser questionado em muitos estados-membros. De facto, os assuntos nacionais de Segurança e Defesa não são do âmbito da Comissão Europeia e, portanto, este anúncio majestático vindo da Comissão Europeia é um atentado a um dos principais pilares das soberanias nacionais. A Europa não é uma federação de Estados.
Hoje, a edição do jornal Le Parisien pergunta, simplesmente: 800 mil milhões, para quê?
Com esta intenção da senhora von der Leyen, a que certamente se vão opor muitas forças sociais europeias, a União Europeia parece mais empenhada em fazer da Europa um gigantesco paiol de armas, com metralhadoras, drones, misseis, aviões de combate e carros blindados, subalternizando o bem-estar dos europeus, os problemas do combate às alterações climáticas, o envelhecimento demográfico das populações, as migrações incontroladas que já alteraram o tecido social de muitas cidades e regiões, as desigualdades nacionais e tantos outros problemas que preocupam os europeus e afectam o seu futuro.
Agora que temos muitas vozes a afirmar que os Estados Unidos deixaram de ser um aliado da Europa, talvez se possa perguntar quais são as ameaças a que o plano de Ursula von der Leyen pretende responder...
Lamentavelmente, o grupo de líderes que se tem reunido nas últimas semanas para enfrentar Donald Trump e apoiar Zelensky, tratou este problema europeu da Segurança e Defesa de uma forma bastante leviana e nem pensou que, com tanto rearmamento, “tudo isto” vai acabar por estimular os nacionalismos e as rivalidades que, historicamente, fizeram esta Europa de Pátrias e de paz, em que hoje vivemos. O plano “ReArm Europe” parece ser um caso de utopia, de fanatismo, de leviandade e até de ignorância. Porém, nem eu, nem Ursula von der Leyen, nem ninguém, tem certezas. São tudo palpites.,,

terça-feira, 4 de março de 2025

A Europa unida, desunida ou confundida?

A política internacional está a desenvolver-se a um ritmo alucinante e, todos os dias, somos confrontados com novas narrativas e novos episódios que confundem os cidadãos comuns, que é a categoria em que nos situamos. O triste encontro da Sala Oval entre Trump e Zelensky, que aconteceu apenas há quatro dias, produziu efeitos demolidores e afectou seriamente os caminhos que conduzirão à paz na Ucrânia, mas também mostrou que os interesses económicos estão acima de todas as considerações.Alguns líderes europeus reuniram-se imediatamente em Londres, agora sob a liderança de Keir Starmer, que parece ser bem mais capaz do que o excêntrico Boris Johnson, daí tendo nascido um plano para levar ao reencontro de Trump e Zelensky, de forma a garantir uma paz justa e duradoura na Ucrânia. Uma parte da imprensa europeia, como sucedeu com o jornal holandês Algemeen Dagblad (AD) que se publica em Roterdão, tratou de mostrar a “fotografia de família” desses líderes e anunciar que, no apoio à Ucrânia, a Europa estava unida. Porém, as declarações produzidas pelos diferentes líderes que estiveram em Londres, mostram que não há unanimidade e que uns apoiam a Ucrânia como podem e outros como lhe convém. De entre essas declarações destaca-se o que diz Ursula von der Leyen que reafirma que “temos que rearmar a Europa” e que “a Europa deve estar preparada para investir mais em armamento”, avançando-se com um plano de 800 mil milhões de euros. A ser assim, o projecto europeu nascido em Roma em 1957, parece ser de guerra e não ser de paz, além de ser demasiado irrealista em termos financeiros. É mesmo um paradoxo que, tendo a União Europeia sido criada para que não houvesse mais guerras na Europa, seja a actual presidente da Comissão Europeia que se apresente, não como defensora da paz, mas como uma persistente defensora do investimento em armas. Provavelmente, como mostra o Eurobarómetro, os europeus não querem perder os seus direitos sociais ou, como diria Paul Samuelson, não querem trocar manteiga por canhões. Recorde-se que, no corrente ano de 2025, o Orçamento da Comissão Europeia é de 193 mil milhões de euros e que o Orçamento do Estado em Portugal é de 133 mil milhões de euros, mas que a senhora von der Leyen quer dispor de 800 mil milhões de euros!
Os tempos estão realmente difíceis e o cidadão comum anda cada vez mais desorientado e confundido com o que dizem e fazem muitos dirigentes políticos.

