sábado, 28 de dezembro de 2024

A catastrófica “riada” de Valência de 2024

No passado dia 29 de Outubro o território da Comunidade Valenciana, sobretudo os arredores de Valência e a própria cidade, foram atingidas por um violento temporal com uma pluviosidade extrema e, em apenas oito horas, choveu o equivalente a um ano, dando origem a inundações que se revelaram catastróficas. Em 69 municípios da comunidade, a água e a lama inundaram as casas e as ruas, destruíram infraestruturas e arrastaram centenas de viaturas, provocando ainda 225 mortes e um número ainda indeterminado de desaparecidos.
Em 1957 tinha acontecido a Gran Riada de Valencia, que também foi catastrófica e provocou muitas mortes, levando o governo do general Franco a avançar com um megaprojecto denominado Proyeto Sur, que “retirou” o leito do rio Turia do centro da cidade, o que agora se revelou importante pois poupou o centro urbano dos efeitos das inundações e das enxurradas de lamas.
Toda a gente atribuíu a catástrofe ao efeito das alterações climáticas. Porém, a construção de edifícios, autoestradas e outras infraestruturas nos arredores da cidade, muitas vezes sem qualquer planeamento e sob o efeito da especulação imibiliária, contribuíram para a impermeabilização de extensas áreas urbanas, o que agravou a situação de calamidade, pois as águas pluviais não foram retidas pelos solos.
Cerca de dois meses depois o diário Las Provincias que se publica em Valência, evoca na sua edição de hoje a catástrofe de Outubro e publica uma impressionante fotografia de centenas de automóveis destruídos pelo temporal, escolhendo como título “um tsumani de sucata”.
A imagem é impressionante e aqui está como, muitas vezes, uma imagem vale mais que mil palavras.

Os obscenos lucros da banca portuguesa

A manchete da edição de ontem do Diário de Notícias destaca que a “banca portuguesa vai ter ano mais lucrativo de sempre em 2024”, o que parece ser uma boa notícia, pois todos se recordam dos tempos difíceis por que passou a banca depois da falência do banco norte-americano Lehman Brothers, acontecida em 2008.
Aquela falência deu origem a uma grande crise financeira internacional que chegou a Portugal e afectou a débil banca portuguesa, daí resultando a falência do BPN (2008), do BPP (2010), do BES (2014) e do BANIF (2015), ainda agravadas por gestão fraudulenta ou incompetente. Seguindo a orientação preconizada pelas instituições financeiras internacionais, os sucessivos governos portugueses trataram de inscrever anualmente nos Orçamentos do Estado uma previsão de despesa para salvar ou apoiar a banca. Estima-se que, até agora, os contribuintes portugueses já tenham avançado com mais de 20 mil milhões de euros. No caso da CGD que precisou de se capitalizar em 2017, a ajuda do Estado ascendeu a 2.500 milhões de euros que, segundo foi divulgado, já foram totalmente pagos.
Significa, portanto, que a banca portuguesa está a cumprir o seu papel na relação entre a Economia e a Sociedade ou a servir a população, ao assegurar a gestão dos depósitos bancários e das poupanças, articulando-os com o crédito bancário e o financiamento dos investimentos.
Porém, quando se anunciam 6,6 mil milhões de lucros no terceiro trimestre de 2024, com destaque para os 1,4 mil milhões de euros apresentados pela CGD, o maior banco português e que é público, ficamos perplexos, pois é uma quase obscenidade num país onde ainda há tanta pobreza. Embora uma boa parte deste lucro regresse ao accionista Estado sob a forma de dividendos, a CGD comporta-se como um vulgar banco comercial, pois retira-se das pequenas localidades porque “não são rentáveis” e castiga os seus clientes, não lhes pagando juros justos pelos seus depósitos, enquanto lhes cobra exorbitantes valores por manutenção de contas. Um abuso! Ocorre-me o “Poemarma”, o poema de 1967 que Manuel Alegre incluíu n’O Canto e as Armas e que diz:
- Que [o poema] chegue ao banco e grite: abaixo a pança!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Aproxima-se o ponto de viragem ou o fim?

A edição de hoje do jormal francês La Dépêche du Midi mostra as fotografias de Zelensky, Trump e Putin e, como manchete, pergunta se o ano de 2025 será o ponto de viragem, isto é, se é o ano do fim da guerra na Ucrânia. Era bom que a resposta fosse positiva, que terminasse a guerra, que fosse aliviado o sofrimento dos ucranianos e que os europeus e o mundo respirassem de alívio.
A guerra na Ucrânia já dura há quase três anos e é uma vergonha civilizacional para a Europa, que deveria ter presentes as catástrofes de 1914-1918 e de 1939-1945. Porém, em vez de procurar os caminhos da paz, as partes só falam de guerra e de mais guerra, de armas e de mais armas, usando uma preocupante retórica belicista, com a qual a indústria do armamento lucra escandalosamente.
No seu actual formato, a guerra foi iniciada no dia 24 de Fevereiro de 2022 com a invasão russa da Ucrânia. Nesse dia, o regime de Putin deu início a uma “operação militar especial”, embora já se verificasse uma tensão separatista e de guerra desde há alguns anos nas regiões orientais ucranianas, devido à luta das autoproclamadas independências de Donetsk e Lugansk. O regime de Kiev reagiu à invasão russa com o apoio militar de vários países ocidentais e da própria NATO e, na realidade, a possível integração da Ucrânia na NATO tornou-se o factor determinante da guerra e da paz, pois passou a ser considerada uma ameaça para Moscovo.
Agora com a eleição de Donald Trump para a Casa Branca e com a sua repetida promessa de “acabar com a guerra em 24 horas”, as expectativas subiram e fica claro que o que está em jogo não são apenas o fim da guerra e a satisfação das aspirações autonomistas de algumas regiões orientais da Ucrânia. Fica evidenciado que, com esta guerra, estão confrontadas as rivalidades entre as superpotências americana e russa, com a China a espreitar e com a velha e preguiçosa Europa de cócoras, sem ter opinião própria. Talvez o Donald consiga acabar com esta situação catastrófica que está a destruir a Ucrânia, a abalar as economias europeias e a ameaçar a paz no mundo.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Em apoio da Palestina e do seu povo

Não é costume que o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias trate de matérias como a Palestina, como acontece na sua última edição, a propósito do apoio que as Artes têm dado à luta do povo palestiniano pela sua dignidade e pelo seu direito a viver na sua terra. Comentando esse facto, José Carlos de Vasconcelos justifica-o porque estamos perante “uma injustiça, um conflito, um drama, uma tragédia de tão longa duração, proporções tão terríveis e devastadoras”.
Acontece que diariamente nos chegam notícias de mais atrocidades e de mais mortes em Gaza, com milhares de pessoas com as suas casas destruídas e as suas vidas destroçadas. Já são mais de 40 mil mortos, mas esse número aumenta todos os dias. As forças israelitas continuam a matar e a destruir, não poupando hospitais nem escolas, nem a acção das organizações humanitárias e das agências das Nações Unidas, ao mesmo tempo que impedem que os abastecimentos humanitários, incluindo água e comida, cheguem a quem deles necessita. 
É uma crueldade extrema que nada justifica. Muitas vozes classificam estas acções israelitas como crimes de genocídio e o Tribunal Penal Internacional já emitiu mandado de captura contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, enquanto principal responsável por supostos crimes de guerra cometidos nesta guerra, que nasceu do ataque terrorista do Hamas de 7 de Outubro de 2022.
Não há humanidade, nem decência, nem respeito pelos direitos humanos na acção dos extremistas israelitas, nem na indiferença e cumplicidade com que os Estados Unidos e a União Europeia parecem apoiar Israel, mesmo que Antony Blinken ou Ursula van der Leyen aparentem fazer esforços para travar as atrocidades israelitas.
Neste contexto, o JL sugere que Portugal não espere pela decisão da União Europeia e que “devia reconhecer formalmente o Estado da Palestina, como já fizeram muito mais de cem países, entre eles todos os países lusófonos e, em Maio passado, a Espanha”. Não se percebe a raxão porque, nem António Costa nem Luís Montenegro, deram esse passo...

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Vendée Globe 2024 já se aproxima do fim

Vendée Globe 2024 que é uma corrida à volta do mundo para navegadores solitários, partiu de Les Sables-d’Olonne na costa atlântica francesa no passado dia 10 de Novembro e tem decorrido sem quaisquer percalços significativos. 
Dos quarenta velejadores que partiram apenas houve quatro desistências, pelo que ainda estão em prova 36 concorrentes, que se distribuem por um longo “pelotão” em que os da frente já passaram o cabo Horn e os mais atrasados ainda não passaram o cabo Leeuwin, o que significa que os primeiros e os últimos já estão separados por mais de sete mil milhas!
À frente da corrida e navegando separados por cerca de 40 milhas, ou navegando quase à vista, encontram-se os franceses Yoan Richomme e Charlie Dalin, que já percorreram mais de 17.600 das cerca de 24.000 milhas do percurso, isto é, cerca de 73% da prova. Navegam actualmente a nordeste das ilhas Falkland e tudo indica que vai ser batido o record da prova que é de 74 dias, 3 horas e 36 minutos.
O jornal L’Équipe dedicou a sua última edição à Vendée Globe 2024 e numa sugestiva ilustração apresenta em primeira página os monocascos Arkéa de Yoan Richomme e Macif de Charlie Dalin a passar o cabo Horn, na extremidade da América do Sul, tendo escolhido como título dessa edição a frase “Réveillon au Horn”.  
Porém, na noite do réveillon que se aproxima, haverá certamente vários monocascos a passar o cabo Horn, mas o Arkéa e o Macif já estarão bem no interior do Atlântico a navegar com rumo a Les Sables-d’Olonne.

O Natal de 2024 como tempo de reflexão

Nesta quadra festiva que muitas vezes é demasiado consumista, costumamos saudar os amigos e desejar-lhes felicidades e prosperidades, com saúde e paz. Não fujo a essa tradição e, por isso, saúdo os leitores deste blogue, aproveitando a mensagem da edição de ontem do jornal Le Télégramme que se publica em Brest.
Através do Google Analytics sei que os leitores da Rua dos Navegantes não são muitos mas que são muito bons, pois são regulares nas visitas que fazem ao blogue. Esses leitores-amigos, ou amigos-leitores, estão sobretudo em Portugal, em particular na área de Lisboa, embora também haja alguns deles que residem no estrangeiro. Para todos eu desejo um Joyeux Noël ou umas Boas Festas, como tempo de união e de fraternidade, mas também de reflexão sobre o que se passa à nossa volta, por aqui e pelo mundo, em que as mudanças tecnológicas e culturais, bem como as transformações naturais, ocorrem a velocidades impensáveis, gerando preocupações e incertezas. 
A proliferação de guerras e as consequentes catástrofes humanas que provocam, tal como a fome e a pobreza, são imagens da forma desgovernada e muitas vezes irresponsável como o mundo caminha e são, também, um preocupante sinal dos tempos.
A nível global estamos a perder a confiança nos políticos que “governam” o mundo e que se mostram impotentes face à era da desinformação que atravessamos, em que toda a informação é manipulada para servir objectivos mais ou menos desonestos.
É sobre este quadro cinzento que devemos reflectir e, na nossa esfera de acção fazer alguma coisa, para recuperarmos a confiança, a paz e a tranquilidade que podem tornar mais felizes cada ser humano e toda a humanidade.

domingo, 22 de dezembro de 2024

R.I.P. Carlos de Almada Contreiras

Vitimado por doença súbita faleceu na passada 4ª feira o Comandante Carlos de Almada Contreiras, uma das figuras mais importantes do Movimento das Forças Armadas (MFA), tendo sido um dos principais elementos que levou à participação da Marinha nas operações da queda do regime que visaram restaurar a Liberdade e a Democracia em Portugal. Tanto no período da conspiração e da redacção do Programa do MFA, como também na preparação da acção militar de 25 de Abril de 1974, o Comandante Contreiras mostrou grande coragem, muita determinação e capacidade de liderança. Foi ele que, em circunstâncias decisivas, escolheu a canção “Grandôla Vila Morena” para ser transmitida no “Programa Limite” da Radio Renascença para servir de senha para o início das operações militares do "dia inicial, inteiro e limpo".
O Comandante Carlos Contreiras tinha 83 anos de idade e integrou a primeira Comissão Coordenadora do Programa do MFA, foi Conselheiro de Estado, Conselheiro da Revolução e, em 1986, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Era um dos símbolos do 25 de Abril e destacava-se pela sua sobriedade, dinamismo e inteligência.
Ontem, o cortejo fúnebre que saíu de Beja para Lisboa, fez uma pausa em Grândola, onde a Câmara Municipal lhe promoveu uma homenagem, após a qual seguiu em direcção a Lisboa para a Capela de São Roque, nas instalações da Marinha. 
Hoje, o Comandante Contreiras voltou a ser homenageado na Capela de São Roque com a participação da Associação 25 de Abril e, depois, na Praça do Município com a participação da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Presentes também  muitos amigos, que não esqueceram o Homem nem o seu importante contributo para o movimento do 25 de Abril, para o prestígio das Forças Armadas e para a democratização do país. Todos perdemos um grande Homem!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Macau é uma pérola na palma da mão