segunda-feira, 3 de março de 2025

“Ainda estou aqui” distingue o Brasil

Pela primeira vez na história do cinema houve um filme brasileiro e, por consequência, um filme falado em português, que conquistou um dos The Academy Awards ou Oscares, atribuidos desde 1929 pela Academy of Motion Picture Arts and Sciences. Nesta 97ª edição da cerimónia “que todo o mundo aguarda”, que se realizou no Dolby Theatre em Hollywood, foram anunciados e entregues os Oscares relativos ao ano cinematográfico de 2024, nas 23 categorias em apreciação.
O filme Anora, uma comédia dramática produzida e realizada nos Estados Unidos, foi o grande vencedor do ano com cinco prémios, incluindo o prémio que distingue o Melhor Filme. O filme brasileiro Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, disputou três prémios, incluindo o prémio para a Melhor Actriz, mas o júri não escolheu Fernanda Torres, o que deixou muito entristecido o povo e a cultura cinematográfica brasileiros. O filme Ainda estou aqui retrata a vida de uma família perseguida pela ditadura militar brasileira (1964-1985), ganhou o prémio destinado ao Melhor Filme Internacional e o “Brasil fez história”, como destacou a edição de hoje do Correio Braziliense.
Toda a imprensa brasileira destacou a vitória do filme de Walter Salles e uniu-se no elogio ao realizador e à sua equipa, mas o aspecto porventura mais importante terá sido o entusiasmo com que o Brasil acolheu o seu primeiro Oscar cinematográfico, mas também algum desapontamento geral por Fernanda Torres não ter sido premiada. 
A cultura brasileira, a indústria cinematográfica e a memória histórica do Brasil estão de parabéns! A alegria dos brasileiros vai muito para além do carnaval e do futebol.                                                                 

domingo, 2 de março de 2025

O grave encontro entre Trump e Zelensky

O dia 28 de Fevereiro de 2025 vai ser lembrado na história da Diplomacia e das Relaçóes Internacionais como um lamentável e insólito acontecimento, cujas consequências ainda são imprevisíveis. Na Sala Oval da Casa Branca, perante as câmaras televisivas das grandes agências noticiosas mundiais, aconteceu um encontro entre Donald Trump, o vice-presidente JD Vance e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky – que deveria ter acontecido em ambiente reservado – e que deu origem a uma grosseira troca de palavras, insultos e humilhações, conforme escreve hoje o jornal El País, bem como toda a imprensa internacional.
Volodymyr Zelensky tinha atravessado o Atlântico e, provavelmente, esperava os salamaleques a que foi habituado. Porém, parece ter caído numa “emboscada” e em vez de um amigo, arranjou um adversário. A incontinência verbal e a grosseria do DT são bem conhecidas, mas imaginava-se que se contivesse, devido ao seu declarado interesse em acabar com a guerra e ao acesso privilegiado às famosas “terras raras” ucranianas.
Porém, a conversa pouco mais foi do que uma troca de palavreado grosseiro, com o DT a acusar Zelensky de “ingratidão” e desrespeito para com o povo americano, embora a CNN Internacional tenha apurado que o presidente ucraniano já agradeceu pelo menos 33 vezes aos Estados Unidos.
Perante este insólito acontecimento, a situação altera-se muito e, certamente, não é no melhor sentido. De repente, a Europa ficou mais isolada e mais fraca. Os líderes europeus correram para Londres e, curiosamente, pela primeira vez desde há três anos, começaram a falar em cessar-fogo e em paz, quando até agora só falavam de aviões, de tanques, de artilharia e de misseis. Pedem unidade no apoio à Ucrânia, sugerem que Zelensky “esqueça” a humilhação do DT e afirmam que o DT é essencial para negociar a paz. Keir Starmer "calou" Macron, Costa e von der Leyen e todos viram que sem os Estados Unidos não haverá paz na Ucrânia. Porém, ainda há quem pense na derrota da Rússia e pedem o reforço das despesas militares. Depois de três anos de insignificância, até pode ser que o episódio da Sala Oval de 28 de Fevereiro lhes abra os olhos.