Tanto a imprensa da República Popular da China (RPC) como a imprensa da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) destacaram nas suas últimas edições a visita que o presidente Xi Jinping está a fazer ao território de Macau, a propósito da celebração do 25º aniversário da sua transferência da soberania portuguesa de Macau para a soberania da RPC, que aconteceu no dia 20 de Dezembro de 1999.
Os portugueses estabeleceram-se na pequena península de Macau em meados do século XVI e, apesar de diversas contingências sucedidas ao longo de cerca de 450 anos, o território e a sua população conservaram sempre relações amistosas com a China. Depois de negociações entre Portugal e a RPC acontecidas após a democratização portuguesa, a “Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau”, assinada no dia 13 de Abril de 1987, veio definir Macau como um “território chinês sob administração portuguesa” e agendar a transferência da soberania para o já referido dia 20 de Dezembro de 1999. Esse documento incluía uma série de compromissos e garantias que permitiam um considerável grau de autonomia a Macau, bem como a conservação das suas especificidades, incluindo a manutenção da língua portuguesa e o modo de vida macaense. Após 25 anos de soberania chinesa, vários indicadores mostram que perdura e é respeitada a memória portuguesa em Macau e que há um grande esforço para preservar a língua portuguesa.
O jornal Global Times, um jornal diário alinhado com o Partido Comunista Chinês, destacou a visita de Xi Jinping a Macau e escolheu para manchete a sua expressiva declaração: 
“Macau é uma pérola na palma da mão da Pátria”.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Prémio Sakharov e a oposição venezuelana

A edição de hoje dos principais diários portugueses, casos do Jornal de Notícias, do Público e do Correio da Manhã, incluiu um anúncio publicitário de uma página, pago pelo Parlamento Europeu, em homenagem aos laureados com o Prémio Sakharov 2024, respectivamente María Corina Machado, líder das forças democráticas da Venezuela, e Edmundo González Urrutia, presidente eleito do país.
María Corina Machado que foi escolhida como representante da Plataforma Unitária Democrática para disputar as eleições presidenciais de 2023 contra o chavista Nicolas Maduro, foi impedida pelas autoridades venezuelanas de se apresentar à eleição, vindo a ser substituída pelo diplomata Edmundo González Urrutia. 
As eleições realizaram-se no dia 28 de Julho e Nicolas Maduro auto-proclamou-se vencedor, ignorando as acusações de grossa fraude eleitoral, mas o provável vencedor González Urrutia foi internacionalmente reconhecido como vencedor.
O povo festejou nas ruas a sua vitória, mas Nicolas Maduro não reconheceu a sua derrota e nunca aceitou a divulgação das actas eleitorais, tratando de perseguir os oposicionistas, que enfrentaram a repressão chavista do regime de Nicolas Maduro. González Urrutia acabou por se exilar em Espanha, mas María Corina Machado permaneceu na Venezuela por vontade própria. Agora, o Parlamento Europeu veio reconhecer a justeza e a coragem da sua luta pela democracia na Venezuela.
O Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento foi instituído em 1988 pelo Parlamento Europeu, quando o físico nuclear e dissidente russo Andrei Sakharov estava exilado em Gorky, sendo atribuído anualmente a personalidades ou entidades que se esforçam por defender os direitos humanos e as liberdades fundamentais. 
O prémio foi hoje entregue pela presidente do Parlamento Europeu numa cerimónia realizada em Estrasburgo, na qual González Urrutia esteve presente e María Corina Machado foi representada pela filha.
Tal como o Parlamento Europeu, também aqui prestamos homenagem àqueles que na Venezuela lutam pela democracia.

domingo, 15 de dezembro de 2024

Síria: indefinição, apreensão e incerteza

Decorreu apenas uma semana desde a fuga do ditador Bashar al-Assad e a entrada em Damasco dos rebeldes do Hayat Tahir-al Shams (HTS) e do seu líder Abu Mohammad al-Jowlani.
Segundo as imagens que nos chegam, a cidade de Damasco está em festa com a sua libertação do regime dos Assad e uma onda de esperança e de optimismo alastra pelo país. A diáspora síria também festeja e muitos querem regressar, embora também haja algumas minorias que desconfiam dos novos poderes e querem abandonar o país.
A situação é de euforia como mostra a capa da mais recente edição da revista Der Spiegel, mas o mais elementar bom senso mostra que o mundo deve estar apreensivo. A Síria viu-se livre de Bashar al-Assad, mas ninguém se atreve a adivinhar o futuro, que tanto pode ser de estabilidade, como de mais uma dura guerra. A Síria é uma manta de retalhos de etnias, de religiões e de grupos armados rivais. O Estado sírio implodiu, grande parte do país está destruido e as ambições dos vizinhos são ilimitadas. A Turquia viu-se livre dos Assad e vê agora uma boa oportunidade para resolver a seu favor a questão curda. Israel não disfarça a sua política agressiva para com o vizinho sírio para o atemorizar e, provavelmente, para ocupar uma parte do seu território. Os Estados Unidos já trataram de mandar para a região o seu enviado especial Antony Blinken. A Rússia e o Irão, aparentemente derrotados, continuam silenciosos e sem justificar porque deixaram cair Bashar al-Assad. Este é o sombrio panorama sírio, que a alegria da libertação parece esconder.
Entretanto, o líder Abu Mohammad al-Jowlani começou a usar a sua verdadeira identidade – Ahmed al-Sharaa – certamente para mudar a sua imagem radical e torná-la mais moderada. Este sírio de 42 anos de idade, que nasceu na Arábia Saudita mas que viveu na cidade de Damasco desde os 7 anos de idade, aderiu ao jihadismo da al-Qaeda no Iraque, passou pelo Daesh e a partir de 2017 cortou com a al-Qaeda e criou o Hayat Tahir-al Shams (HTS), uma organização que as Nações Unidas, os Estados Unidos, o Reino Unido e muitos outros países consideram terrorista.
É caso para usar uma famosa e popular frase: prognósticos só no fim do jogo…

sábado, 14 de dezembro de 2024

A nova alternativa: canhões ou manteiga

Um político holandês de 57 anos de idade e de nome Mark Rutte é, desde o dia 1 de Outubro de 2024, o 14º Secretário-Geral da NATO, sucedendo ao norueguês Jens Stoltenberg que ocupou aquele cargo durante dez anos. Parece não haver mudanças significativas na orientação ideológica da NATO e se Stoltenberg vivia obcecado com a possibilidade de uma invasão russa e dizia “mata”, temos agora Rutte a dizer “esfola”, ao afirmar que “o perigo está a avançar na nossa direção a toda velocidade” e, ao mesmo tempo, a expressar a convicção de que “não estamos preparados para o que está para vir em quatro ou cinco anos”.
O holandês nem esperou pela posse de Donald Trump e já avisou que os cidadãos dos 32 países-membros da NATO devem “aceitar fazer sacrifícios”, como cortes nas suas pensões, na saúde e nos sistemas de segurança social, para aumentar as despesas com a defesa e garantir a segurança a longo prazo na Europa, isto é, aumentar o valor de referência das suas despesas de defesa dos actuais 2% para 3% do PIB, como referia o Finantial Times na sua edição de ontem.
Mark Rutte náo teve tempo de consultar ninguém. Falou por si, pelo seu partido, pelos seus princípios e até se pode pensar que também falou por Portugal. Mas não é assim. Portugal é um membro fundador da NATO, mas é um estado soberano com órgãos democráticos que decidem a forma como devem ser repartidas as suas despesas entre “canhões ou manteiga”. As suas despesas na área da defesa são actualmente da ordem dos 4.186 milhões de euros, mas o primeiro-ministro – com base não se sabe em quê – já veio dizer que podem atingir os 6 mil milhões de euros em 2029. Com que base e com que direito?
A escolha entre “canhões ou manteiga” obedece a regras constitucionais e nenhum poder político tem legitimidade para fazer essas escolhas à margem da vontade dos portugueses, ou não é um qualquer Rutte que nos diz como devemos aplicar os nossos escassos recursos.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

5º centenário da morte de Vasco da Gama

Vasco da Gama é a personalidade que, nos nove séculos do percurso histórico português, teve maior reconhecimento no mundo por ter sido o comandante da expedição marítima que em 1498 chegou à Índia e iniciou o encontro de dois mundos e duas culturas – europeia e asiática – cuja mútua existência ainda era mal conhecida. Essa viagem marítima mudou o mundo e deu origem ao fenómeno da globalização. O poeta Fernando Pessoa veio a escrever que essa viagem fez com “que o mar unisse, já não separasse” e o reputado historiador inglês Arnold Toynbee escreveu que, com essa viagem, se iniciou a era gâmica ou a era de Vasco da Gama.
Vasco da Gama nasceu em Sines cerca de 1469 e o rei D. Manuel recompensou-o, fazendo-o conde da Vidigueira e Almirante-Mor dos Mares da Arábia, Pérsia, Índia e todos os Orientes, mas a sua carreira também ficou marcada por comportamentos agressivos que hoje se diriam violadores dos direitos humanos.
À sua primeira viagem (1497-1499), sucedeu uma segunda expedição (1502-1503) e uma terceira viagem em 1524. Foi nesta terceira viagem que morreu na cidade de Cochim na véspera do Natal de 1524, provavelmente vítima de paludismo, tendo sido sepultado na igreja de S. Francisco. Em 1539 os seus restos mortais foram transladados para Portugal, mas a lápide tumular original ainda se conserva naquela igreja.
A evocação do 5º centenário da morte de Vasco da Gama tem sido ignorada pelas nossas autoridades culturais e políticas, o que é lamentável. Porém, devem ser elogiadas as iniciativas editoriais da revista Visão, mas também da revista Sábado, que assim prestaram um bom serviço à nossa memória histórica e às nossas heranças culturais.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Na velha União Europeia... o rei vai nu!

A Europa vive tempos muito difíceis e o jornal catalão Ei Punt Avui, na primeira página da sua edição de hoje, publica as imagens de cinco líderes europeus e, como manchete, escolhe a frase “luta pelo poder na UE”. Depois, o jornal acrescenta que a União Europeia acusa falta de liderança num contexto marcado pela guerra na Ucrânia, pela debilidade do eixo franco-alemão, pela ascensão da extrema-direita e pelo regresso de Donald Trump.
São tudo verdades inquestionáveis e preocupantes mas que, lamentavelmente, não têm sido tratadas pelos meios de comunicação europeus com o destaque que se justifica. A União Europeia bem procura mostrar uma unidade que na realidade não existe, porque as nacionalidades e os nacionalismos persistem, gerando egoismos e rivalidades, com cada estado-membro a procurar sobrepor os seus interesses aos dos seus parceiros. O projecto europeu de paz, de progresso e de solidariedade que nasceu com o Tratado de Roma, está a dar lugar a um projecto geopolítico dirigido por Ursula von der Leyen que, em vez de se preocupar com os problemas dos europeus e procurar arbitrar os conflitos em curso, tem optado por dar todo o seu apoio aos regimes de Kiev e de Telavive, o que claramente serve o complexo militar-industrial e enfraquece a Europa. Macron é uma tristeza para os franceses. Scholz é uma desilusão para os alemães.
Encravada entre a meteórica ascensão da Ásia e o poderio existente do outro lado do Atlântico, a Europa está a tornar-se cada dia mais irrelevante no mundo, com menos paz, menos progresso e menos solidariedade, mas também com menos prestígio na comunidade internacional. O que se pode dizer da Europa do declínio, do envelhecimento, da pobreza, da imigração, da recessão económica, das vaidades e de tantos outros problemas, é que o rei vai nu…

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

A Venezuela e as suas rainhas de beleza

Numa altura em que os concursos de beleza são muito contestados e são objecto de muita controvérsia um pouco por todo o mundo, alegadamente por serem expressões de menor dignidade da pessoa humana e expressões de sexualização, o jornal venezuelano Diario 2001 que se publica em Caracas, deu alargado destaque ao concurso de Miss Venezuela 2025.
O concurso nacional de beleza feminina é realizado anualmente na Venezuela para escolher as representantes nacionais para os concursos de Miss Universo, Miss Mundo e Miss Beleza Internacional e, de acordo com a informação disponível, esses concursos de beleza serão, juntamente com as telenovelas, as principais actividades destinadas à promoção da imagem externa da Venezuela. Significa, portanto, que os concursos de beleza são um elemento importante na cultura no país de Nicolas Maduro e, na realidade, o país apresenta o eloquente palmarés de sete títulos de Miss Universo, seis títulos de Miss Mundo e nove títulos de Miss Beleza Internacional. Nenhum país do mundo tem tantas beldades! Que orgulho devem sentir todos os venezuelanos!
A notícia do Diario 2001 informa que Stephany Abasali, uma estudante de Economia com 24 anos de idade e que representou o estado de Anzoátegui, foi a vencedora e vai ser a Miss Venezuela 2025. A partir de agora lá se vai o curso de Economia, porque a radiosa Stephany vai ser um objecto ao serviço de interesses comerciais e políticos.
Felizmente que Portugal não é a Venezuela e que, por cá, os concursos de beleza não fazem parte da nossa matriz cultural e são coisas marginais e desinteressantes a que ninguém dá atenção.

Treinadores portugueses vencem no Brasil

O Botafogo de Futebol e Regatas, ou simplesmente Botafogo, triunfou no Campeonato Brasileiro de Futebol, isto é, venceu o Brasileirão 2024, disso tendo feito manchete o jornal O Globo, na sua edição de hoje, com grande destaque. A cidade do Rio de Janeiro está em festa pois o clube venceu este título nacional pela terceira vez e quebrou um jejum de 29 anos, pois anteriormente só vencera o campeonato em 1968 e em 1995.
O Botafogo não tem estado ao nível de clubes como o Palmeiras, o São Paulo, o Corinthians e o Santos (estado de São Paulo), ou o Flamengo, o Fluminense e o Vasco da Gama (estado do Rio de Janeiro), além de outros, tendo nos últimos trinta anos descido de divisão três vezes.
Por isso, o seu triunfo no Brasileirão 2024 e, nove dias antes na Taça Libertadores da América, a principal competição de futebol da América Latina, levou a euforia às torcidas organizadas do Botafogo e da população deste bairro do Rio de Janeiro.
O treinador e principal responsável por este momento único na vida do centenário clube é o português Artur Jorge que, em nove dias, conduziu o Botafogo a dois prestigiosos títulos. Depois de Jorge Jesus no Flamengo e de Abel Ferreira no Palmeiras, o sucesso de Artur Jorge veio confirmar que os portugueses de maior notoriedade no Brasil desde o tempo do imperador D. Pedro, não são Pessoa, nem Saramago, nem Amália, mas sobretudo os treinadores de futebol. Quem diria?

O incerto (e perigoso) futuro da Síria

A imprensa mundial noticia hoje a queda da cidade de Damasco e a fuga de Bashar al-Assad para a Rússia. Aparentemente, em doze dias apenas, os “rebeldes” do grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS) de Abu Mohammad al-Jolani derrubaram o regime autoritário dos Assad e terminaram a guerra civil que se travava desde 2011. Nessa longa guerra participaram o Irão e a Rússia em apoio do regime sírio e, do lado das várias forças da oposição, os Estados Unidos, a Arábia Saudita, a Turquia e os Emirados Árabes Unidos, estimando-se que tenha havido mais de 14 milhões de refugiados e mais de 600 mil mortos.
O fim do regime de Bashar el-Assad foi anunciado com regozijo nas capitais europeias onde os seus líderes manifestaram satisfação pelo fim do ditador, mas sem comentarem se também foi o fim da ditadura.
Porém, há quem tema que o radicalismo do novo poder seja pior que o secularismo do regime de Bashar al-Assad. Há, também, quem se admire com a ausência de resistência das forças armadas sírias que se desintegraram e com a apatia dos aliados de Bashar el-Assad. A rapidez com que os “rebeldes” tomaram o poder em Damasco, a indiferença das forças russas e iranianas que estão no terreno e as instruções aparentemente deixadas por Bashar el-Assad para que se fizesse uma transição pacífica do poder, parecem revelar que esta operação-relâmpago teve contornos de concertação que ainda estão por esclarecer.
O jornal francês Libération escreve que a Síria caminha para o desconhecido e a imprensa chinesa alerta para que a mudança na Síria pode perturbar o Médio Oriente. O facto é que a queda dos ditadores naquela região do mundo não contribuiram para a paz, nem para a democracia, enquanto se tem visto muita inabilidade ocidental nesta região, onde Israel e o regime de Netanyahu fazem o que lhes apetece.

domingo, 8 de dezembro de 2024

A Síria e a queda de Bashar al-Assad

A imprensa internacional escolheu hoje como tema dominante das suas manchetes a reabertura da catedral de Notre-Dame e o encontro entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky no qual, segundo algumas notícias, o presidente eleito americano terá “empurrado” Zelensky para uma negociação com Putin. Foram raros os jornais que trouxeram a crise síria para a primeira página das suas edições de hoje e um deles foi o jornal La Vanguardia que se publica em Barcelona, que escreveu com destaque que “los islamistas sírios alcanzan los suburbios de Damasco”. A notícia era surpreendente, porque não era imaginável que, em cerca de dez dias, os “rebeldes” tivessem ocupado as cidades de Aleppo e Homs e estivessem às portas de Damasco, aparentemente sem resistência das forças leais a Bashar al-Assad, nem a oposição dos seus aliados russos e iranianos.
Hoje de manhã, a notícia televisiva chegou inesperada pela sua rapidez: os “rebeldes” tinham entrado em Damasco e Bashar al-Assad tinha abandonado a capital e deixara o país num avião com a família, sem combates, nem oposição e com forte apoio popular. E foi tudo tão rápido que só amanhã a imprensa poderá noticiar a queda do regime sírio…
O fim do regime ditatorial sírio, que era dominado pela família Assad, foi saudado em muitos países mesmo sem se saber quem são e o que querem fazer os "rebeldes", mas também já se levantam vozes a referir a incerteza e os riscos que envolvem a transição, num quadro interno com o poder a ser repartido por vários grupos étnicos e religiosos e num quadro regional muito complexo.
Aí está mais um desafio para a estabilidade mundial e se nos lembrarmos do que aconteceu no Iraque, depois de Saddam Hussein, e na Líbia, depois de Muammar Kaddafi, talvez não tenhamos razões para entrar em euforia com a queda de Bashar al-Assad.

sábado, 7 de dezembro de 2024

Reabertura da nova Notre-Dame de Paris

No dia 15 de Abril de 2019 um violento incêndio destruiu a histórica catedral Notre-Dame de Paris, um símbolo da cidade e do cristianismo, que é classificada como Património Mundial pela Unesco e que, então, recebia 12 milhões de visitantes por ano.
A derrocada da catedral que começou a ser construida no século XII na île de la Cité, rodeada pelas águas do rio Sena, foi um enorme choque emocional para os franceses, mas também para o mundo, com a visão em directo das imagens televisivas da catástrofe. Foi imediatamente decidida a reconstrução da catedral e cerca de 340.000 doadores asseguraram a coleta de fundos suficiente para custear os trabalhos de reconstrução e restauro, que se prolongaram por cinco anos e custaram 700 milhões de euros.
Hoje, vai realizar-se a festa da reabertura da Notre-Dame, a que assistirão cerca de cinco dezenas de chefes de Estado e de governo, com a imprensa francesa, designadamente o jornal Le Parisien, mas também alguma imprensa internacional, a dedicarem largos espaços a este acontecimento cultural de importância mundial. É a festa da catedral de Notre-Dame, a festa do Património Mundial e a festa da França.
Porém, nem tudo são rosas nesta festa francesa, em que o presidente Macron quer ser o rei, pois o governo de Barnier está demitido e andam todos muito nervosos. Além da crise política, também a economia francesa está em perda, havendo grandes preocupações quanto ao futuro e teme-se que a característica agitação social dos franceses se revele, sobretudo através do Mouvement des gilets jaunes.
No entanto, é bem possível que os franceses se fiquem apenas com um sentimento de orgulho pela reconstrução da Notre-Dame e que esqueçam os protestos, por agora...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

As crises políticas que afectam a Europa

O Parlamento francês votou uma moção de censura contra o governo de Michel Barnier, que se demitiu e deixou a França sob uma grave crise política, a que se junta uma crise económica traduzida por um défice público de 6,2% do PIB, que é o maior desequilibrio orçamental da Zona Euro, bem como uma dívida pública de 112% do PIB. O jornal Le Télégramme destaca hoje em manchete que “Barnier censuré, Macron isolé”, enquanto um outro jornal escreve que “Macron plus fragilisé que jamais”.
Marcelo Rebelo de Sousa, uma vez mais vestido de comentador, veio afirmar de imediato que a queda do governo francês é um “sinal de como a Europa está cheia de problemas”. Afirmar agora que a Europa está cheia de problemas é uma evidência, ou mesmo uma la palissada, porque a incapacidade dos actuais líderes europeus já vem de longe, até porque se entregaram a Ursula van der Leyen, que tem um protagonismo excessivo e pouco imaginativo, mas que ainda não teve tempo para condenar Israel pelo genocídio a que está a sujeitar o povo palestiniano.
A França vive uma situação muito complexa e há quem exija a demissão de Emmanuel Macron, mas a Alemanha também passa por grandes dificuldades, com a economia em recessão e com o pior desempenho económico da União Europeia, mas também com a coligação governamental chefiada por Olaf Scholz a desfazer-se, pelo que haverá eleiçóes antecipadas em Fevereiro.
Estamos a caminho de um vazio político em França e na Alemanha, as duas maiores e mais influentes potências económicas da União Europeia e essa circunstância é altamente preocupante e desprestigiante para a Europa. Podem vir aí dias sombrios…

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A próspera Europa tem muita pobreza…

A imprensa portuguesa divulgou hoje que, segundo os dados do INE, ”um quinto dos portugueses acima dos 65 anos é pobre”.
Numa época de prosperidade como aquela em que vivemos, em que as pessoas viajam e compram automóveis, a existência de tantos pobres na nossa sociedade tem que ser interpretada como uma aberração e uma violação dos direitos humanos.
A definição de pobreza e de pobre envolve, sobretudo, a falta de recursos e de rendimentos que assegurem a subsistência, mas também se manifestam através da fome, do limitado acesso à educação e da exclusão social, mas o conceito não é consensual. O INE afirma que em 2023, cerca de um milhão e 760 mil portugueses viviam com menos de 632 euros por mês, embora realçando que a taxa de pobreza em Portugal tivera uma ligeira diminuição em 2023.
No conjunto da União Europeia e de acordo com o Eurostat, em 2023 o risco de pobreza ou exclusão social era de 21,4%, correspondente a 94,6 milhões de europeus, sendo mais grave nos territórios ultramarinos franceses, no sul da Itália e nas regiões rurais da Roménia, parecendo que o problema em Portugal terá menos gravidade.
A edição de hoje do jornal La Provence que se publica em Marselha, destaca em manchete que 17.4% da população da Provença – uma região do sueste da França na orla do Mediterrâneo, onde se localiza a famosa Côte d’Azur – é pobre. Com tanta pobreza, era importante que os líderes europeus atacassem o drama da pobreza e não desperdissassem recursos nos conflitos em curso, que bem poderiam ser resolvidos pela via da diplomacia e da negociação.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Carlos Tavares e o abandono da Stellantis

Desde que se consolidou o regime democrático em Portugal e o nosso país deixou de estar isolado e “orgulhosamente só”, os portugueses deixaram de ter o estigma do emigrante pobre que procurava no estrangeiro aquilo que a sua terra não lhe proporcionava e passaram a “competir” internacionalmente em várias actividades, atingindo níveis nunca dantes alcançados. Os portugueses passaram a mostrar que eram tão capazes como os outros e a ser reconhecidos. Podem citar-se José Saramago e Cristiano Ronaldo, Paula Rego e Álvaro Siza Vieira e, sobretudo, aqueles que ocupam posições de grande notoriedade mundial como António Guterres e António Costa, embora outros nomes pudessem ser mencionados.
Hoje, vários jornais franceses e italianos, entre os quais o Vosges matin, um diário regional que se publica na cidade de Épinal, situada no nordeste da França, destacam o gestor português Carlos Tavares por se ter demitido do cargo de administrador executivo da Stellantis, um gigantesco grupo multinacional do sector automóvel que, entre outras, possui as marcas Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Citroën, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia, Maserati, Opel. Peugeot e Vauxhall. É uma grande nau e por isso susceptível de grande tormenta.
Acontece que o sector automóvel europeu está em crise considerada grave. Essa crise chegou à Stellantis que baixou as suas vendas em 8,6%, o que se revelou catastrófico num grupo que oferece 12,9 milhões de postos de trabalho e é responsável por mais de 7% do produto interno bruto da União Europeia. Carlos Tavares não resistiu e demitiu-se. Era, provavelmente, o mais importante gestor português, muito reconhecido no sector automóvel europeu. 
Pode ser que agora regresse a este jardim à beira-mar plantado e que nos ajude a sair da cepa torta.

A violência e a guerra de regresso à Síria

Na passada sexta-feira, dia 29 de Novembro, um numeroso grupo de oposicionistas sírios, congregados em torno da facção Hay’et Tahrir al-Sham (antiga Frente al-Nusra), lançou uma operação-relâmpago contra a cidade de Aleppo, que era controlada pelo Exército Árabe Sírio, isto é, pelas forças militares comandadas pelo presidente Bashar al-Assad. 
De acordo com as notícias divulgadas, os rebeldes sírios tomaram o controlo de Aleppo, sendo a primeira vez, desde 2016, que a cidade é palco de uma batalha de grandes proporções. Este inesperado ataque é o mais intenso que acontece no noroeste da Síria desde 2020, o ano em que a Rússia e a Turquia chegaram a um acordo para acalmar o conflito, depois que as forças governamentais sírias tomaram áreas anteriormente controladas por combatentes de diversos grupos oposicionistas. Entretanto a Rússia já informou que a sua força aérea foi em socorro do exército sírio e é natural que o Irão também avance para apoiar as forças sírias agora derrotadas em Aleppo. 
O jornal francês L’Humanité anuncia hoje que a queda de Aleppo é o regresso da guerra e que os jihadistas tiveram o apoio activo da Turquia. 
Pensava-se que a guerra na Síria, iniciada em 2011, já tinha acabado, sobretudo devido ao enorme apoio da Rússia e do Irão ao regime de Bashar al-Assad, mas esta ofensiva do grupo Hay’et Tahrir al-Sham, que é considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, Rússia, Turquia e alguns outros estados, veio mostrar como o mundo se agita cada vez mais no Médio Oriente, mas também noutras regiões. 
O reaparecimento do conflito sírio só vem complicar o já preocupante panorama internacional.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O novo presidente do Conselho Europeu

António Costa iniciou hoje o seu mandato como presidente do Conselho Europeu, sucedendo ao belga Charles Michel, o que constitui um acontecimento relevante para a auto-estima dos portugueses. Já havia António Guterres a dirigir as Nações Unidas e agora há um outro português a dirigir politicamente a União Europeia, o que mostra como as elites nacionais estão preparadas para exercerem altos cargos internacionais.
António Costa tem actualmente 63 anos de idade e foi o Primeiro-Ministro de Portugal desde 2015 a 2024, tendo pedido a demissão do seu cargo na sequência de qualquer coisa ainda não esclarecida, mas que tem todo o ar de “emboscada” preparada por adversários políticos.
O desafio que vai enfrentar a partir de Bruxelas é complexo e ele terá que usar a inteligência, a sabedoria e a serenidade para se relacionar com os 27 estados-membros, ou as 27 pátrias europeias, ou ainda, as 27 vaidades nacionais, onde cohabitam línguas e culturas muito diversas, estados-gigantes e estados-pigmeus, esquerdas e direitas, nórdicos e latinos, eslavos e saxónicos. Nesse relacionamento, assumem grande importância a guerra da Ucrânia e as relações com a América de Trump e com a Rússia de Putin, mas também a coesão e a solidariedade internas, o alargamento, a problemática das minorias étnicas, as alterações climáticas, entre muitas outras questões que vão determinar o futuro próximo da Europa.
Na sua actividade, António Costa corre o risco de colidir com a Comissão Europeia e com a sua presidente Ursula von der Leyen que, no seu anterior mandato, interveio muitas vezes como se presidisse também ao Conselho Europeu, designadamente com o apoio que tem dado à crueldade do regime israelita. Além disso, esperam-se grandes mudanças na Europa e no mundo pelo que, usando uma figura meteorológica, podemos dizer que António Costa vai estar no “olho do furacão”.
Hoje, o jornal Público publicou uma extensa entrevista com o novo Presidente do Conselho Europeu, a quem certamente todos os portugueses desejam uma feliz comissão e um contributo positivo para a paz e para o progresso da União Europeia.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Mário Soares evocado no seu centenário

Na sua edição de hoje, o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias destaca a figura de Mário Soares e associa-lhe duas palavras que são mágicas: Liberdade e Cultura.
Mário Soares nasceu em Lisboa no dia 7 de dezembro de 1924 e, se fosse vivo, faria 100 anos de idade dentro de alguns dias, pelo que aquele semanário lhe dedicou parte da sua edição de hoje, acentuando as suas facetas de líder político e de homem de cultura.
Com as suas virtudes e os seus defeitos, Mário Soares foi um activo combatente contra a Ditadura, uma das mais importantes figuras da construção do nosso regime democrático e, muitas vezes, foi o rosto externo do novo Portugal de Abril.
Depois de muitos anos de perseguições e prisões, em Abril de 1974 encontrava-se exilado em Paris quando nasceu “o dia inicial, inteiro e limpo”. Regressou imediatamente a Portugal e, primeiro pelo seu exemplo de corajoso lutador pela liberdade e, depois, pela legitimidade do voto popular, tornou-se uma figura central da vida política portuguesa, integrando governos provisórios, presidindo ao primeiro Governo Constitucional (1976-1978) e sendo eleito Presidente da República (1986-1996).
Mário Soares despertou o entusiasmo de multidões e teve muitos apoiantes, mas também teve muitos críticos, mas os portugueses reconhecem e não esquecem que se conduziu com coragem e coerência em defesa da Liberdade e da Democracia.
Ao destacar a efeméride que se aproxima, que é o centenário natalício de Mário Soares, o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias toma a dianteira evocativa num país em que há demasiadas celebrações históricas, que nem sempre são justas e consensuais como se viu recentemente, pois as celebrações nacionais só fazem sentido se servirem para unir e não para dividir.
As comemorações que recordarão Mário Soares vão realizar-se a partir do dia 7 de Dezembro de 2024 e estendem-se até ao final de 2025, serão organizadas e dinamizadas por uma Comissão de Coordenação das Comemorações do Centenário, concretizando-se através de um programa muito diversificado, descentralizado e pedagógico. 

sábado, 23 de novembro de 2024

Obra de arte? Os deuses estão loucos!

Alguma imprensa internacional, designadamente o diário alemão Die Welt cuja sede se localiza em Berlim, noticiaram que na passada quarta-feira na Sotheby’s de Nova Iorque, foi leiloada uma instalação classificada como obra de arte, que consiste numa banana colada à parede com fita adesiva. Aquela instalação foi criada pelo artista italiano Maurizio Cattelan que lhe deu o título de Comediante e que foi arrematada por 6,2 milhões de dólares por Justin Sun, um empreendedor na área da criptomoeda nascido na China, que fez a sua licitação via telemóvel a partir de Hong Kong.
O título do filme “Os deuses devem estar loucos” bem pode aplicar-se a estas coisas a que alguns chamam obra de arte, a estes provocadores a que chamam artistas e a esta espécie de investidores em arte, pois tudo isto parece realmente uma coisa de loucos.
A licitação durou apenas sete minutos e a estimativa inicial, que previa que a venda encaixasse no intervalo compreendido entre um milhão e 1,5 milhões de dólares, veio a ser largamente ultrapassada.  Justin Sun bateu outros seis investidores e também adquiriu um certificado de autenticidade, que lhe dá “autoridade para colar uma banana a uma parede e chamá-la Comediante”, bem como as instruções de Maurizio Cattelan para instalar a obra correctamente, de modo a que o comprador possa, caso queira, substituir a peça de fruta sempre que esta apodreça. Inacreditável!
Maurizio Cattelan apresentou Comediante pela primeira vez em 2019 na Art Basel de Miami, uma feira de arte contemporânea onde a galeria Perrotin, que exibiu a peça, vendeu três edições da mesma por valores entre os 120 mil e os 150 mil dólares, cada uma. Agora a banana colada à parede com fita adesiva foi arrematada por 6,2 milhões de dólares.
Os deuses estão realmente loucos!

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O Brasil e a China em reforçada aliança

Devido às pioneiras relações históricas entre os portugueses e os chineses estabelecidas no século XVI, durante muitos anos vingou em Portugal uma narrativa que profetizava que, após o retorno de Macau à soberania chinesa que aconteceu em 1999, a nova Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) da República Popular da China seria uma ponte comercial e cultural entre os dois países.
Uma ponte tem dois sentidos, mas passados cerca de 25 anos, parece que Portugal vai desaproveitando essa ponte e que, inversamente, tem sido a China que a tem usado para chegar mais rapidamente a Portugal e aos países de língua oficial portuguesa, não só em África, mas também no Brasil. A China tem relações privilegiadas com Moçambique desde os tempos coloniais e vem intensificando a sua estratégia de penetração nos outros países africanos de língua oficial portuguesa, mas a sua aposta no Brasil parece estar cada vez mais no centro da sua política internacional.
O jornal hojemacau que se publica na cidade de Macau, apresenta-nos na sua última edição uma fotografia dos presidentes do Brasil e da China, que além de estarem juntos nos BRICS, se encontraram na reunião do G20 realizada no Rio de Janeiro. Essa fotografia, como refere o título do jornal, é uma eloquente mensagem. Após a reunião do G20, o presidente Lula da Silva recebeu Xi Jinping na capital brasileira com honras de Estado e, enquanto ambos reiteraram a necessidade de acabar com a guerra na Ucrânia, de reconhecer um estado palestiniano e de acabar com as atrocidades israelitas no Médio Oriente, trataram de intensificar as suas relações económicas, aprofundando a cooperação em muitos outros domínios.
O Brasil é grande e Portugal é pequeno, mas o facto é que parece que andamos muito distraidos…

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O adeus do grande tenista Rafael Nadal

Rafael Nadal é, provavelmente, o maior atleta espanhol de todos os tempos e é considerado um dos maiores tenistas mundiais, juntamente com Rod Laver, Pete Sampras, Roger Federer e Novak Djokovic, sendo consideradas históricas as rivalidades que manteve durante muitos anos com o suiço Federer e com o sérvio Djokovic.
Na passada terça-feira jogou em Málaga a sua última partida de ténis profissional, no âmbito da Taça Davis, mas os seus 38 anos de idade não lhe perdoaram, pois perdeu com o holandês Botic van de Zandschulp e, como estava previsto, anunciou a sua retirada. Foi um momento de tristeza para Nadal, para os dez mil espectadores que assistiram à partida e para toda a Espanha. Os jornais espanhóis, tanto desportivos como generalistas, dedicaram-lhe as suas primeiras páginas e alguns deles escolheram para manchete a frase “Gracias Rafa”, mas o Mundo Deportivo escolheu a palavra “Eterno” para o classificar.
Durante cerca de duas dezenas de anos, o tenista Rafa Nadal foi um motivo de orgulho para os espanhóis, tendo conquistado 103 títulos ATP e sido o primeiro tenista mundial que venceu 22 Grand Slam, dos quais catorze aconteceram em Roland-Garros. Porém, também ganhou na Austrália (2 vezes), em Wimbledon (2 vezes) e no Open dos Estados Unidos (4 vezes) e, além disso, como se ainda fosse pouco, Nadal conquistou duas medalhas de ouro olímpicas, a primeira em singulares em Pequim (2008) e a segunda em pares no Rio de Janeiro (2016).
Rafael Nadal é, de facto (e não provavelmente), o maior atleta espanhol de todos os tempos.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

A COP 29, a Cimeira do G20 e as guerras

Na presente semana realizaram-se ou estão a acontecer duas importantes cimeiras mundiais: a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29) que está a decorrer em Baku, no Azerbeijão, e a Cimeira do Grupo dos Vinte (G20), que decorre no Rio de Janeiro.
Significa que, para além do seu contacto permanente no quadro das Nações Unidas e dos seus canais diplomáticos bilaterais, os países e os líderes mais poderosos do nosso planeta vão estar em contacto próximo para encontrar soluções para os problemas da humanidade e, de entre eles, o gravíssimo problema das alterações climáticas, que a edição do jornal londrino The Guardian ilustrava na sua edição de ontem com uma expressiva fotomontagem, em que tendo por fundo a silhueta da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro, se reconhecem seis cabeças prestes a afundar-se - Joe Biden, Xi Jinping, Ursula von der Leyen, Narendra Modi, Vladimir Putin e Shigeru Ishiba.
A COP 29 tem como objectivo assegurar o financiamento necessário para que os países em desenvolvimento enfrentem os impactos climáticos e a transição energética, com redução da sua dependência dos combustíveis fósseis e a utilização mais intensa das energias renováveis; a Cimeira do G20 tem como principais pontos de discussão o combate às injustiças sociais, à fome e à pobreza, bem como as questões da transição energética e do desenvolvimento sustentável.
Porém, como é evidente, serão as questões da guerra na Ucrânia e o seu desenvolvimento mais recente, mas também as outras guerras que se vão travando, que irão ocupar todas aquelas delegações, tanto em Baku como no Rio de Janeiro… e bom seria que encontrassem caminhos para a paz e para o progresso a que aspiram os seres humanos de todas as longitudes.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Angola celebrou 49 anos de independência

No dia 11 de Novembro de 2024 a República Popular de Angola celebrou o 49º aniversário da sua independência e o Jornal de Angola deu o devido destaque a essa efeméride, numa altura em que o país vive um período de grande estabilidade política, dinamismo económico e afirmação internacional.
A luta armada pela independência de Angola teve início em 1961 com o assalto às cadeias de Luanda (4 de Fevereiro) e o ataque às fazendas do norte, onde foram mortas centenas de pessoas (15 de Março). Depois de alguma hesitação, no dia 13 de Abril, surgiu a famosa declaração de Salazar: 
“Para Angola, rapidamente e em força”. 
Começava a guerra entre as Forças Armadas Portuguesas e as forças nacionalistas da UPA, do MPLA e, mais tarde, da UNITA, que alastrou do Norte para o Leste do território angolano e se prolongou até 1974. Não há unanimidade quanto à avaliação do estado da guerra em Angola em 1974, pois há quem defenda que Portugal controlava militarmente a situação e que os movimentos de libertação estavam a perder em todas as frentes, numa altura em que Angola vivia um tempo de progresso e prosperidade, mas também há quem sustente que o isolamento internacional de Portugal estava a levá-lo à derrota militar. 
Com o 25 de Abril, iniciou-se um complexo processo de descolonização, fortemente condicionado pela existência de três movimentos de libertação com ideários e apoios internacionais diferentes. A independència veio a ser proclamada pela voz de Agostinho Neto ao princípio da noite de 11 de Novembro de 1975. Foi há 49 anos. Seguiram-se tempos muito difíceis, mas o povo angolano ultrapassou todas as adversidades e tem vindo a construir um grande país que os portugueses admiram.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Os novos complexos militares-industriais

A edição de hoje do The Wall Street Journal destaca em primeira página e com uma fotografia a 4 colunas, o novo caça furtivo chunês Shenyang J-35A, que foi apresentado pela Força Aérea do Exército de Libertação Popular da China (PLAAF) no Air Show China 2024 realizado em Zhuhai.
Este caça de última geração representa um importante passo na modernização militar chinesa e é considerado um avanço no programa de armamento que visa igualar as capacidades dos caças furtivos dos Estados Unidos, nomeadamente o F-22 e o F-35, isto é, pretende “desafiar a influência americana naquela região asiática e reforçar as suas pretensões sobre Taiwan”. O caça J-35A é o resultado de uma década de pesquisa e desenvolvimento centrado na Shenyang Aircraft Corporation e junta-se ao caça J-20, que entrou ao serviço em 2017.
O novo caça foi apresentado na exibição aérea de Zhuhai, na qual também se exibiu o caça russo Sukhoi Su-57 o que, segundo os especialistas, “aponta para uma crescente cooperação militar entre a China e a Rússia”.
O mundo está a ficar muito perigoso. Antigamente “contavam-se espingardas”, mas nos tempos mais recentes contam-se aviões, mísseis e drones, enquanto se incentivam as indústrias do armamento, como se uma confrontação estivesse próxima. Os chamados complexos militares-industriais estão a ressuscitar e o investimento na defesa parece estar a aumentar um pouco por todo o lado.
Luís de Camões, no Canto IV de Os Lusíadas, pela voz do velho Restelo perguntava a Vasco da Gama quando em 1497 partia para a Índia:
                    A que novos desastres determinas
                    De levar estes Reinos e esta gente?
Será que os líderes mundiais pensam nos desastres a que podem conduzir os seus Reinos e as suas gentes?